INTRODUÇÃOA cirurgia de extirpação das amígdalas palatinas é uma das mais antigas relatadas na história médica; e, ainda, uma das mais realizadas na atualidade. Existem relatos de extirpação de amígdalas já no ano 3000 a.C., e nesta virada de século milhões dessas cirurgias são realizadas anualmente em todo o mundo. Se suas indicações, por um lado, apresentam um certo consenso na atualidade, a escolha da melhor técnica, desde que Physick utilizou uma guilhotina em 1827, está longe de representar uma unanimidade2, 8. Em textos sobre otorrinolaringologia como os de Paparella e Ballenger, tanto a técnica de dissecção quanto a da guilhotina amigdaliana (Ballenger-Sluder) são apresentadas, mas com pobre especificação das vantagens e indicações de cada uma.
Na nossa vivência como otorrinolaringologista, desde os tempos de faculdade, tivemos a oportunidade de encontrar profissionais e educadores com opiniões extremadas tanto a favor quanto contra essas técnicas, em geral pautadas por observações subjetivas e de pouco embasamento teórico. Da mesma forma, na literatura, são poucos os trabalhos que visam a determinar as vantagens e desvantagens dessas técnicas, embora se perceba uma preferência geral pela de dissecção3, 4, 5, 7, 9.
Objetivamos neste trabalho, por meio da análise de dados cirúrgicos, clínicos e laboratoriais, determinar se existe uma real diferença na aplicação de uma ou outra técnica.
MATERIAL E MÉTODOParticiparam deste estudo 41 pacientes com idade entre dois e 16 anos (Figura 1), com proporcionalidade de gênero, divididos randomicamente em dois grupos: operados pela técnica de dissecção e operados com o uso da guilhotina de Sluder. Para melhor análise estatística, os pacientes foram divididos em grupos etários de dois a três anos (n=14), quatro a cinco anos (n=13), seis a oito anos (n=9) e nove a 16 anos (n=5). Todos os pacientes sofreram entubação oro-traqueal e foram mantidos sob anestesia geral inalatória. O presente trabalho foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Maternidade Cristovão da Gama.
Analisamos parâmetros cirúrgicos, clínicos e laboratoriais. No tempo cirúrgico, foi medida a duração do ato cirúrgico e avaliada a necessidade de se proceder a hemostasia por pontos cirúrgicos (Figura 2). Quanto à avaliação clínica, utilizamos um teste analógico linear adaptado às nossas necessidades10, 12 tendo sido solicitado a um pequeno paciente, tanto no pré quanto no terceiro, sétimo e décimo quarto dias do pós-operatório, que informasse, por meio de um número de zero a três se apresentava, ou não, pouca, média ou grande intensidade de dor. Todas as operações foram realizadas pelo mesmo cirurgião, e as avaliações no pós-operatório foram realizadas por outro profissional da equipe, de forma cega, visando acompanhar sinais clínicos, como hiperemia na região cirúrgica, edema, secreções e febre. Todos os pacientes foram orientados, no pós-operatório, a utilizar paracetamol em caso de dor ou febre. Foram ainda realizados hemograma e coagulograma no pré e terceiro dia do pós-operatório, bem como culturas e antibiogramas nos casos de suspeita de infecção. Tanto as condutas cirúrgicas quanto pós-operatórias fazem parte da rotina do Serviço.
Figura 1. Distribuição dos pacientes quanto à técnica cirúrgica utilizada, nas diversas faixas etárias.
Figura 2. Distribuição dos pacientes em função da técnica cirúrgica utilizada e da necessidade ou não de hemostasia por pontos cirúrgicos, nos diversos grupos etários (c/s: com sutura; s/s: sem sutura).
RESULTADOSTodas as crianças acabaram recebendo paracetamol na dosagem correspondente ao peso, sendo que em nenhum caso foi necessária a complementação com outro tipo de medicação. Ocorreram quatro casos de suspeita de infecção cirúrgica, não confirmadas pela cultura e antibiograma, com resolução espontânea dos sinais e sintomas, sem necessidade de uso de antibióticos. Quanto ao tempo cirúrgico, as cirurgias pela técnica de Sluder foram realizadas em menor tempo, quando comparadas com o grupo da técnica por dissecção, seja na análise global, seja na análise por faixa etária (Figura 3). Ainda referente ao ato cirúrgico, a necessidade de se realizar hemostasia por pontos cirúrgicos foi significativamente menor no grupo operado pela técnica de Sluder, embora esta significância desapareça à medida que a faixa etária das crianças aumenta (Figura 2). Não observamos diferença significativa em nenhum dos parâmetros clínicos analisados. Nos parâmetros laboratoriais, da mesma forma, não houve diferença significativa entre os grupos de diferentes técnicas, embora globalmente se observem significativas alterações nos pré e pós-operatórios de alguns parâmetros hematológicos da série vermelha, sendo que esta significância se perde com o aumento da faixa etária. Na análise dos coagulogramas, não foram observadas diferenças significativas tanto na análise global quanto na análise por grupos.
