ISSN 1806-9312  
Terça, 23 de Abril de 2024
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2715 - Vol. 58 / Edição 4 / Período: Outubro - Dezembro de 1992
Seção: Relato de Casos Páginas: 285 a 289
Mucocele do temporal (ouvido médio). Apresentação de um caso.
Autor(es):
Carlos Alberto de Paula e Salles*,
Vinícius Coita Barbosa**,
Dairton Miranda***

Palavras-chave: mucocele, osso temporal, cisto mucoso, ouvido médio

Keywords: mucocele, temporal bone, mucosal cyst, middle ear.

Resumo: Os autores apresentam um caso de um senhor de 58 anos com mucocele do ouvido médio. A dificuldade do diagnóstico diferencial com a otite média crônica é relatada, assim como a importância da tomografia computadorizada. A possibilidade de paralisia facial periférica sofrida pelo paciente estar relacionada com a compressão pelo "cisto mucoso" no segmento timpânico do facial é mencionada.

Abstract: A 58 years old male patient presented with mucocele of the middle ear. The difficulty of the differential diagnosis with chronic otitis media is related and the value of the CT scan is pointed out. The possibility of the peripheric facial paralysis suffered by the patient is related with de compression of the facial nerve in its tympanic segment by the "mucocele cyst" is mentioned.

INTRODUÇÃO

MUCOCLLE por definição, significa cavidade cheia de muco.

ETIOPATOGENIA

Sob este ponto de vista, dois mecanismos são conhecidos: um obstrutivo e outro metaplásico. Obstrução de órgãos muco-secretores, como o apêndice vermiforme, seios paranasais e glândulas salivares menores levam a acúmulo de muco, distendendo o órgão ou seus duetos, produzindo a mucocele. Aqui ganham relevo o trauma mecânico e a litíase. O tipo metaplásico ocorre, principalmente, em associação com irritação crônica, como nas inflamações.

COMPORTAMENTO

A lesão é benigna. Ocasionalmente, pode atingir grandes dimensões, como na mucocele dos seios paranasais e produzir destruição óssea por comprensão e estender-se a órgãos vizinhos, como o olho. A mucocele do apêndice vermiforme, quando rôta, pode, em raras ocasiões, ser seguida de disseminação peritoneal, com proliferação de células mucíparas e acúmulo de grande quantidade de muco na cavidade (pseudo mixoma peritoneal).

LOCALIZAÇÃO

Os locais mais freqüentes são: glândulas salivares menores, seios paranasais, apêndice vermiforme e vesícula biliar.

Mucocele do ouvido médio é evento raro. A pesquisa bibliográfica nos últimos 12 anos não faz referência a esta localização. Foram relatados 2 casos de mucocele do osso temporal, mas localizados na porção pétrea (ápice), 1979.

A patogenese mais provável da mucocele do ouvido médio seria uma metaplasia mucionosa do epitélio que reveste as células da mastóide, em associação com um processo inflamatório crônico.

Portanto, o encontro de um caso, com documentação clínica, imagenológica, cirúrgica e anátomo-patológica nos leva à apresentação desta NOTA PRÉVIA que antedece futuro trabalho pormenorizado.

DESCRIÇÃO DO CASO

J.A.O., 58 anos, sexo masculino, cor branca, industrial, casado, brasileiro, residente em Belo Horizonte.

1a CONSULTA (27.05.1998).

HISTÓRIA DA MOLÉSTIA ATUAL

Há dias, após o banho de piscina, vem sofrendo dores moderadas no ouvido direito com escassa secreção auricular e discreta baixa de audição. Há cerca de 25 anos, é portador de paralisia facial direita, atribuída a fundo emocional.

