INTRODUÇÃOGrande parte dos pacientes adultos com desordens do sono apresentam sonolência diurna como principal sintoma. São exemplo os portadores da síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS), desordem do movimento límbico periódico, narcolepsia e hipersonia idiopática8.
A SAOS é causada por episódios recorrentes de obstrução das vias aéreas altas durante o sono, causando diminuição do fluxo respiratório (hipopnéia), ou mesmo interrupção deste (apnéia), podendo ser puramente obstrutiva, havendo aumento do esforço respiratório central, onde ocorre a interrupção dos movimentos respiratórios; ou mista, quando o componente central coexiste com o obstrutivo. Durante o sono, ocorrem ainda repetidos episódios de ronco e microdespertares noturnos. A sonolência excessiva diurna é sua manifestação típica, devido à interrupção do sono normal noturno e sua pobre qualidade. Os pacientes geralmente apresentam sono agitado, dificuldade respiratória e numerosos microdespertares associados a movimentos do corpo2.
A obesidade está freqüentemente associada a esta síndrome, não sendo incomum encontrarmos pacientes não obesos com esta patologia, mostrando haver outros fatores etiológicos envolvidos2, 3. Os pacientes geralmente não são conscientes desse distúrbio, nem de sua gravidade. Sua fisiopatologia é complexa e ainda não completamente entendida. É aceito que a estabilidade e patência da via aérea superior é dependente da flacidez da orofaringe e da ação dos músculos abdutores, que são normalmente ativados de forma rítmica durante a inspiração. A via aérea está sujeita ao colapso quando a força produzida por seus músculos é excedida pela pressão negativa gerada pela atividade inspiratória do diafragma e dos músculos intercostais. Isto pode ocorrer quando a pressão de sucção for excessivamente alta ou quando as forças de dilatação dos músculos não forem suficientes para compensar a sucção2, 3.
É sabido ainda que repercussões cardiopulmonares da apnéia obstrutiva severa, como hipertensão pulmonar, cor pulmonale e falência cardiorrespiratória levando a hipoxemia e hipercapnia, são manifestações graves e não incomuns, muitas vezes subdiagnosticadas, dessa síndrome3, 12. Na tentativa de mensurar a sonolência diurna, foram criados diversos métodos e escalas, como o teste de múltipla latência do sono, o teste da manutenção da viglia, a escala de sonolência de Stanford e a escala de sonolência diurna de Epworth, sendo esta última a mais aceita e confiável.8
OBJETIVOConfigurada a importância da avaliação da sonolência diurna no diagnóstico da SAOS e sua relação com patologias cardiorrespiratórias, avaliamos, por meio da escala de sonolência de Epworth e da escala de sonolência de Stanford, pacientes acometidos de patologias cardíacas crônicas diversas, objetivando com isso a determinação da incidência de sonolência diurna nesses pacientes.
CASUÍSTICA E MÉTODOAvaliamos 27 pacientes internados na enfermaria de Cardiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (HCFMRPUSP), sendo 19 homens e 8 mulheres, com idade variando de 17 a 81 anos, todos portadores de patologias cardíacas crônicas, avaliando-os quanto à presença de sonolência diurna, bem como questionando-os quanto à presença de sinais e sintomas sugestivos de SAOS. Os pacientes foram avaliados pelas escalas de Epworth e de Stanford, que objetivam mensurar a sonolência diurna, e pela escala do ronco, que avalia a audibilidade desse sintoma. Foi ainda calculado o índice de massa corpórea (IMC), como forma de avaliar possível sobrepeso nesses pacientes.
RESULTADOSDos 27 pacientes avaliados, 22 referiram sonolência diurna pela escala de Stanford, representando 81,48% do total. 40,74% dos casos apresentaram na escala de Epworth índice maior ou igual a 12, sugerindo presença de sonolência diurna, dos quais 81,81% tinham manifestações clínicas sugestivas de SAOS; e 63,63%a, IMC maior que 25, indicando sobrepeso. Entre os pacientes com índice na escala de Epworth menor que 12 (59,26% do total), 50% apresentavam clínica sugestiva de SAOS; e 37,5%, IMC acima de 25.
