É a cirurgia da amigdala um dos capitulos que mais interesse apresenta para o nosso departamento de medicina; tão acentuado é o seu relevo que nunca foi possivel abafar o éco de sua discussão dentro dos recintos cientificos. Fatalmente a sua enorme popularidade provocaria a repercussão que tem tido nos meios leigos.
O resultado disto era de esperar. De um lado, um grupo de entusiastas, entre letrados e profanos, não admite restricções á indicação cirurgica, extirpando ou mandando extirpir todas as amigdalas que lhe vêm ter ás mãos; antagonicamente a este, um segundo grupo, conservadores inveterados, que prega abertamente contra a amigdalectomia, não perdoando a nossa ignorancia referente á verdadeira fisiologia do orgão.
O mal produzido por este estado de cousas é bem conhecido de todos, dispensando assim qualquer comentario.
Para nós, entretanto, cirurgiões especialisados, com a nossa responsabilidade mais imediata, dita o bom senso que nos coloquemos na terra de ninguem, sem tomar parte na contenda.
Contra as investidas cirurgiões sistematicas, objectaremos que a indicação operatoria para as amigdalas, constitue um dos "leitmotivs" da literatura na especialidade; aos conservadores impenitentes, retorquiremos, com serenidade, que, si de facto, a fisiologia ainda não devassou com clareza a funcção do orgão normal, a patologia, compensando com vantagem esta lacuna, já de muito demonstrou exuberantemente, quanto a amigdala infectada é responsavel por uma multiplicidade de estados morbidos, factos estes perfeitamente controlados pela observação clinica e cirurgica.
Fiquemos pois por aqui, aceitando como premissas, que operar todas as amigdalas que aparecem é indubitavelmente desarazoado, e, que, desaconselhar sistematicamente a operação, é tambem erro e ainda bem maior.
Examinemos, para poder argumentar, ás minudencias do problema amigdala, como por exemplo, frente á tuberculose. Eis uma das perspectivas que mais nitidez cientifica exige de nossa parte, porque, si, de um lado, a cirurgia da amigdala vae até certo ponto interessar sectores da luta contra a peste branca, por outro, conjuga-se tambem com questões de não menor interesse social. Si a tisiologia ainda não nos deu o "mot d'ordre" final no sentido de operar ou não a amigdala tuberculosa ou na tuberculose, conhecemos bem qual é o interesse da colectividade na amigdaloadenoidectomia, como por exemplo, em qualquer campanha geral contra a surdez: a repressão á consanguinidade, o tratamento pre-natal da sifilis, a interdicção de medicação toxica para o orgão auditivo nas mulheres gravidas, serão esforços ingentes disperdiçados, si abandonarmos em más condições o nasofaringe infantil.
Não é nada facil, correndo a literatura, chegar a conclusões bem definidas sobre este palpitante assunto; torna-se mesmo quasi impossivel tão controversas são as opiniões.
É bem verdade que a laringologia se enriquece dia a dia, entrelaçando a patologia amigdaliana com outros focos cada vez mais remotos; mas, no tocante á tuberculose, afirma Veuillot, do Sanatorio de Hauteville, tem faltado regularidade de publicações, para que se conhecesse o problema com mais documentação. Do ponto de vista da tisiologia, quasi a mesma cousa se dá: literatura riquissima, focalisando a tuberculose sob aspecto os mais variados, mas não se encontram elementos para se conhecer a ultima palavra sobre o ponto que nos prende neste instante.
Surge logo a primeira dificuldade, quando se investiga a possibilidade de aceitar-se a amigdala como uma das portas de entrada do bacilo de Koch. E' bem sabido que a grande maioria dos tisiologos alemães e muitos franceses consideram a via aérea, pulmonar, como a principal via de acésso á tuberculose no chamado complexo primario de Ranke, não obstante a autoridade de Calmette, que considera ser o intestino delgado ou mais exátamente o duodeno, o ponto inicial a ser lesado; mas ainda, assim, fóra destas conquistas classicas, temos uma sóbra de certas percentagens de casos, onde podemos enxertar as amigdalas como primeiro ponto de contacto com o bacilo.
Roessner, na "Zentralblatt für die gesamte Tuberkuloseforschung", numero de Novembro do anno atrazado, acusa tuberculose inicial na amigdala três vezes em 296 biopsias realisadas, correspondendo a 1,01 % ; diz ele, depois de compulsar a literatura, que as percentagens variam de 1,6 a 5%.