DISCUSSÃONão é raro se observarem, tanto fora quanto dentro dos meios acadêmicos, ardorosas discussões sobre as vantagens e desvantagens de diferentes técnicas de tonsilectomia. Embora as justificativas de seus defensores sejam muitas, poucos são os estudos que visam a determinar se existe, na prática, alguma vantagem significativa entre a técnica por dissecção, também chamada de "clássica", e a técnica com o uso da guilhotina de Sluder. Como nem sempre as instituições de ensino permitem que seus residentes desenvolvam ambas as técnicas, torna-se difícil para estes profissionais uma melhor avaliação das peculiaridades de cada uma. Mesmo para cirurgiões que dominam ambas as técnicas, em geral as avaliações passam muito mais pela subjetividade que por dados mais concretos. Assim, optamos por escolher o maior número possível de variáveis objetivas nesta análise.
Associada à variação do tempo cirúrgico, a freqüência de hemorragias que não cedem à pressão local com gazes é um parâmetro confiável para se avaliar a morbidade em relação à técnica4, 12, embora a experiência de cada cirurgião possa causar um importante viés na sua interpretação12. Em nosso estudo, a freqüência de hemorragias intra-operatórias e o tempo do ato cirúrgico foram significativamente maiores nos pa cientes operados pela técnica clássica, embora esta significância desapareça em pacientes de maior faixa etária. Não encontramos na literatura qualquer resposta para a menor freqüência de hemorragias pela técnica de Sluder, embora nos pareça óbvio que uma menor manipulação, atestada pelo menor tempo de cirurgia, possa ser uma das possíveis explicações.
Figura 3. Distribuição dos pacientes em função da técnica cirúrgica empregada e a duração do ato cirúrgico (análise global).
Não encontramos, por meio do teste analógico linear adaptado1, 13, uma resposta significativamente diferente entre os dois grupos quanto à intensidade da dor no pós-operatório, embora se observe um significativo aumento das queixas em grupos etários de maior idade, como relatado na literatura7. Da mesma forma, os demais parâmetros clínicos como edema, presença de secreção, hiperemia na região cirúrgica e febre não foram significativamente diferentes entre os dois grupos.
Nada encontramos na literatura sobre alterações laboratoriais diversas entre diferentes técnicas de amigdalectomias, embora se saiba que pequenos pacientes possam apresentar significativa perda de volemia nestas cirurgias5. Na nossa avaliação, observamos significativa queda de parâmetros hematológicos, como hematócrio e hemoglobina no hemograma do terceiro dia do pós-operatório, quando em comparação com o hemograma do pré-operatório na avaliação global, confirmando a atual literatura sobre o assunto. No entanto, na análise dós grupos por técnica cirúrgica, não foi observada diferença significativa.
CONCLUSÕESNossos resultados sugerem que alguns benefícios, como menor tempo cirúrgico e menor necessidade de suturas por pontos cirúrgicos, podem ser alcançados com a preferência pela técnica de Sluder, embora fique claro que estes benefícios não são tão evidentes à medida que a faixa etária dos pacientes aumenta. No entanto, sentimo-nos obrigados a ressaltar que, independentemente dos resultados deste ou de outros trabalhos semelhantes, a experiência do cirurgião ainda é o principal peso na escolha da técnica a ser utilizada.
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* Médico Otorrinolaringologista pela FMUSP. Pós-Graduando (Doutorado) pela Faculdade de Medicina da USP. Formado pela Faculdade de Medicina de Botucatu/SP - UNESP.
** Enfermeira, Pós-Graduanda (Mestrado) pela Faculdade de Medicina da Fundação ABC.
*** Aluno do 5° Ano de Medicina da Faculdade de Medicina da Fundação ABC.
Trabalho desenvolvido no Hospital Maternidade Cristóvão da Gama, em Santo André/SP, e apresentado no 35° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia.
Endereço para correspondência: Cécil Cordeiro Ramos - Rua Gamboa, 245 - 09190-670 Santo André/SP - Telefone: (0xx11) 9266-9950 - E-mail: cecil@canbrasnet.com.br
Artigo recebido em 15 de janeiro de 2001. Artigo aceito em 19 de março de 2001.