O ronco foi referido como queixa por 19 pacientes (70,37% do total), sendo classificado como alto ou muito intenso em 33,33% dos indivíduos avaliados.
As patologias cardíacas mais comumente encontradas foram a coronariopatia (59,26%), a valvulopatia (18,52%), a miocardiopatia (14,81%), a hipertensão severa (3,7%) e a arritmia (3,7%) (Tabela 1).
DISCUSSÃONa escala de Epworth, índice maior que 12 sugere a necessidade de investigação de possível apnéia; e acima de 16 é fortemente indicativo de apnéia moderada a severa6, 8, 11. Esse conceito vem sendo utilizado como forma de triar os indivíduos com maior chance de SAOS atendidos no Ambulatório de Ronco e Apnéia do HCFMRP-USP; e, com isso, indicando-se avaliação por polissonografia.
Doenças cardiopulmonares podem ser exacerbadas, causadas ou mesmo desencadeadas pela SAOS1, 5, 14. Estudos a longo prazo têm mostrado que pacientes apneicos hipertensos têm seu nível pressórico reduzido\ após a instalação de CPAP, o que não ocorre nos normotensos. Com isso, quando a apnéia é resolvida cor11 sucesso em hipertensos, a dose das medicações anti-hipertensivas deve ser sempre revista 14,15. Patologias cardiopulmonares são tão prevalentes em indivíduos com apnéia moderada a severa, que uma avaliação completa é necessária na maioria dos pacientes, especialmente se um procedimento cirúrgico estiver indicado. Hipertensão arterial tem sido encontrada em cerca de 50% dos apneicos, hipertensão pulmonar em 10 a 20%, além de arritmias cardíacas que também mostram grande prevalência4, 7, 9, 10, 13, 14.
TABELA 1 - Distribuição dos pacientes quanto a idade, sexo, patologias cardíacas, escalas de Epworth, Stanford e Ronco, índice de Massa Corpórea e clínica de SAOS.
O fato de termos encontrado 40,74% de portadores de sonolência diurna pela escala de Epworth e 81,48% pela escala de Stanford, entre os cardiopatas avaliados, mostra-nos sua grande incidência nesse grupo de pacientes, reforçando a idéia de que é alta a proporção de apneicos entre os cardiopatas. Tal diagnóstico, porém, só seria possível por meio da polissonografia, exame objetivo que ratificaria nossos achados.
Obesidade não é pré-requisito para SAOS. Todavia, é alta sua prevalência em apneicos. Sabe-se ainda que o índice de massa corpórea (IMO é dado pelo peso em quilogramas, dividido pelo quadrado da altura em metros, estabelecendo que o valor acima de 25 é considerado sobrepeso e maior que 27, correlacionando-se com aumento progressivo da mortalidade. É bem estabelecido também que a perda de peso melhora a severidade da apnéia e que seu ganho é geralmente acompanhado por piora dos sintomaS14.
Encontramos 48,15% de pacientes com sobrepeso, no grupo avaliado, sendo 63,63% nos pacientes portadores de sonolência diurna e 37,5% entre os não sonolentos, fato este que confirma a relação da obesidade com a SAOS. O achado de 70,37% de pacientes com queixa de roncos reforça ainda mais a importância do profissional otorrinolaringologista na avaliação desses indivíduos.
CONCLUSÕESModeradamente, a síndrome da apnéia obstrutiva do do sono é considerada entidade de grande prevalência, apresentando a sonolência diurna como importante manifestação clínica. Sua relação com patologias cardíacas crônicas continua objeto de grande discussão. O fato de termos encontrado grande proporção de doentes portadores de sonolência diurna entre os cardiopatas avaliados não prova inequivocamente sua relação com a SAOS, reforçando todavia a necessidade de uma melhor avaliação desses pacientes, objetivando o diagnóstico de possível apnéia em portadores de patologias cardíacas.
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* Médico Residente de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP).
** Médico Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Mestre em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP.
*** Professor Titular e Chefe do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP.
Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Prof. José Antônio A. de Oliveira. Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
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Artigo recebido em 4 de agosto de 2000. Artigo aceito em 14 de setembro de 2000.