INTRODUÇÃOAo nascimento, a face encontra-se hipodesenvolvida em relação ao crânio; no decorrer dos primeiros anos de vida, o crescimento facial é responsável pela alteração na proporção craniofacial. Nessa fase, no entanto, a respiração nasal pode ser prejudicada por alguns fatores, acarretando alterações faciais de suma importância na criança 15 e 18.
A via respiratória é recoberta por tecido linfóide, formando o anel linfático de Waldeyer, que é constituído principalmente pelas tonsilas linguais, palatinas, faríngea e tubárias, além de tecidos linfóides. Esse tecido linfóide sofre hipertrofia dos dois anos de idade à adolescência, que, associada ao pequeno volume da coluna aérea nessa idade, pode obstruir a via respiratória16; esse fato é mais comum junto à tonsila faríngea, devido ao seu aumento de volume em uma coluna aérea estreita. Além disso, a rinite alérgica, levando à obstrução nasal, também pode levar ao padrão de respiração bucal nessa faixa etária. Essas duas entidades constituem as duas principais causas para respiração bucal, muitas vezes associadas entre si, entre várias outras que também podem ser observadas4.
A respiração bucal nessa fase, em que ainda ocorre o crescimento facial, leva a alterações posturais e de praxia, prejudicando a morfologia facial normal14 e 15.
No respirador bucal, por não haver a passagem com fluxo adequado de ar pelas fossas nasais, a mucosa nasal encontra-se hipertrofiada, pálida e hipofuncionante. Além disso, a hipofluxo nasal leva também à hipoplasia de seios maxilares e ó estreitamento das fossas nasais.
A hipoplasia maxilar pode ocorrer por dois fatores: a passagem de ar com fluxo inadequado pelas fossas nasais e a ausência de pressão da língua contra o palato duro14 e 15. Ela é representada tridimensionalmente: no sentido transversal, o palato é estreito, às vezes ogival (endognatia maxilar), o que leva a desvios da mandíbula numa tentativa de estabilizar a mordida. No sentido ântero-posterior, a hipoplasia maxilar se expressa pelo pseudoprognatismo mandibular. Já no sentido vertical, a ausência da pressão da língua contra o palato leva à insuficiência do crescimento vertical dos processos alveolares, levando, por sua vez, à infra-oclusão dentária.
O respirador bucal, para assumir tal postura respiratória, necessita manter a boca aberta quase que constantemente. Para tal, estende a cabeça em relação à coluna cervical14 e 17 e altera os estímulos musculares, levando a distúrbios de modelagem óssea durante o crescimento10.
Linder-Aronson10 relata aumento da altura facial anterior (total e inferior), aumento da inclinação do plano mandibular, retrognatismo facial, hiperdivergência mandibular com rotação de seu crescimento para posterior, abertura do ângulo goníaco, alterações nas inclinações axiais dos incisivos, extensão da cabeça e inferiorização do hióide; Hultcrantz6 refere a alta incidência de mordida aberta entre os respiradores bucais, além da rotação póstero-inferior da mandíbula. Oulis16 ressalta ainda o posicionamento da língua anteriorizado e inferiorizado, rotação posterior e inferior da mandíbula e alta incidência de mordida cruzada e de alterações dentárias (horizontal e veticalmente).
Segundo Marchesan12, as alterações fonoarticulatórias mais comuns são: hipotonia dos músculos faciais, principalmente os elevadores da mandíbula, alteração em tônus dos lábos, da bochecha e da musculatura supra-hióidea e anteriorização da língua ao repouso, alterando as funções de mastigação, deglutição e fonação, com interposição anterior da mesma nas duas primeiras funções e anterior ou lateral na última função. Bianchini' afirma haver aumento de tonicidade da musculatura perioral, como forma de compensar a hipotonia da musculatura elevadora da mandíbula; e, assim, amenizar as dificuldades de deglutição.
Limme9 refere que as diferentes posições da língua, de acordo com a experiência individual de praxia e gnosia, poderiam estar relacionadas ao grande dimorfismo de alterações observadas nessas crianças. Dessa forma, a língua baixa e em propulsão leva à hiperpropulsão mandibular, com aumento do desenvolvimento sagital da mandíbula ou até prognatismo mandibular; a língua em retropulsão leva ao subdesenvolvimento mandibular com retrognatismo mandibular; a língua interposta e anteriorizada leva à infra oclusão dentária ou desvios na inclinação dos dentes, principalmente os incisivos. A posição alterada da língua leva ainda a distúrbios de fonação e de deglutição, o que acentua ainda mais estes desvios no crescimento craniofacial.
