ISSN 1806-9312  
Quarta, 27 de Novembro de 2024
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2723 - Vol. 67 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2001
Seção: Artigos Originais Páginas: 36 a 41
Complicações Intracranianas Sinusais.
Autor(es):
Norma O. Penado*,
Andrei Borin**,
José E. S. Pedroso***,
Jurandy M. S. Pessuto****.

Palavras-chave: sinusite, complicação intracraniar abscesso cerebral, empiema subdural

Keywords: sinusitis, intracranial complications, cerebral abscess, subdural empyema

Resumo: Introdução: Apesar dos grandes avanços no diagnóstico e tratamento das sinusopatias, suas complicações intracranianas ainda estão presentes nos dias de hoje. Objetivo: O objetivo do nosso trabalho é mostrar a importância de manter sempre viva a suspeita clínica da possibilidade destas complicações. Pois, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado, não só das complicações intracranianas mas também do foco primário sinusal, são necessários para minimizar as seqüelas e o tempo de internação hospitalar. Material e método: Em levantamento realizado entre 1991 e 1999 em nosso Serviço, detectamos 11 casos de complicações intracranianas relacionadas às sinusites agudas e crônicas, discriminando neste trabalho retrospectivo o diagnóstico otorrinolaringológico e neurocirúrgico, resultado de culturas, tratamento instituído e seqüelas. Foi realizada uma revisão de literatura, e comparação dos nossos casos aos já publicados.

Abstract: Introduction: Although there is a great development in diagnosis and treatment of sinusitis, the intracranial complications are still present. Objective: The objective of this study is to demonstrate the importance to always keep in mind the possibility of those complications. The early diagnosis and the best treatment not only of the intracranial complication, but also the sinunasal primary focus are necessary to minimize the sequelae and to reduce the permanence inside the hospital. Material and method: In research realized between 1991 and 1999 in our Service we detected 11 cases of intracranial complications related to acute or chronic sinusitis. In this retrospective study we discriminate the otorinolaryngology and neurosurgery diagnosis, results of cultures, treatment and sequelae. Literature revision was compared with our cases.

INTRODUÇÃO

A sinusite infecciosa, de caráter agudo ou crônico, é muito freqüente e em geral tem comportamento benigno.

Porém, é uma entidade que apresenta possíveis complicações quando a doença local se estende para estruturas adjacentes. A complicação sinusal mais freqüente se dá para a órbita (celulite e abscesso intraorbital); e, em segundo lugar, para a região intracraniana1, 7.

O potencial de complicações intracranianas (CIC) devido à doença sinusal já foi descrito, em 1944, por Courville5. Bluestone e Steiner relataram uma incidência de 11% de CIC em 38 pacientes internados por sinusites frontais em 19655. Atualmente, apesar dos avanços no diagnóstico e tratamento, seja clínico ou cirúrgico, continuamos a observar um grande número de complicações, com uma incidência estimada de 3,7%, relatada por Clayman e colaboradores1. Certamente, o diagnóstico precoce e a intervenção mais rápida possível definirão o prognóstico para estes doentes, diminuindo tanto a morbidade quanto a mortalidade.

MATERIAL E MÉTODO

Realizamos um estudo retrospectivo de casos levantados e acompanhados em nosso Serviço, com complicações intracranianas relacionadas à sinusites agudas e crônicas, no período de janeiro de 1991 a dezembro de 1999. Analisamos os prontuários médicos, com o objetivo de obter os seguintes dados: idade, sexo, diagnóstico etiológico, resultados de culturas bacterianas, antibioticoterapia empregada, procedimentos otorrinolaringológicos e neurocirúrgicos empregados, período de internação hospitalar, seqüelas na data da alta e outras observações pertinentes. Foi realizado levantamento bibliográfico dos últimos 10 anos.

RESULTADOS

No período de oito anos ocorreram 11 casos de CIC relacionadas a sinusites agudas e crônicas, cuja amostra se encontra na Tabela 1.