Kudlich, no "Handbuch der Kindertuberculose", é bem mais retraído; não aceita mais de 0,09%.
Le Mée e Costil, também citados pela "Zentralblatt", relatam o resultado de 80 inoculações de material de amigdala em animais de laboratorio, acusando-se positiva apenas em três casos; na opinião destes autores, a tuberculose inicial da amigdala ainda está por demonstrar.
Boekler e Lublinski criticam todos estes numeros, sendo muito pouco propensos a aceitar estas estatisticas, porque, segundo o parecer deles haveria necessidade de um contróle microscopico seriado em todas as amigdalas que entrassem para tais avaliações.
Em compensação, autores ha que raciocinam justamente em sentido oposto: opinam eles que se poderá encontrar um fóco aparentemente inicial da amigdala em uma época em que já desapareceram por completo os elementos do complexo de Ranke, tanto a lesão do parenquima pulmonar como o ganglio satélite.
Em 1931, Cantionet apresentou á Sociedade de Pediatria de Montevidéo, um caso de tuberculose inicial do faringe, com documentação histopatologica, para cujo doente, tanto a clinica como a radiologia foram impotentes em determinar qualquer outro foco.
Koplick cita dois casos da mesma natureza.
Droosler, em 1928, relata a observação de um menino de um ano de idade, que apresenta as amigdalas muito aumentadas de volume, ganglios submaxilares hipertrofiados, parotidas infiltradas e febre muito alta.Tudo entra em ordem em uma semana. Dias depois, volta á cêna toda a sintomatologia, além de formação de fistulas na região submaxilar. Morte um mês depois. A' autopsia era indiscutivel o diagnostico de tuberculose da amigdala, assim como dos ganglios cervicais. Pulmão e intestino absolutamente sãos, a-pesar-de todo o rigor da técnica. Tratava-se, na opinião do autor, de uma amigdalite bacilar primitiva, sem invasão pulmonar.
Mais, não nos devemos alongar. Ha quem admita, embora em pequena percentagem, a tuberculose primitiva da amigdala; outros arriscam-se a numeros mais ponderaveis; finalmente, um terceiro grupo nega por completo esta eventualidade. Parece, porém, que deante de tais numeros, ha nisto mais interesse cientifico de que pratico, para o nosso ponto de vista, porquanto si a primitividade é discutida, não acontece outro tanto com a existencia de fórmas latentes nas vias aereas superiores, e, sob o aspecto cirurgico, o problema é o mesmo. E' ainda novo um artigo de Reynier para a "Revue de Laryngologie", dividindo a tuberculose cias vias aereas superiores em fórma granulica, ulcerosa e torpida, reservando uma quarta classe bem definida para as tuberculoses latentes e subdividindo-as em formas frustas e catarrais. Não interessa ser primitiva ou não, mas a tuberculose latente da amigdala é um facto concreto pouco sujeito a discussões. Basta lembrar de Schlittler, que encontrou 48 casos deste genero, comprovados pela biopsia.
Enveredemos agora em outra direcção.
Admitamos que, na realidade, a tuberculose primitiva entra para a patologia amigdaliana em percentagens quasi indifinitesimais e que a tuberculose latente existe e é tão silenciosa que, no dizer de Veuillot, o unico elemento de presunção é a anemia do véo do paladar.
Folhemos a literatura com cuidado, examinando o que ela contem sobre o resultado cirurgico para a amigdala tuberculosa. Não interessa de momento, o empirismo das agressões contra a amigdalectomia, nem tão pouco si a experiencia de alguns prova já ter extirpado amigdalas de tuberculosos sem maior dâno. O que é inconteste é não haver unanimidade nas opiniões e a contingencia que nos é imposta de conhecer o problema com atualidade e detalhe afim de que continuemos na nossa superioridade, frente aos consevadores sistematicos.
Castex, o notavel Professor da Universidade de Buenos Aires, realisou em 1930 um rigoroso inquerito na literatura sobre o problema amigdaliano; teve então oportunidade de cooperação com Segura, de se manifestar com muita precisão e propriedade a respeito da tuberculose, fazendo vêr os perigos que corremos, conhecida como é a importancia da amigdala no complexo focal, assunto que lhe serviu para uma serie de conferencias.
Um doente é portador de uma febricula, cuja causa é necessario elucidar e que está desafiando a semiologia. A amigdala, naturalmente é logo chamada á cêna.
