ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2713 - Vol. 58 / Edição 4 / Período: Outubro - Dezembro de 1992
Seção: Relato de Casos Páginas: 279 a 281
Neuroma de osso temporal de origem traumática. Relato de um caso.
Autor(es):
Ricardo Ferreira Bento*,
Priscila Bogar**,
Silvio Antonio Monteiro Marone***,
Aroldo Miniti****.

Palavras-chave: osso temporal, otite secretora, trauma.

Keywords: temporal bone, serous otitis media, injury

Resumo: Os autores apresentam I caso de neuroma traumático de osso temporal de localização extremamente rara. Paciente de sexo feminino com sensação de plenitude auricular direita há 1 ano. Já havia sido submetida à vários tratamentos anteriores para disfunção tubária. Após tratamento sem sucesso, optou-se por colocação de tubo de ventilação. A paciente evoluiu com saída abundante de líquida claro pelo tubo de ventilação, constatou-se que o mesmo era líquido céfalo raquidiano. A paciente referiu uma queda com trauma da região frontal há 7 anos. Na tomografia computadorizada observou-se massa em continuidade como soalho da fossa média. Com diagnóstico de fistula liquórica com provável hérnia de dura máter, a paciente foi submetida à tímpano mastoidectomia. O exame anátomo patológico revelou neuroma.

Abstract: The authors present a case of traumatic temporal bone neuroma with an extremely rare localization. Female with hipoacusia in right ear since an year ago. She has been submited to many treatments for Eustachian tube disfunction. We decided to place a ventilation tube into the tympanic membrane. In the imediate pos operative time she developed persistent serous otorrhea. The biochemical examination revealed that the liquid was CRL. The patient referred a frontal trauma 7 years ago. In high resolution CT scan we observed a mass comming from middle fossa. With the diagnosis of CRL leak and probable dura hernia, she was submited to mastoidectomy. The anatomo pathological exam resulted in neuroma. The probable etiology of this tumor is traumatic one.

INTRODUÇÃO

Os neuromas traumáticos são conseqüência de uma regeneração anômala dos nervos traumatizados1,2. Eles raramente medem mais que 2 cm com aparência densa e fibrosa com pouca vascularização, não capsulados. Histologicamente é visto profiteração desordenada de tecidos endo e perineurais, células de Schwann e axônios em regeneração1,2,3,4.

Em traumas crânio-encefálicos a porcentagem de fraturas do osso temporal varia de 3 à 24%5,6,7,8.

As fraturas longitudinais são causadas por choques laterais que atingem as regiões parietais ou têmporo parietais do crânio. O traço de fratura geralmente começa na escama do temporal, e se prolonga através da mastóide até a parede póstero superior do conduto auditivo externo. Ela atravessa o tegmen e o ático, passando adiante da cápsula ótica vindo terminar na fossa média 8. São consideradas as mais comuns, presentes em 70 a 90% das fraturas do osso temporal 7 Essas fraturas geralmente levam a hemotímpano e paralisia facial, acomentendo sua porção horizontal 5,6.

As fraturas transversas são resultantes de trauma frontal ou occiptal. 0 traço de fratura começa no foramem magnum, atravessa a fossa posterior até a fossa média passando pela cápsula labiríntica 8. Estão relacionadas com disacusia neurosensorial, vertigem e paralisa facial, acometendo o nervo facial na sua porção potrosa.

A hipoacusia condutiva geralmente é devida ao hemotímpano que normalmente se resolve em poucas semanas sendo encontrado nas fraturas longitudinais. Diversos autores sugerem que se a hipoacusia persistir, a conduta a ser tomada é a exploração cirúrgica da cavidade timpânica, afirmando também que o achado mais freqüente é a luxação incudo-estapediana e fratura das cruras do estribo5.



FIGURA 1- Exame audiológica.



A causa mais comum de fístula liquórica e o trauma crânio encefálico ,sendo estimada em cerca de 2% dos casos10.

Quando o paciente exibe função tubária normal e membrana timpânica íntegra, a sintomatologia é restringida á rinorréia e drenagem pós nasal. Entretanto quando a membrana timpânica está perfurada o paciente apresenta otorréia aquosa persistente, Já em pacientes com membrana timpânica intacta e disfunção tubária, o quadro clínico é de otite média secretora9,10.

