ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2714 - Vol. 58 / Edição 4 / Período: Outubro - Dezembro de 1992
Seção: Relato de Casos Páginas: 282 a 284
Lipoido proteinose: Relato de dois casos.
Autor(es):
Ivan Dieb Miziara*,
Mônica Gondim**,
Milton Takeuti**,
Aroldo Mitini***

Palavras-chave: lipoido proteinose, otorrinolaringopatias

Keywords: lipoid proteinosis, othorinolaryngologic diseases

Resumo: A lipoido proteínose é uma patologia rara, caracterizada pela deposição de material amorfo hialino na pele e mucosas. Os sintomas mais característicos são a rouquidão, que aparece na infância, e a presença de lesões amareladas na pele. Neste estudo, apresentamos dois casos da doença, descrevendo suas manifestações na orofaringe, laringe e fossas nasais.

Abstract: Lipoid proteinosis is a rare disorder caracterized by deposition of an amorphous hyaline material in skin and mucous membranes. The presenting features of the disease is commonly hoarseness in infancy and skin lesions. The purpose of this paper is to describe two cases of lipoid proteinosis which demonstrates the manifestations in orophatyngeal, laryngeal and nasal mucous membranes.

INTRODUÇÃO

A lipoido proteinose ou doença de Urbach-Wiethe é uma afecção rara, caracterizada pela deposição de material amorfo hialino na pele e mucosas 1,2.

Os sintomas mais característicos da doença são a rouquidão, secundária ao acometimento da mucosa laríngea e o aparecimento de lesões papulares, amareladas na pele 2,3.

A doença tem um curso crônico e benigno, aparecendo geralmente na infância, com tendência a se estabilizar na idade adulta 2.

A incidência entre familiares, sugere tratar-se de uma patologia genética, de herança autossômica recessiva. Porém, sua etiopatogenia permanece desconhecida2.

Neste artigo, descrevemos dois casos da doença, atendidos no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

CASO 1

Paciente de 19 anos, sexo feminino, branca. Referia que após infecção na pele aos seis meses de vida, evoluiu com o aparecimento de lesões cicatriciais, principalmente na face. Apresentava também rouquidão, desde a infância, não sabendo precisar a idade de aparecimento.

No exame físico, haviam manchas de coloração branco-amarelas, de relevo mais ou menos proeminente na face, que assumiam aspecto de "colar de pérolas" nos bordos livres das pálpebras (Fig. 1). As lesões acometiam, também, os membros superiores, principalmente as áreas de dobras.

Havia o mesmo tipo de infiltração na mucosa oral, e a língua apresentava-se bastante espessada, com fissuras e dificuldade de protusão (Fig.2). A rinoscopia, notava-se estreitamento de vestíbulos nasais, devido a infiltração da mucosa da região, apesar de não haver queixa funcional.

A laringoscopia direta revelou infiltração de epiglote e região de aritenóides, mas as cordas vocais apresentavam aspecto e mobilidade normais (Fig.3).

Foi realizada biópsia de lábio que mostrou depósitos de material amorfo hialino, firmando o diagnóstico de lipoido protenoise.

A paciente tinha três irmãos assintomáticos e negava quadro semelhante na família.



FIGURA 1- Lesões papulares na pele, assumindo aspectos de "colar de pérolas" nos bordos livres da pálpebra.



FIGURA 2- Aspecto da língua, infiltrada, com a mobilidade diminuída.



CASO 2

Paciente de 25 anos, sexo masculino, branco. Referia o aparecimento de lesões na pele aos quatro meses de vida e rouquidão desde a infância. Aos 17 anos, apresentou quadro de crises convulsivas, que foram controladas com uso de fenobarbital.

Tinha queixa de aparecimento de aftas freqüentes em orofaringe, disfagia e obstrução nasal bilateral.

Ao exame físico, apresentava lesões papulares amareladas acometendo face, cotovelos, mão e nádegas. Na face, as lesões apareciam principalmente nos bordos livres das pálpebras, com aspecto de "colar de pérolas". No cotovelo e mãos, as lesões tornavam-se bastante espessadas, assumindo aspecto vegetante nos dedos.

O mesmo tipo de lesão aparecia em orofaringe, apresentado também, a língua bastante espessada, com a mobilidade diminuída.

As válvulas nasais apresentavam estenose importante, decorrente da infiltração da mucosa.

A laringoscopia direta revelou espessamanto das cordas vocais, com irregularidade dos bordos livres e aspecto granuloso de toda epiglote e pregas ariepiglóticas bilateralmente (Fig.4).