A idade dos pacientes variou de nove a 37 anos, com média de 18 anos. Houve uma predominância de pacientes do sexo masculino (10 casos), sendo encontrada apenas uma mulher. Quanto à evolução da sinusite, encontramos um certo equilíbrio, com sete casos crônicos e cinco agudos.

Das CIC, a mais freqüente foi o abscesso cerebral com oito casos (seis frontais, um fronto-parietal, um temporo-parietal), seguido do empiema subdural em quatro casos.

Seis pacientes tiveram suas culturas estéreis. Nos casos de cultura positiva, isolamos o Staphylococcus aureus (3), Streptococcus viridans (2) e Enterococo (1 em associação ao Staphylococcus aureus).

A antibioticoterapia utilizada em todos os casos foi uma associação de vancomicina, ceftriaxona, metronidazol, amicacina e imipenem.

Em sete casos foi realizado procedimento neurocirúrgico de drenagem via trepanação craniana, sendo que em dois pacientes esta teve que ser repetida. Em quatro casos não foi realizado qualquer procedimento cirúrgico. Dois casos sofreram intervenção no foco primário sinusal, um com punção maxilar e outro com sinusectomia bilateral (etmoidectomia anterior e posterior, mais antrostomia média, mais abertura do recesso do frontal).

Dos onze casos, nove receberam alta em um período de 14 a 60 dias (média de 34,8 dias) com dois casos apresentando como seqüela a ocorrência de crises convulsivas. Os dois outros casos restantes foram a óbito, um relacionado à ocorrência de ventriculite e o outro à recidiva de leucemia mielóide aguda (m2) não responsiva à quimioterapia.

Notamos ainda dois jovens usuários de drogas, mas HIV negativos, e um paciente apresentando farmacodermia à Vancomicina durante o tratamento.

Como ilustração, apresentamos imagens tomográficas de dois pacientes, nas Figuras de 1 a 6.

DISCUSSÃO

Complicação de sinusites agudas ou crônicas é definida como qualquer extensão da doença local para estruturas adjacentes. Tanto as sinusites crônicas quanto agudas podem acarretar complicações intracranianas (CIC), sendo citado na literatura o predomínio de até 75% das sinusites agudas1, 3. Porém, em nossa série encontramos um equilíbrio entre as duas, com uma tendência a considerar a maioria como processos crônicos.

A complicação mais comum de uma sinusopatia se dá junto às estruturas da órbita, seguida do acometimento intracranianos. A incidência de CIC em sinusopatias é difícil de ser avaliada, porque não temos idéia de sua ocorrência na população. Porém, a grande maioria das sinusites, agudas e crônicas, que requerem internação hospitalar não eletiva são por complicações orbitais (primeira causa) e por complicações intracranianas (segunda causas. Giannoni e colaboradores3 constataram que 5,9% de todas as meningites e abscessos intracranianos se relacionavam com as sinusites. Outros autores1, 5 encontraram que, de todas as sinusites internadas não eletivamente, de 3,0 a 3,7 % delas apresentavam CIC.

Quanto à fisiopatologia das CIC nas sinusopatias, elas podem ocorrer por duas vias: (1) tromboflebite retrógrada de veias que interligam os seios da face e o crânio e não apresentam válvulas (v.v. diploicas e comunicantes) ou (2) extensão direta da doença infecciosa através de vias anatômicas, com deiscências traumáticas ou congênitas), erosão da parede sinusal e forames existentes3.


TABELA 1 - Pacientes com sinusites agudas e crônicas associadas à complicações intracranianas.



Figura 1. Tomografia computadorizada, em corte coronal, mostrando pansinusite.



Figura 2. Tomografia computadorizada, em corte axial, mostrando empiema subdural.



Figura 3. Tomografica computadorizada, em corte axial, mostrando empiema subdural.