Na solução do caso, ha duas maneiras de errar, diz Castex. Primeiro erro. Considerar como tuberculose o que não é.
Segundo erro. Considerar de fonte amigdaliana o que em parte ou em totalidade corresponde á tuberculose.
No primeiro caso, interpretar como tuberculose uma hipertermía de causa amigdaliana, póde-se não prejudicar tanto o doente, a-pesar de que o erro atúa muito sobre a moral do portador da febre e dá logar a que a causa focal amigdaliana atúe com as suas funestas consequencias.
A outra modalidade, considerar como amigdaliana uma febricula, de causa tuberculosa, diz ele, proporciona situações muito mais serias, porque, si tratamos conservadoramente a amigdala, descuidamos do processo tuberculoso e si a operamos, podemos deflagar um surto de tuberculose agúda.
Castex não faria uma afirmação de tal ordem sem beta documentá-la.
Apela para Reitter que cita três observações deste genero, todas de desfecho fatal; baseia-se em Meyer, que no estudo das amigdalites cronicas, chama a atenção para as possibilidades de erro, como por exemplo, febre ondulante, impaludismo, assim como com os surtos agúdos de tuberculose, que ás vezes aparecem depois da amigdalectomia; resume os estudos de Valdez sobre as septicemias especificas, que chama a atenção para aquelas que se deflagram depois de operações em fócos ósseos, assim como em seguida ás amigdalectomias, pois, diz Valdez, o numero delas é consideravel. Reporta-se depois a um caso de granulia pulmonar em seguida a um esmagamento amigdaliano apresentado ao Congresso de Pediatras de Lingua Francesa, em 1924, e, para finalisar acusa uma sua observação pessoal de uma moça de 17 anos operada em Buenos Aires.
Que a ninguem fique a idéa que tudo isto constitua um libelo de accusação por parte de Castex contra a operação de amigdala. Justamente por ser dela um entusiasta tratou de dissecar a questão em toda a sua intimidade. Para de tanto nos convencermos, basta compulsar a serie de conferencias publicadas pela "Prensa Medica Argentina" em 1930, e verificar até que ponto o citado Professor conhece este problema.
Voltemos a Roessner, autor por nós já citado, da Clinica de Frankfurt, e que como já dissemos, quasi não aceita a inoculação primitiva da amigdala; de qualquer modo, não a nega de todo, admitindo duas vias, uma aérea, outra alimentar. Na imensa maioria dos casos, diz ele, a localisação é secundaria, por via hematogena, linfógena ou esputogena. Ha sempre interesse pratico em conhecê-las, afirma Roessner, devido á eventualidade de se deflagrar uma tuberculose miliar agúda depois da extirpação do orgão doente: para comprovar esta afirmativa, relata casos de Lermoyez, Morgan e Wein. Na sua opinião, toda a creança com febre, suspeita de tuberculose, deverá ser afastada temporariamente afim de ser observada. Além disso, é necessario que seja negativa a cutireacção de Pirquet; em caso de positividade, é enviada para exame dos pulmões.
A observação de Lermoyez, acusada por Roessner, é antiga; data de 1894; tratava-se de uma jovem que, operada, seis semanas depois é atingida de tuberculose pulmonar, vindo rapidamente a falecer. Foi na época das pesquizas de Dieulafoy, Moore e Brindel, que demonstraram a presença dos bacilos de Koch nos tecidos linfoides do nasofaringe.
Uma, das duas observações de Koplick, diz respeito a uma creança de nove meses, que apresentava uma ulceração superficial em uma amigdala; esta é extirpada, assim como os ganglios do pescoço. Na amigdala encontram-se lesões francamente tuberculosas, os pulmões estão sãos; uma semana depois, aparece uma infiltração do lobulo inferior esquerdo, e termina pela morte rapidamente.
Murray e Maxwell são tambem muito reservados na indicação operatoria de amigdalas face á tuberculose; ambos referem-se á fórma latente, dos pulmões, seguida de septicemia e tuberculose miliar, depois da enucleação do citado orgão.
Despons, da Clinica do Professor Portmann, em um exaustivo estudo das vias aereas superiores na tuberculose, aborda o problema com muito cuidado. Cita nada menos de 5 observações de casos latentes que se tornaram manifesttos depois da aperação da amigdala, cujos resumos se seguem.