A maioria dos casas de fístula liquórica fecham espontaneamente, mas em alguns pacientes é necessário a intervenção cirúrgica9,10 No momento do trauma fragmentos ósseos podem enredar a aracnóide e dura mater, resultando em fístula persistente10.

A abordagem cirúrgica depende da localização da fístula. Para evidenciar o local da fístula o melhor método é a tomografia computadorizada9 devendo ser realizada pré-operatoriamente

DESCRICÃO DO CASO

Paciente de sexo feminino, 32 anos, com história de sensação de plenitude auricular esquerda há 1 ano. Já havia sido submetida à vários tratamentos anteriores para disfunção tubária. Ao exame otoscópico apresentava membrana timpânica íntegra, com sinais de líquido no ouvido médio. A audiometria tonal revelou gap aérea óssea médio de 15 dB a esquerda (Fig. 1). Na impedanciometria observou-se curva tipo B de Jeger. Em vista dos tratamentos anteriores sem sucesso optou-se por uma paracentese, quando foi aspirado líquido seroso claro. A paciente apresentou melhora imediata mas com retorno dos sintomas após 7 dias. Naquele momento optou-se por colocação de tubo de ventilação tipo Shepard. No pós operatório imediato a paciente evoluiu com saída abundante de líquido claro pelo tubo de ventilação. Ao exame bioquímico constatou-se que o mesmo era líquido cefaloraquidiano. Na procura de uma provável etiologia, a paciente referiu uma queda com trauma da região frontal há 3 anos, quando apresentou rinorréia aquosa por algumas horas apenas, sem sintoma auditivos.

Na tomografia computadorizada (Fig. 2) observou-se mastóide pneumatizada com suas células preenchidas por uma massa em continuidade com o soalho da fossa média, e o ouvido médio por substância de densidade líquida. Com diagnóstico de fístula liquórica com provável hérnia de dura máter, a paciente foi submetida à tímpano mastoidectomia. No ato cirúrgico foi encontrado massa de aspecto granulomatoso preenchendo mastóide em continuidade com a dura máter da fossa média na região do ângulo sino dural (Fig. 2). A massa erosava as células mastóideas expondo assim o seio sigmóide, deixando livre o antro é o ático (Fig. 3). Ao descolar a massa, notou-se claramente uma pequena fístula de onde drenava LCR. Após a retirada de toda a massa foi colocada uma fáscia temporal por sobre a região da fístula, estabilizando-se com cola de fibrina (Fig. 4). A cavidade foi então preenchida por tecido gorduroso abdominal, e foi retirado o tubo de ventilação. A paciente permaneceu em repouso absoluto por 3 dias com curativo compressivo. O exame anatomopatológico revelou tratar-se de neuroma. O exame físico e audiometria tornaram-se normais após 1 mês de pós operatório.



FIGURA 2- Tomografia computadorizada.



FIGURA 3- Neuroma na cavidade cirúrgica.



FIGURA 4- Fechamento da fístula com fáscia de músculo temporal e cola de fibrina.



DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

A hipótese etiológica mais provável é traumática. Com o trauma ocorrido há 7 anos deve ter havido uma fratura do soalho da fossa média com sequestro de pequena porção da dura máter contendo um nervo de pequeno calibre. Essa compressão levou à evolução de um neuroma, que com o seu crescimento favoreceu à formação de fístula liquórica. Em todos os casos de fístula liquórica revisados o quadro clínico foi notado imediatamente após o trauma, enquanto que essa paciente apresentou sintomatologia após anos do trauma. A reparação cirúrgica da fístula por nós empregada coincide com a conduta de literatura 9,10.

É muito mais remota a hipótese de neuroma expontâneo pois não há na literatura nenhum caso descrito.

O trabalho serve para alertar os otorrinolaringologistas para que na presença de um quadro clínico audiológico de otite média secretora se aventar a hipótese de etiologia traumática, levando a presença de LCR no ouvido médio.

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* Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
** Pós-Graduando da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
*** Professor Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
**** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.

Trabalho realizado na Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (UM 32).

Fonte: CEDAO - Centro de Estudos e Desenvolvimento Avançado em Otorrinolaringologia.

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