Figura 4. Tomografia computadorizada, em corte axial, mostrando sinusite maxilar esquerda.



Temos pelo menos cinco tipos de CIC, que podem coexistir em um mesmo paciente:

1) O abscesso cerebral é citado como a CIC mais comum; e, no caso dos de origem sinusal, se relacionam sobretudo com o lobo frontal1, 3, sendo que em nossa série observamos também esse fato. O quadro se inicia com uma cerebrite, associada clinicamente à cefaléia. A seguir, inicia uma fase quiescente e assintomática de coalescência até definir sua imagem clássica de expansão dentro do parênquima cerebral, acarretando cefaléia e letargia. Sua fase final é a ruptura intraventricular ou para o espaço subdural, com evolução dramática para o coma e óbito. Podem ser tratados clinicamente, ou por drenagem neurocirurgica, sendo esta última conduta a preferida pelos autores1, 3.

2) A meningite é citada como a segunda CIC mais comum1. Em geral, seu tratamento é cliniC03. Cabe lembrar o risco de punção liquórica em busca de diagnóstico, antes de se afastar uma hipertensão endocraniana, pelo risco de herniação1.

3) O empiema epidural é pouco citado, apesar da maior prevalência em algumas séries3. Requer drenagem cirúrgica. Em nossa série, não detectamos sua presença.



Figura 5. Tomografia computadorizada, em corte coronal mostrando sinusite maxilar e etimoidal.



4) O empiema subdural, em geral, apresenta-se com múltiplas localizações; e alguns autores acreditam que sua presença seria indicativa de grande risco de seqüelas3. Em alguns artigos é citado como a mais prevalente das complicações4. Em nossa série, também foi muito presente, sendo diagnosticada em quatro dos onze casos.

5) A trombose dos seios venosos e do seio cavernoso são mais raras; porém, as mais graves das CIC3. Foi detectado apenas um caso em nosso Serviço.

A clara predominância do sexo masculino pode ser observada em todos os trabalhos, variando de 60 a 78%1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, sendo essa observação confirmada na nossa série em 10:1. Quanto à faixa etária notamos na literatura a grande incidência em pessoas jovens, na segunda e terceira décadas de vida1, 3, 6, 7 podendo haver um segundo pico na quinta para sexta década3. Tal fato ainda não foi claramente explicado, mas aventa-se que possa ser devido ao pico de vascularização e crescimento sinusal que ocorrem nessa população1, 5. Esse fato também foi notado em nossa série, com idade média de 18 anos, mesmo com a presença de um paciente com 37 anos, que fugiu do desvio padrão.

Clinicamente, além dos sinais de sinusopatia, como rinorréia anterior, posterior, tosse e obstrução nasal, devemos ressaltar a presença de febre e sinais tardios, como vômitos, letargia, confusão mental, crises convulsivas, rigidez de nuca, hemiparesia e coma. Na grande maioria dos casos, os pacientes já se encontram em tratamento habitual para sinusite, mas apresentam uma má evolução, mantendo febre e cefaléia, que são o indício para a pesquisa das CIC1, 3, 7. Nem mesmo a existência ou não da leucocitose parece ter valor no diagnóstico1. Fatores coadjuvantes, como diabetes, insuficiência renal e rinite alérgica, podem ser notados em até 42%1.



Figura 6. Tomografia computadorizada, em corte axial, mostrando I abscesso antral.



O exame de imagem inicial deve ser a tomografia computadorizada (TC), com ou sem contraste1, 3. Porém, esta pode falhar no primeiro instante. Assim, se o paciente persiste com suspeita clínica de CIC, ele deve repetir a TC ou até realizar uma ressonância nuclear magnética, que parece ser mais sensível para o diagnóstico precoce de pequenos acometimentos cranianos2, 7.