I. J., 32 anos, enfermeira. Em 30 de Outubro de 29, queixa-se que desde alguns meses tem tido amigdalites frequentes, que a forçam a interromper o serviço. Em 15 de Novembro de 29 amigdalectomia total. 13 de Março de 30: Tuberculose pulmonar evolutiva. Laringite infiltro-edematosa. Morte em Dezembro de 1930.
II. G, 39 anos. Em 1928, amigdalectomia por amigdalite de repetição. 1931. Laringite ulcerosa da epiglote. Tuberculose pulmonar. Morte.
III. B, 22 anos, estudante. Maio de 1926. Angina com febre, muitas vezes repetida. Estado subfebril. Amigdalecttomia. Julho de 1926. Tuberculose pulmonar. Outubro de 1926. Tuberculose faringolaringéa agúda. Morte.
IV. X, 22 anos. Julho de 1930. Ataques de amigdalite com albuminuria e hematuria. Depois de repetidos exames do aparelho pulmonar, clinico e radiologico, é resolvida amigdalectomia. Maio de 1931. Hemoptises. Infiltração do apice direito. Retira-se para um sanatorio. Cura.
V. Mlle S, 17 anos. 18 de Julho de 1930. Sofre de repetidas anginas, hipertrofia das duas amigdalas. Antecedentes colaterais. Uma irmã morreu tisica. Amigdalectomia. Agosto de 1931. Hospitalisada em um sanatorio, por hemoptise.
Resalvemos incontinenti que Despons não estabelece entre os fatos uma relação de causa e efeito. Mas, conclue ele, dada a deficiencia de nossos conhecimentos relativamente á via de infecção tuberculosa, a melhor conduta face a tais casos, é não operar. Todo antecedente bacilar será uma contraindicação operatoria, e, por isto, no Serviço de Portmann, todo o doente suspeito é afastado, até que a clinica, o laboratorio e os raios X, elucidem as suas verdadeiras condições. A amigdalectomia não gera a tuberculose e nem se pretende fazer uma suspeita de tal ordem; mas, póde dar a sua sancção a condições anteriores obscuras e insuspeitas. E este o modo de se exprimir Despons, ao finalisar o seu estudo.
Interessante tambem é a opinião de Veuillot, autor que aliás já citámos. Reconhece que são raros os casos citados na literatura, mas tambem aceita que uma operação intempestiva possa dar uma chibatada em um caso torpido e latente. Acrescenta que em tais emergencias, si forçados a operar, os metodos sangrentos são perigosos, porque libertam bacilos e abrem vasos, de maneira a preferir o bisturi electrico ao amigdaletomo.
Continuando porém a estudar a literatura no senttido a que nos propuzemos, vamos verificar que, sobretudo ultimamente, tem aparecido autores que se negam em absoluto a aceitar estas restricções operatorias. Destaca-se logo em primeiro plano Schlittler, da Universidade de Bâle, em um artigo publicado pela "Schweizerische Medizinische Wochenschrift", em 30 de junho do ano passado. Cita a observação de 98 creanças portadoras de linfomas cervicais suspeitas de tuberculose, todas operadas, sendo que em 48 o exame microscopico demonstrou nas amígdalas sináis certos da molestia.
Willige, da Clinica de Uffenorde, em um estudo tambem recente, publicado pela "Münchener Medizinische Wochenschrift", compulsando trabalhos de Trautmann, Oppikofer, Mitchell e Mann tambem chega a conclusão de que estes autores são favoraveis á amigdalectomia, mesmo em face da tuberculose.
De acôrdo com estas autoridades, na presença de amígdalas em más condições, acompanhadas de ganglios cervicais hipertrofiados, chama Willige especial atenção para um detalhe. Considera um erro tratar estas adenopatias sem primeiro remover a fonte de germens, que será a amigdala tuberculosa. Daí deflue o insucesso da roentgenterapia em tais casos. E' imprescindível que se operem as amígdalas para depois irradiar os ganglios, invariavelmente.
Willige comenta desfavoravelmente as idéas de Cready e Crowe. Estes autores são contrarios á operação da amígdala tuberculosa, por que, na opinião deles, a sua presença aumenta o estado de alergia especifica, agindo como autotuberculinoterapía. Seria isto uma pratica perigosa, assinála Willege, deixar o paciente convencido da sua imunidade aumentada em relação á molestia, porque nada impede a intercurrencia de uma faringite banal ou de Plaut-Vincent e daí a disseminação da tuberculose por via sanguinea.