Marchesan12 ainda relata que a deglutição atípica é conseqüência da má postura e baixa tonicidade dos órgãos fonoarticulatórios; segundo Bianchini1, a deglutição atípica ocorre não apenas pelos fatores acima relatados, mas também devido ao aumento da altura anterior da face, a rotação da mandíbula, a anteriorização da língua e a mordida aberta, dificultando ainda mais o vedamento labial.
Contudo, Humphreys e colaboradores7, Gwynne-Evans e colaboradores5 e Leech8, em estudos transversais e longitudinais, não observaram alterações craniofaciais em respiradores bucais. Estes autores atribuem esses achados à dificuldade muito grande em quantificar a obstrução nasal e determinar objetivamente o modo de respiração. Além disso, não fica estabelecido o grau de respiração bucal necessário para estabelecer relação de causa e efeito entre obstrução nasofaríngea e má oclusão dentária.
Devido à grande controvérsia que existe na literatura da relação entre o padrão de respiração, principalmente nas crianças, e o crescimento craniofacial, decidimos realizar uma avaliação completa: otorrinolaringológica, ortodôntica e fonoaudiológica em crianças portadoras de respiração bucal na faixa etária entre sete a 10 anos.
O propósito do trabalho foi avaliar a morfologia facial, através da análise cefalométrica do padrão facial, em um grupo de crianças respiradoras bucais entre sete e 10 anos, comparando-as com crianças da mesma faixa etária, respiradoras eminentemente nasais, e investigar nos respiradores bucais as possíveis alterações miofuncionais orais.
TABELA 1 - Classificação das crianças em relação ao tipo de respiração.
MATERIAL E MÉTODOForam avaliadas 35 crianças de sete a 10 anos conjuntamente nos serviços da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, Setor de Fonoaudiologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e a Clínica de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo. As crianças foram avaliadas individualmente em cada Serviço e apenas após o final da coleta dos dados é que estes foram analisados em conjunto.
Na Disciplina de Otorrinolaringologia, as crianças foram submetidas a avaliações clínica, radiológica e endoscópica (esta última não realizada em apenas algumas crianças, que não aceitaram submeter-se ao exame). Foram avaliadas todas as alterações anatômicas, como desvio septal, hipertrofia dos cornetos inferiores e a dimensão das tonsilas palatinas e faríngea.
A nasofibroscopia foi realizada, para se verificar a porcentagem de obstrução do cavum pelo tamanho da adenóide; e a radiografia do cavum, para avaliação da obstrução do cavum, pela adenóide, através do método de Cohen e Konak1 (comparando a amplitude da coluna aérea com a espessura do palato mole, de acordo com método descrito), tendo sido então divididas em três grupos (de acordo com a Tabela 1):
1) respiradores nasais: crianças sem sinal clínico evidente de obstrução nasal, endoscopia com adenóide obstruindo no máximo 30% do cavum e/ou radiografia com relação coluna aérea/palato maior que 1.0;
2) respiradores mistos: crianças com evidência clínica pouco importante de obstrução nasal, endoscopia com adenóide obstruindo entre 30% e 60% do cavum e/ou radiografia com relação coluna aérea/palato entre 0,5 e 1,0;
3) respiradores bucais: crianças com evidência clínica importante de obstrução nasal, endoscopia com adenóide obstruindo no mínimo 60% do cavum e/ou radiografia com relação coluna aérea/palato menor que 0,5.
Figura 1. Pontos, linhas e medidas angulares avaliadas.
As mesmas crianças foram submetidas à análise cefalómétrica de perfil, com avaliação das seguintes medidas angulares, comparando o crescimento e a posição da maxila e da mandíbula com o crânio e entre si (Figura 1):
1) SNA: intersecção das linhas SN (sela-násio) e NA (násio-subespinhal); expressa grau de protrusão ou retrusão da maxila em relação à base do crânio.
2) SNB: intersecção das linhas SN e NB (násio-supramental); expressa o grau de protrusão ou retrusão da mandíbula em relação à base do crânio.
3) ANB: intersecção das linhas NA e NB; expressa a relação ântero-posterior entre a maxila e a mandíbula.
4) SNGoGn: intersecção das linhas SN e GoGn (plano mandibular de Steiner); expressa o grau de inclinação do plano mandibular em relação à base anterior do crânio.
5) Eixo SNGn (ou Y-SN): intersecção das linhas SN e SGn; expressa a direção do, crescimento da face.