Na sua grande maioria, os autores defendem o tratamento cirúrgico do foco sinusal como forma de encurtar o seu tempo de tratamento e o risco de seqüelas1, 3, 4, 5, 7. Podem ser empregados desde procedimentos radicais, como a exenteração ou cranialização do seio frontal, até procedimentos mais conservadores, como a cirurgia endoscópica, sendo estes últimos a tendência atual.

Encontramos dados sobre o tempo de internação apenas na série de Gianonni3, com uma média de 31 dias, semelhante a nossa de 34,8 dias. Porém, em nossa série, um pequeno número de intervenções sinusais foram realizadas (2 em 11), o que não coincide com a maioria dos autores.

A antibioticoterapia inicial defendida na literatura é em geral uma associação de uma oefalosporina de terceira geração, metronidazol e vancomicina3, 5, sendo revista após culturas, e em geral mantidas de três a oito semanas3, 5, iniciando com medicação endovenosa e progredindo para via oral, após a recuperação do paciente. Uma infinidade de germes foram descritos, mas podemos citar uma predominância de Staphylococcus aureus, Streptococcus, Haemophylos influenza e outros gram-negativos e anaeróbios3, 4, 5. Os trabalhos mostram que de 21% até 50% as culturas podem ser negativas1, 6, 7. Nossos resultados foram semelhantes a esses, destacando também o alto índice de culturas estéreis, muito provavelmente devido ao fato de estes pacientes já se encontrarem em tratamento antibioticoterápico prévio à coleta. Apesar de a cultura obtida por swab nasal não ter valor, a cultura obtida por punção nasal, sinusotomia ou lavagens de seios tem boa correlação com a obtida com a drenagem da CIC6.

Seqüelas, como ataxia, crises convulsivas, paralisia de pares cranianos e afasia, estão presentes de 25% a 40% dos casos1, 3, 4. A mortalidade já é trem mais rara, mas ainda presente1, 4, e em nosso Serviço foi de 18%. Porém, em um dos casos, essa foi devido à recidiva da leucemia (doença de base) e não a CIC. Mesmo assim, achamos que devemos ter uma abordagem mais agressiva em futuros casos.

CONCLUSÃO

Podemos concluir que:

1) apesar de raras, as CIC devidas à sinusopatia continuam presentes nos dias de hoje e apresentam morbidade e mortalidade consideráveis, devendo ser encaradas como urgências e a elas ser dispensado tratamento agressivo multidisciplinar;

2) o grupo mais exposto a estas CIC decorrentes de sinusopatias é de jovens abaixo dos 20 anos de idade, do sexo masculino;

3) na grande maioria, os pacientes apresenta sintomas inespecíficos, devendo o otorrinolaringologista permanecer atento aos casos de sinusopatia que evoluem mal com o tratamento clínico, mantendo febre e cefaléia;

4) a tomografia computadorizada continua sendo o principal exame complementar para seu diagnóstico, mas ela pode falhar na fase inicial, devendo ser repetida se a suspeita clínica de CIC persistir;

5) a antibioticoterapia inicial empregada nestes quadros deve ser uma associação de cefalosporina de terceira geração, metronidazol e vancomicina, tendo em vista os germes mais freqüentes nestas complicações, sendo determinada posteriormente de acordo com o organismo isolado, quando possível.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Doutora em Medicina pela Escola Paulista de Medicina/ UNIFESP.
** Pós-Graduando em Nível de Mestrado em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pesco pela Escola Paulista de Medicina / UNIFESP.
*** Mestre em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, pela Escola Paulista de Medicina/UNIFESP.
**** Médico otorrinolaringologista.

Trabalho apresentado no 35° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, recebendo Menção Honrosa.
Instituição: Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo - Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana
Endereço para correspondência: Norma Peunido - Rua Rene Zanluci, 160 - Apt° 131 - 04116-260 São Paulo/ SP - Telefone: (0xx11) 5573-1388 - Fax: (0xx11) 5081-4451.
Artigo recebido em 15 de agosto de 2000. Artigo aceito em 20 de outubro de 2000.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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