Abordando os mãos casos citados na literatura, que tambem por nós já foram referidos, pensa o assistente de Uffenorde, que para evitá-los é de capital importancia o factor tempo no áto cirurgico: as amígdalas deverão ser extirpadas em poucos instantes, sendo que da demora poderá depender a generalisação da molestia. (Notar que o proprio Willige admite esta eventualidade). A nosso vêr, constitue isto um comentario lamentavel. De facto, qualquer de nós operará amígdalas em alguns segundos, sobretudo em creanças, mas sabemos que na dissecção, sob anestesía local de amígdalas fibrosadas, o problema é outro.
Conclue-se pois que estes autores modernos não se intimidam com as citações da literatura; sob um detalhe ou outro, operam as amígdalas presumivelmente tuberculosas ou não. Haja vista as 48 da estatística de Schlittler.
Quando se trata porém de investigar o resultado pratico da amigdalectomia em terreno tuberculoso, verificaremos que a literatura é completamente silenciosa. Onde estão os magnifícos resultados de que tanto nos orgulhamos frente ás otites, nevrites, artrites, nefrites ou qualquer outra das manifestações de infecção focal?
Tratando agora de dar um balanço final, é claro que há necessidade de reserva em qualquer das nossas conclusões, porque uma atitude intempestiva, irreflectida póde produzir efeitos desastrosos. Já fizemos vêr que de um lado está em jogo o prestigio da amigdalectomia, ha muito integrada no patrimonio profissional, e cuja reputação cientifica temos obrigação de defender; arranhar a popularidade desta operação, é positivamente prejudicar o meio em que se vive. Por outro lado a orientação geral na luta contra a tuberculose tambem exige muita meditação no que se afirma, uma vez que lhe diz respeito uma das partes do problema.
Ficou verificado que ha opiniões de responsabilidade tanto de um lado como de outro e que os ultimos conhecimentos, mesmo os mais recentes, ainda não nos permitem dar a ultima palavra sobre o assunto.
Desviar a sua solução para o factor tempo cirurgico, como pretende Willige, para a irradiação post-operatoria dos ganglios cervicais suspeitos, como preconisam Schlittler e outros, ou apelar para a reacção de von Pirquet ou Mantoux, indicadas por Roessner não são praticas das quais se possa lançar mão sistematicamente. Qual seria a grita dos delatores da agimdalectomia, si começassemos a irradiar um grande numero de creanças operadas ou usar larga manu a cutireacção, como elemento sistematico preoperatorio?
Deante de tais dificuldades e mais de acôrdo com o interesse colectivo, parece que o melhor seria menosprezar o numero de casos mãos como insignificantes; realmente sob o ponto de geral, seria melhor que erassemos em 1, para acertar em 99. Mas mesmo este ponto de vista filosofico não póde passar diz Veuillot, haveria necessidade publicados com mais regularidade que fizessemos uma idéa mais exacta da frequencia do perigo.
E pois atendendo a este apello, que nos resolvemos levar ao conhecimento da casa, as observações que se seguem.
Primeira: C. P., moço de 23 anos, procuranos para que examinassemos o laringe em 29-12-26. Chama logo atenção a sua rouquidão. Fôra operado de amigdalectomia dois meses atraz, e a sua rouquidão, que antigamente era ligeira, levava-o atualmente quasi que á afonia; além disso aparecêra febre, cousa que não notára antes de ser operado. Lojas amigdalianas bem esvasiadas e de aspéto são. Ulceração na parede do faringe; infiltração e edema na epiglote, assim como nas aritenoides e cordas vocais. Em 8-2-27, a-pesar-de ter feito uma temporada em clima adequado e helioterapia, volta á nossa consulta bastante peior. Afonía constante. Logo em seguida parte para a Suissa, onde falece 8 meses depois.
Segunda: P. A. P. moço de 21 anos, estudante de engenharia. Andava enfraquecido e, em vista de repetidas anginas, submetêra-se á amigdalectomia. Logo depois ficára rouco, sendo tambem esta a razão de nos procurar. Aritenoides francamente infiltradas, cordas vocais muito vermelhas. A-pesar-de procurar clima para o seu estado, francamente tuberculoso pelo exame clinico, faleceu um ano depois.
E' interessante notar que estas duas observações coincidem em suas linhas gerais com 3 das 5 publicadas por Despons, da clinica de Portmann. Em todas elas, ao todo 5, houve a instalação da fórma laringéa da tuberculose. Não deixa de ter seu valôr este pequeno parentesis, porque é conhecida a ação curativa da amigdalectomia sobre laringites banais. Seria um novo modo de errar, no dizer de Castex.