A biópsia da lesão do cotovelo mostrava depósitos de material hialino, fazendo diagnóstico de lipoido proteinose.

O paciente tinha 13 irmãos, dos quais três apresentavam quadro semelhante. Os pais eram assintomáticos.



FIGURA 3- Laringoscopia direta mostrando infiltrações de aritenóides e aspecto normal das cordas vocais.



FIGURA 4- Laringoscopia direta mostrando infiltrações de epiglote e irregularidades dos bordos livres das cordas vocais.



DISCUSSÃO

A lipoido proteinose foi descrita em 1929 por Urbach-Wiethe. É considerada uma afecção rara, tendo até 1972, apenas 200 casos descritos na literatura2.

A maior parte dos pacientes descritos são europeus, especialmente de origem germânica4. O relato de vários casos em familiares, deixa pouca dúvida quanto a se tratar de uma afecção genética autossômica recessiva2.

O quadro clínico caracteriza-se por lesões na pele e nas mucosas da boca, faringe e laringe 1,4.

O sintoma mais típico é a rouquidão, que aparece precocemente, secundária ao acometimento laríngeo. Algumas vezes, a rouquidão está presente ao nascimento sendo com freqüência, a primeira manifestação da doença 2,3,4.

As lesões de pele aparecem também na infância, acometendo, principalmente, a face e áreas de atrito. Na face aparecem lesões semelhantes a cicatrizes de acnes e pápulas amareladas, que nas bordas livres das pálpebras, assumem aspecto característico de "colar de pérolas"2,5.

Nos locais de atrito, as lesões tornam-se hiperqueratóticas, e as vezes verrucosas, como nos cotovelos e mãos2,4.

O acometimento de mucosa aparece, com muita freqüência, como infiltração de lábios, lesões de palato e úvula. A língua torna-se endurecida, fica com mobilidade diminuída e as amígdalas podem apresentar infiltrados abundantes. Podem ocorrer ainda, lesões em outros locais da cavidade oral e da faringe2.

O acometimento mais freqüente, na laringe, é das cordas vocais, que apresentam-se infiltradas e com irregularidade de bordos. A epiglote pode tornar-se espessada pela infiltração, e pode haver acometimento de pregas ariepiglóticas e supra-glote 3,6.

Excepcionalmente, a lesão em laringe evolui de forma a necessitar de traqueostomia.

São descritos ainda, o acometimento de parótidas, dentes, trato digestivo e sistema nervoso central e periférico 1,2. Aproximadamente 50% dos pacientes com lipoido proteinose apresentam calcificações intracerebrais; destes, alguns tem quadro convulsivo2,4,7.

Os achados laboratoriais não são específicos da doença, não tendo sido encontradas alterações características do metabolismo de glicose, proteínas ou lipídios 2,4,8.

Histopatologicamente, são descritos depósitos de substância amorfa hialina, principalmente em paredes de pequenos vasos, representados por gordura e lipoproteinas 8,9.

Vários constituintes celulares já foram responsabilizados pela produção deste material: fibroblastos, células musculares, mioepiteliais e células de Schwannl. Em 1972, Hashimoto descreveu os achados de microseopia eletrônica, em um caso de lipoido proteinose. Segundo este autor, os fibroblastos teriam um defeito genético na regulação da síntese de proteína fibrosa10.

Nas regiões afetadas parece haver uma hiperprodução dos componentes da lâmina basal, sugerindo que os principais produtores deste material seriam: as células vasculares endotelias, células basais da epiderme e seus derivadosl,9.

A natureza do material hialino é, atualmente, mais claramente entendida, porém, as razões para a sua presença e excesso são ainda, especulativas 1.

O diagnóstico diferencial da lipoido proteinose, se faz, principalmente com a amiliodose e a porfiria, que podem ser facilmente descartadas pela história, exame clínico e biópsia2.

Até o momento, não se conhece tratamento da doença; são tratados apenas as complicações 1.

CONCLUSÃO

Devido a raridade da doença, a apresentação de dois casos com acometimento de mucosa oral, laringe fossas nasais, servem para alertar os otorrinolaringologistas quanto ao sub-diagnóstico deste tipo de patologia.

BIBLIOGRAFIA

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* Médico assistente da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
** Médicos residentes da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
*** Professor Titular da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
**** Trabalho realizado na Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Endereço para correspondência: Ivan Dieb Miziara - Rua Prof Enéas Carvalho de Aguiar, 255 - 6° andar - sala 6021 - CEP: 05403
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
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