6)1. SN: inclinação axial do incisivo central superior em relação à linha SN.
7) IMPA: inclinação do incisivo inferior com a base mandibular (plano mandibular de Tweed).
8) 1.I: inclinação axial dos incisivos entre si.
Além das medidas angulares, foram consideradas as seguintes medidas lineares:
Gráfico 1. Incidência das alterações miofuncionais encontradas em respiradores bucais com relação à postura da língua e dos lábios.
1) MSC: plano palatal: é a altura do primeiro molar em relação ao plano palatal.
2) MIC: plano mandibular: é a altura do primeiro molar inferior em relação ao plano mandibular de Steiner.
Todos os dados foram analisados através do teste estatístico não paramétrico de Mann-Whitney.
Crianças em número de 14 respiradoras bucais realizaram avaliação das características miofuncionais pela fonoaudióloga; para este estudo, não foi realizado grupo controle. Os parâmetros estudados foram:
1) Hábitos de sucção prolongada (digital, mamadeira ou chupeta), sendo assim consideradas as crianças com mais de dois anos de duração dos mesmos.
2) Postura dos lábios e da língua.
3) Tonicidade dos lábios (individualizados em superior e inferior), da língua e dos músculos bucinadores, mentonianos e masseteres, através da palpação dos músculos, por não mais do que duas observadoras diferentes, seguindo os mesmos critérios.
4) Mastigação: foi dado ao paciente um pedaço de pão francês para observar se o corte era realizado pelos dentes incisivos ou molares, e avaliar o vedamento labial durante esta ação.
5) Deglutição: observado se a criança apresentava interposição da língua ou dos lábios à deglutição.
6) Fonação: observado se a criança apresentava interposição de língua à fonação e quais fonemas eram os mais relacionados a ela.
Estes dados foram apenas avaliados em porcentagem de freqüência entre os respiradores bucais.
RESULTADOSAvaliação otorrinolaringológica
Ao exame clínico ou endoscópico, foram excluídas as crianças com respiração bucal e alterações diferentes da hipertrofia de tonsila faríngea; porém, a ela associadas, tais como rinite alérgica, desvio septal ou hipertrofia de tonsila palatina.
Gráfico 2. Incidência das alterações miofuncionais encontradas em respiradores bucais com relação à tonicidade diminuída.
Foram avaliadas 45 crianças, sendo 15 respiradoras predominantemente nasais e 30 respiradoras bucais, com a hipertrofia de tonsila faríngea como a única causa da obstrução nasal do paciente. No total, as crianças tinham entre sete e 10 anos de idade; 28 delas eram do sexo feminino, e 17, do sexo masculino.
As mesmas foram submetidas à endoscopia e à radiografia de cavum, tendo sido divididas em três grupos: respiradoras nasais, respiradoras bucais leves (ou mistas) e respiradoras bucais moderadas a graves (Tabela 1). As crianças do Grupo 2 foram excluídas do trabalho para melhor diferenciação entre os outros dois grupos.
Avaliação miofuncional
Os resultados em relação às características miofuncionais dos respiradores bucais são bem observados nos Gráfcos 1 a 5.
Em relação aos hábitos das 14 crianças respiradoras bucais (pertencentes ao grupo III), observamos que 11 (78,57%) fizeram uso da mamadeira, seis (42,85%) fizeram uso da chupeta e uma (7,14%) tinha o hábito de sucção digital por mais de dois anos de duração. Apenas duas (14,28%) não tinham hábito algum por tempo prolongado.
Entre os respiradores bucais, 13 (92,85%) tinham a postura de lábios entreabertos; em 11 (78,57%) a língua permanecia no soalho da cavidade bucal, em uma (7,14%), entre as arcadas; e duas (14.28%) apresentavam postura adequada da língua (Gráfico 1).
A hipotonia em lábios (tanto os superiores quanto os inferiores) foi observada em 13 (92,85%), assim como a hipotonia da língua foi observada em oito (57,14%) dos respiradores bucais. Em relação à musculatura, observou-se a hipotonicidade em bucinadores em 12 (85,71%), em masseteres em oito (57,14%) e em mentonianos em apenas um (7,14%) dos respiradores bucais; estes últimos estavam com tonicidade adequada em 11 (78,57%) dessas crianças (Gráfico 2).
Gráfico 3. Incidência das alterações miofuncionais em respiradores bucais com relação ao corte do alimento à mastigação.