Terceira: L. T. menina de treze anos é por nós operada de amigdalectomia. Não possuimos apontamentos sobre a anamnése. Quatro meses depois, começa a se tornar febril, aparecem sintomas pulmonares que vão até a pleuriz purulenta. Retira-se para Campos de Jordão, onde permanece por 4 anos. Só ultimamente teve alta como curada. Coincidencia ou não é mister que se assinále, como faz notar Veuillot.
Façamos entretanto aqui ponto final, para tentar um esboço de conclusões.
I. A tuberculose primitiva da amigdala é uma fórma muito discutida, e, quando existente, de grande raridade.
II. A tuberculose latente da amigdala é por todos aceita e o seu diagnostico reveste-se de muita dificuldade.
III. Encontra-se na literatura um certo numero de casos de tuberculose insuspeita, que evoluiram rapidamente depois da amigdalectomia.
IV. Não obstante não haver elemento algum comprobatorio de causa e efeito entre os dois factos, ha autoridades que se insurgem contra a citada operação em terreno tuberculoso.
V. Por isto exigem anamnese apurada para todos os casos, não operam pacientes portadores de febriculas, chegando a recorrer á reacção de von Pirquet ou Mantoux, nos casos suspeitos.
VI. Aceitando este ponto de vista, é necessario prudencia tambem com os pacientes roucos, como nos casos citados nas observações; só poderão ser operados depois de apurados exames.
VII. Contrariamente ao pensamento destes autores, ha outros que não aceitam estas restricções operatorias, chegando mesmo a recomendar a operação na tuberculose, quando ha lesão amigdaliana manifesta.
VIII. Estes ultimos dão alto apreço ao factor tempo operatorio e á irradiação post-operatoria das adenopatías cervicais.
IX. Estes autores, contudo, não nos fornecem comentarios sobre os resultados post-operatorias na tuberculose.
X. Entre as opiniões que se retraem e as que avançam frente á tuberculose, ha um ponto de vista conciliador considerando a operação pelo menos como inutil e que vae sancionar uma situação anteriormente indefinida e insuspeita.
Parece-nos pois, deante do exposto, da dubiedade de opiniões, que o melhor será que nos desviemos desta operação frente á tuberculose; si não nos convencemos da sua contraindicação, aceitemo-la como inutil como pensam autores diversos, uma vez que entre os paladinos da operação para os tuberculosos não se encontra documentação sobre o resultado pratico post-operatorio.
Sigamos a orientação de Portmann, que tão alto tem mantido o renome da Clinica de Bordeaux, exigindo um dossier rigoroso dos casos suspeitos que o ponha a salvo de desapontamentos.
Continuemos, e continuemos com entusiasmo a operar os casos cientificamente indicados; eles são tantos que não nos sobrará tempo para dar ouvidos ao conservantismo imoderado e sem base.
Demais, trabalhemos em uma cruzada ativa e honesta de vulgarisação da amigdalectomia, fazendo vêr aos doentes e ao povo em geral, a necessidade desta pratica cirurgica, mas, nos limites do bom senso e da consciencia, para não caír no exagero e no descredito, lembrando-nos sempre de quanto o nosso prestigio de profissionais ás mais severas criticas é sujeito.
Que não mais ouçamos "primo non nocere".
SUMMARY
DR. FRANCISCO HARTUNG - Tonsillectomy in tuberculosis.
The subject of this paper is the problem of tonsillectomy in cases of tuberculosis. Really there is much interest because we find in the litterature many observations of patients suffering of latent tuberculosis that died more or less rapidly after the operation. The fact is cited by Reitter, Caxtex, Meyer, Valdez, Morgan, Wein, Lermoyez, Despons and others.
The auctors don't believe that the operation have some influence, but it is a matter of fact latent cases of tuberculosis are changed in manifest ones after the operation.
Everybody knows well the splendid results of tonsil operation in all cases of focal infection depending from the throat and the popularity of this surgery. It is just to defend this popularity that a number of auctors consider the suspect cases as a contraindication for tonsillectomy, notwithstanding the opinion of others. Roessner does not indicate the operation for suspect children with fever or positive Pirquet reaction, and Portmann requires a careful examination when there is some doubt of bacillar precedents.
(1) Comunicação apresentada á Secção de Oto-rino-laringología da Associação Paulista de Medicina, em 22 de Abril de 1935.
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