EXAME

Sinais de paralisia facial periférica direita. O.E. - Conduto auditivo externo de aspecto normal. Membrana timpânica opacificada. O.D. - Dor à pressão no tragus; otoscopia dolorosa; edema difuso da parede anterior do conduto auditivo externo e discreto abaulamento da parede póstero-superior. Secreção amarela escassa. Difícil a visão da membrana timpânica. Prótese dentária superior. Amigdalas palatinas encastoadas, sede de inflamação crônica. Cavo limpo. Desvio de septo nasal, estreitando a fossa nasal direita. Prova da traniluminação: sinal de Salles positivo à direita, com discretas áreas jugal, comissural e maxilar. Diagnóstico: otite externa difusa. Tratamento: antibióticos e antiinflamatórios (10.06.1988).

Há 24 horas, realizou violenta manobra de Valsalva, surgindo nova secreção auricular. EX. OE: "Status quo". OD: ruptura da membrana timpânica sob forma de perfuração central em seu quadrante póstero-superior; secreção muco purulenta escassa. Tratamento: quimioterápicos e antiinflamaórios (17.06.1988). OD: Perfuração da membrana timpânica em fechamento. Permanece discreto abaulamento da parede póstero-superior do conduto auditivo externo. Radiografia da mastóide com tomografia, mostrando moderada esclerose de células mastóideas com velamento parcial destas células, da caixa timpânica e do antro mastóideo à direita. Deste lado há deslocamento de massa ossicular; erosão do septo Kôrner e erosão das paredes do tegmem timpânico. É conveniente a complementação do exame com tomografia computadorizada. O aspecto radiológico é sugestivo de colesteatoma de antro mastóideo levando a erosão do tegmem timpânico. Foi realizada em 20.06.1988, tomografia computadorizada, revelando-se normal. Solicitada nova tomografia computadorizada, em tomógrafo de 4a geração. (Tomografia de alta resolução) em 28.06.1988, revelando lesão hiperdensa localizada no antro da mastóide direita levando a erosão dos septos pneumáticos invadindo estruturas do ouvido médio incluindo o seio timpânico e recesso do facial e englobando a cadeia ossicular. (FIG. 1) Conduto auditivo interno de dimensões normais sem áreas de absorção anómala. Fossa craniana posterior sem alterações Conclusão: lesão hiperdensa localizada no antro da mastóide direita englobando a cadeia ossicular (FIG. 2). Em 30.06.1988, foi realizado novo estudo radiológico das matóides, pois o paciente não apresentava supuração nem fetidez e a perfuração da membrana timpânica estava quase fechada. Clinicamente, não se tratando de colesteatoma. Resultado: "ouvido esquerdo com aspecto radiológico normal. Grande área de rarefação no antro da mastóide direita, comprometendo a massa ossicular e caixa do tímpano. Velamento das células da mastóide.



FIGURA 1- Tomografia computadorizada do osso temporal. As setas chamam a atenção sobre as alterações observadas no ouvido médio, conforme descrição.



FIGURA 2- Tomografia computadorizada do osso temporal. Melhor observação do conteúdo do atiço e do ouvido médio.



FIGURA 3- Fotomocrografia da parede do cisto, parcialmente revestida por epitélio cúbico baixo do lado direito. O cório contém denso infiltrado inflamatório grânulo-mononuclear e glândulas mucíparas.



Não há ruptura visível de tegmem timpânico. Ouvido interno sem alterações. O aspecto radiológico é de mastoidite crônica colesteatomatosa". (01.07.1988) OD: Perfuração reduzida ao mínimo (punctiforme). Audiometria: moderada surdez condutiva direita.

06.07.1988. Intervenção cirúrgica para elucidação diangóstica:

Colesteatoma do ático?

Granuloma do colesterol?

DESCRIÇÃO

Anestesia local do pavilhão auricular. Exame com auxílio microscópio mostrou que a membrana timpânica estava sem brilho, opaca e apresentando perfuração pequena (5 %) no quadrante póstero-superior. A membrana flácida não foi visualizada e a parede posterior mostrou-se abaulada, projetando-se no conduto.