Das crianças, nove (64,28%) respiradoras bucais cortavam o alimento com os dentes incisivos; e cinco (35,72%), com os molares (Gráfico 3). O vedamento labial ocorreu em cinco (35,72%); assistemático, em seis (42,85%); e não ocorreu em três (21,42%) das crianças (Gráfico 4).
Durante a deglutição, houve interposição da língua em doze (85,71%) e dos lábios em duas (14.28%) das crianças. Já durante a fonação, verificou-se interposição de língua para os fonemas línguodentais em 10 (71,42%) das crianças; os fonemas mais comumente alterados foram: /n/ /l/ /t/ e /d/ em 90% e / s/ e /z/ em 60% dessas crianças.
Avaliação cefalométrica
Os resultados encontrados em cada um dos grupos (respiradores bucais e nasais) em separado, assim como a comparação entre eles, são bem ilustrados na Tabela 2.
Como se pode observar, em relação ao crescimento anteroposterior, podemos afirmar que houve diferença estatisticamente significante (p(0.05) entre os valores de SNA (que avalia o crescimento da maxila em relação à base do crânio) e SNB (que avalia o crescimento da mandíbula em relação à base do crânio); porém, não o de ANB (compara o crescimento da mandíbula com o da maxila), entre as duas populações.
Já em relação ao crescimento vertical, houve diferença estatisticamente significante entre as duas populações nos dois parâmetros avaliados, SNGoGn (ou inclinação do plano mandibular): p<0.01; e SNGn (ou direção de crescimento da face): p<0.05.
Não houve, no entanto, diferença estatisticamente significante entre os dois grupos em relação à posição e a inclinação dos dentes, seja para incisivos ou para molares.
Gráfico 4. Incidência das alterações miofuncionais em respiradores bucais com relação ao vedamento labial.
Gráfico 5. Incidência das alterações miofuncionais em respiradores bucais com relação à interposição à deglutição (D) ou à fonação (F).
DISCUSSÃOAlterações miofuncionais
Segundo Bianchini1, Felício3, Marchesan13 e Weckx e Weckx18, o respirador bucal assume postura de cabeça e do pescoço diferente à da criança respiradora nasal, além de tecidos moles, como lábios (geralmente entreabertos) e língua (geralmente em soalho), para que ocorra a passagem de ar pela orofaringe, em vez de pelas fossas nasais.
As alterações de posicionamento dos tecidos moles da face para a respiração bucal causam alterações na tonicidade dos lábios, da língua e dos músculos da mastigação1, 13. Em nosso estudo, a tonicidade em lábios e musculatura da face estava bem diminuída. A hipotonicidade da língua, apesar de também freqüente (57,14%), foi em menor índice do que em lábios (92,85%) ou bochechas (85,71%). Este fato pode ser atribuído ao uso prolongado (por mais de dois anos) de mamadeiras e chupetas pela maioria das crianças.
TABELA 2 - Valores médios e desvio padrão das medidas cefalométricas dos pacientes respiradores orais e nasais.
Limme9, Weckx e Weckx18 e Oulis16 descrevem que existem alterações de praxia nos respiradores bucais, sendo muito citadas a interposição de língua12, assim como a de lábio durante a deglutição e a fonação. Neste trabalho, a interposição de língua foi freqüente, tanto para a deglutição (85,71%) quanto para a fonação (71,42%), principalmente para fonemas linguodentais; já a interposição dos lábios durante a deglutição ocorreu numa freqüência menor, apenas 14,28%, não tendo sido considerada como significante.
A alta incidência de vedamento labial durante a mastigação, sistemático ou não, pode ser explicada pelo fato de o paciente estar sendo observado pelo examinador, o que o reprime e o leva a ocluir seus lábios. Contudo, o fato de ele ter sido assistemático na maioria das crianças nos indica que esta é outra alteração importante de praxia por nós observada neste estudo, compatível com os dados de Marchesan12.
Alterações cefalométricas
Limme9 e Linder-Aronson10 citam que as alterações de praxia e de tonicidade de tecidos moles, conseqüência da postura errônea dos respiradores bucais, levam a distúrbios no equilíbrio estabelecido pelas forças exercidas nos ossos faciais, alterando o padrão de crescimento craniofacial.
Podemos afirmar, com os resultados apresentados acima, que o grupo de respiradores bucais apresentou, em relação ao grupo controle, uma diminuição do crescimento tanto da maxila (SNA) quanto da mandíbula (SNB) em relação ao crânio, porém não houve diferença do crescimento da maxila em relação à mandíbula (ANB).
