INTRODUÇÃOCorpos estranhos nas vias aéreas são causa importante de morbidade e mortalidade nos dois extremos da vida, crianças e idosos. 1 A aspiração traqueobrônquica de corpos estranhos pode resultar em disfunção respiratória aguda, infecções pulmonares crônicas, atelectasias e morte. Qualquer objeto que uma criança coloque na boca pode ser aspirado. Estes podem variar de pequenas peças de brinquedos a parafusos, sendo que as sementes, grãos ou fragmentos vegetais são os mais freqüentes, geralmente radiolucentes e não identificados no raio X de tórax de rotina. A aspiração de corpo estranho deve ser, portanto, considerada em qualquer criança com problemas pulmonares inexplieados.
O objetivo dos autores foi realizar um levantamento retrospectivo das broncospias efetuadas no Hospital de Pronto Socorro Municipal de Porto Alegre em um período de dez anos (1980 - 1989).
MATERIAL E MÉTODOSNo período de Janeiro de 1980 a dezembro de 1989, 98 pacientes foram admitidos no Hospital de Pronto Socorro com o diagnóstico presuntivo de aspiração de corpo estranho e foram submetidos a broncoscopia com broncoscópio rígido, da marca Storz, com fonte de luz fria. Os autores revisaram seus registros hospitalares a fim de obter dados de história, diagnóstico e tratamento.
RESULTADOSA idade dos pacientes variou de 9 meses a 74 anos de idade, distribuídos conforme a figura 1. Cinquenta e quatro pacientes eram do sexo masculino e 44 do sexo feminino.
FIGURA I- Idade.
A tabela I lista o motivo da consulta do encaminhamento do paciente. Além da suspeita de aspiração, muito freqüente, tosse e dispnéia foram importantes manifestações apresentadas pelos pacientes. Setenta e cinco por cento destes suspeitavam qual o tipo de objeto que havia sírio aspirado.
Vários pacientes nos quais inicialmente não é feito o diagnóstico de aspiração, são tratados para pneumonia ou asma 4 Em nosso levantamento a antibiotieoterapia foi o recurso mais freqüente aplicado previamente à brancoscopia. (vide tabela II )
Os achados observados ao exame físico estão na tabela III. Muitas vezes os pacientes apresentavam-se em bom estado geral, sem sinais de sofrimento respiratório agudo. Estertores pulmonares, cianose e diminuição dos murmúrios vesiculares foram os mais importantes dados obtidos ao exame do paciente. Um paciente apresentou orifício de entrada de projetil de arma de fogo no seio maxilar direito e de saída no palato mole, com posterior aspiração do mesmo.
O raio X de tórax foi o exame complementar usado no auxílio diagnóstico. Cinquenta e sete por cento dos pacientes tinham raio X sugestivo de presença de corpo estranho nas vias aéreas. Os achados radiológicos relatados foram atelectasias, hiperinsuflação pulmonar, focos de consolidação e visualização de objetos radiopacos.
Cinquenta e quatro por cento dos pacientes foram submetidos a broncoscopia nas primeiras 6 horas de admissão hospitalar.
As sementes foram o tipo de corpo estranho mais encontrado conforme mostra a figura II. Em 8 pacientes não foi encontrado corpo estranho algum.
O brônquio fonte direto foi, por razões anatômicas, o mais freqüente sítio de alojamento de corpos estranhos. (60% dos casos). O brônquio fonte esquerdo e a traquéia contribuíram com 16.3 % e 11.2 % dos casos, respectivamente.
As complicações pós operatórias foram infreqüentes e reversíveis, tendo-se registrado 6 casos de edema de glote, 2 casos de laringoespasmo, uma parada cardiorrespiratória e um episódio de hemorragia. Não houve óbitos.
TABELA I- Motivo da consulta.
TABELA II- Tratamentos prévios à broncoscopia.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃOA aspiração de objetas estranhos é a maior causa de dano à via aérea em crianças, e uma causa comum de mortes acidentais nos primeiros anos de vida 3. A prevenção deve ser a principal preocupação ao lidar-se com este problema. O médico deve instruir os pais no sentido de evitar estes acidentes e os pais, par sua vez, devem proteger suas crianças de objetos que possam ser aspirados. Estes segundo a literatura, são na maioria das vezes sementes.1,2,4,5,9
FIGURA II- Tipos de corpo estranho encontrados.
TABELA III- Achados ao exame físico.
Não existe nenhum sinal ou sintoma específico de aspiração, e portanto o médico deve manter um alto índice de suspeita para que o diagnóstico seja feito :4 Wiseman5 sugere uma tríade, que consiste de tosse, estertores e diminuição dos murmúrios vesiculares pulmonares, altamente sugestiva de aspiração. O raio X de tórax é um método diagnóstico valioso nestes casos, mostrando atelectesias, hiperinsuflação pulmonar focos de consolidação e corpos estranhos radiopacos 2,3,4,5,6,8. Algumas vezes, porém, o exame é normal.
O tratamento de escolha é a broncoscopia. Nos casos aqui relatados, o procedimento foi realizado com broneoscópio rígido. Alguns autores defendem o uso do broncoscópio flexível em adultos. 10,12,14 Em crianças o broncoscópio rígido continua sendo o instrumento de escolha para a retirada de corpos estranhos. 7,8,9,10
O surgimento de novas técnicas e equipamentos para broneoscopia tem diminuído muito a morbidade e mortalidade deste procedimento. Atualmente, o grande índice de sucesso na retirada dos objetos e a raridade das complicações justifica plenamente o seu uso 11.
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* Médico chefe do Serviço de Otorrinolaringologia e Broncoesofagologia do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre.
** Médica residente do 2° ato do Departamento de ORL do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
***Médica residente do 2° ano do Departamento de ORL do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Instituição onde o trabalho foi realizado. Hospital de Pranto Socorro de Porto Alegre, localizado à Av. Osvaldo Aranha sn.
Endereço do autor responsável:
Av. Venâncio Aires, 1192 sala 12 - Porto Alegre - RS Informação sobre congresso:
Apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia e XXIII Congresso Brasileiro de Endoscopia Peroral, de 27 de outubro à 1 de novembro no Rio de Janeiro, RJ.