Via retro-auricular para acesso à mastóide e deslocamento da pele da parede posterior do conduto. Foi deslocado o ânulus timpânico e a inspecção do ouvido médio mostrou uma mucosa normal bem como a cadeia ossicular.

Teve lugar o broqueamento da mastóide até a exposição do ático e antro. Ocupando as cavidades antral e atical foi encontrado um tecido mole, sem característica de pólipo ou granuloma e sim como de um cisto. Este cisto foi dissecado desde o antro até o teto do ático. Ele ocupava estas cavidades e possivelmente foi o responsável pelo abaulamento da parede posterior do conduto auditivo externo, bem como o desaparecimento da membrana flácida (ele pressionava de dentro para fora). Após a remoção do cisto observou-se uma mastóide normal, bem como o antro e o ático, salientando-se apenas alargamento do ático. A presença do cisto obstruia a passagem do ático para a caixa, possivelmente explicando as alterações encontradas.

Deve-se mencionar que após as cavidades estarem livres chamava atenção a palidez (bem diferente do aspecto normal) do canal de Falópio no segmento timpânico (é bom lembrar que o paciente apresentava sequelas de uma paralisia de Bell de aproximadamente 25 anos).

FECHAMENTO DE ROTINA EM PLANOS

Após 3 semanas a perfuração havia fechado e a membrana apresentava aspecto próximo ao normal.



FIGURA 4- Parede de lesão cística revestida por epitélio cúbico com denso infiltrado.



FIGURA 5- Glândula mucípara na parede do cisto.



A peça cirúrgica obtida dá impressão de mucocele. É submetida a exame anátomo patológico. Laudo: "Macroscopia: fragmento de tecido de forma irregular, de consistência macia, de coloração castanho-clara, medindo 1,3 x 0,4 x 0,2 cm. Microscopia: duas lâminas com vários cortes mostram lesão cística, revestida por epitélio, ora cúbico simples, ora colunar simples, muco-secretor. A parede do cisto é de espessura irregular e é constituída de tecido fibroso, contendo proliferação de tecido de granulação, com algumas glândulas muco-secretoras, de diâmetro variável. Há acentuada congestão de edema e áreas de hemorragia recente. Presença de alguns fragmentos ósseos. Diagnóstico: Mucocele com intenso processo inflamatório, agudo e crônico, inespecífico; associado; Ausência de malignidade." (Fig. 3, 4 e 5)

12.08.1988. Retorna para exame. Nada sente. Ex. OE: tímpano opacificado. OD: conduto auditivo externo de aspecto normal; desapareceu o abaulamento da parede póstero-superior. Hiperemia dos quadrantes posteriores da membrana timpânica. Descamação epidérmica impede a visão da parte flácida da membrana timpânica.

DISCUSSÃO

Devemos ressaltar a dificuldade do diagnóstico diferencial. A paralisia facial possivelmente está relacionada ao primeiro episódio de aumento de conteúdo "cisto de mucocele " e a compreensão do segmento timpânico do facial; A importância da TC no diagnóstico neste tipo de patologia e a sua contribuição no diagnóstico diferencial.

BIBLIOGRAFIA

1. DELOZIER, EL.; PARKINS, C.W.; GACEK, R.R.: Mucocele of lhe petrous apex. The Journal of Laryngology and Otology 93:177-180, 1979.
2. OSBRON, A.G.; PARKIN, EL.: Mucocele of the temporal bone: A.J.A 132:680-681, 1979.




* Ex-Professor Adjunto do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da U.M.G.
** Médico Otorrinolaringologista
Endereço para Correspondência: A v. Afonso Pena, 2910 - 30.130 Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil.
*** Professor Adjunto do Departamento da Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina da UEM.G.
Endereço para Correspondência: R Padre Rolim, 815 - Sala 506 30.130 - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil.
Acadêmico Titular da Academia Mineira de Medicina.
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Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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