A diminuição de crescimento da maxila pode ocorrer por três fatores:
1) a passagem inadequada de ar pelas fossas nasais, levando à hipoplasia nasal e de seios paranasais;
2) a diminuição de tônus dos músculos da face, em especial o bucinador; e
3) a diminuição de pressão da língua exercida contra o palato. Tais fatores sabidamente estimulam o crescimento maxilar nos três sentidos: transversal, anteroposterior e vertical. Vale ressaltar que, através de SNA, podemos avaliar apenas o crescimento anteroposterior da maxila, mas não seus eixos transversal e vertical.
O crescimento mandibular diminuído no plano sagital pode ocorrerem função do posicionamento e tonicidade dos músculos da face e da língua, uma vez que a hipotonicidade e a postura mais baixa da língua, observadas neste trabalho, promovem diminuição no estímulo de crescimento mandibular. Além disso, outra característica que poderia colaborar nesta falta de estímulo ao crescimento mandibular seria o padrão de mastigação incorreto. Neste estudo, observou-se que o padrão de crescimento da mandíbula encontra-se alterado, com predomínio de crescimento vertical sobre o sagital (SNB diminuído), característica evidenciada pelas medidas angulares SNGoGn e SNGn.
Com relação à posição anteroposterior entre maxila e mandíbula (ANB), não houve diferença estatisticamente significaste entre os grupos de respiradores nasais e bucais, já que o crescimento anterior foi diminuído em ambos, maxila e mandíbula.
Uma provável explicação para esse achado pode estar no posicionamento mais inferior da língua (soalho da cavidade bucal), que promove um hipodesenvolvimento mandibular, acompanhando o desenvolvimento também diminuído da maxila.
O predomínio de crescimento vertical da face, associado à maior inclinação do plano mandibular em relação à base anterior do crânio foram mais evidentes nas crianças respiradoras bucais. A diferença entre os dois grupos, no que se refere ao crescimento mandibular com rotação posteroinferior, foi estatisticamente significante. Esta característica ocorre em função de a respiração bucal promover hipotonia dos músculos da face e conseqüentes rebaixamento e rotação posterior da mandíbula. É importante ressaltar que não houve aumento do crescimento anterior da mandíbula (SNB diminuído), mas exacerbada rotação posterior associada à maior inclinação do plano mandibular em relação à base anterior do crânio.
Em relatos anteriores, Linder-Aronson10, Limme9 e Oulis16 citam alterações na inclinação ou na posição dos dentes, sejam incisivos (mais comumente) ou molares. Neste estudo, não houve diferença estatística entre os dois grupos para nenhuma medida avaliada em relação aos dentes, incisivos ou molares. Esse fato pode explicar a alta incidência de corte de alimentos com os dentes anteriores, pois o overjet, comum nos respiradores bucais, não ocorreu nesse grupo de crianças.
CONCLUSÃOAs alterações cefalométricas mais comumente encontradas em respiradores bucais se relacionam à hipoplasia maxilar e mandibular e ao predomínio do crescimento vertical da face, devido ao aumento da rotação para posteroinferior da mandíbula.
Em relação às alterações miofuncionais, as mais comuns foram a posição dos lábios entreaberta, a da língua em soalho bucal, a hipotonicidade dos lábios, da língua e dos músculos mastigatórios e a interposição da língua durante a deglutição e a fonação.
Estas alterações esqueléticas no padrão facial encontradas nas crianças respiradoras bucais, com idade entre sete a 10 anos, nos levam à conclusão de que realmente existem alterações craniofaciais e miofuncionais nesses pacientes já nesta idade, mesmo antes do surto de crescimento na adolescência. Este dado reforça a importância do diagnóstico multidisciplinar e do tratamento precoce para prevenir os efeitos maléficos da respiração bucal prolongada em crianças.
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* Médica Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, da FMRP - USP.
** Mestranda da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, da FMRP - USP.
*** Mestranda da Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia, de Ribeirão Preto - USP.
**** Professora Doutora da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto - USP.
***** Fonoaudióloga Assistente do Setor de Fonoaudiologia da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da FMRP - USP.
****** Fonoaudióloga Aprimoranda do Setor de Fonoaudiologia da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da FMRP - USP.
******* Professora-Doutora do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, da FMRP - USP.
Trabalho apresentado no 35° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, recebendo Menção Honrosa.
Artigo recebido em 15 de agosto de 2000. Artigo aceito em 20 de outubro de 2000.