INTRODUÇÃOAs zigomicoses compreendem um grupo de doenças produzidas por fungos da classe dos zygomycetes, da ordem Entomophthorales e Mucorales. A doença ocasionada pelos fungos da ordem mucorales é designada mucormicose e acomete em geral, pessoas debilitadas ou imunodeprimidas 1,2,3,4, manisfestando-se por lesões orbitárias, cerebrais e viscerais, sendo quase sempre de evolução letal.
Os Entomophthorales fazem parte da única família a Entomophtoracea, que possui mais seis gêneros, dos quais os Basidiobollts e os Conidiobolus têm interesse médico. Os Entomophthoramycosis basidiobolae (E. Basidiobolae) apresentam formas clínicas com lesões subcutâneas de tronco e membros provocados por fungos do gênero Basidiobolus. Por sua vez, os Entomophthoramycosis conidiobolae (E. connidiobolae) causam lesões submucosas do nariz, rinofaringe, podendo acompanhar lesões da face produzidas pelo Conidiobolus coronatus ou Entomophthora coronata (E. coronata). Os fungos desta ordem são encontrados como sapróftas nos vegetais em decomposição e excrementos de animais5,6,7.
Os pacientes acometidos pelo E. coronata apresentam geralmente, um bom estado de saúde, manifestando-se a doença como uma infecção crônica das vias aéreas superiores, que se inicia, comumente, com sensação de obstrução nasal e inchação progressiva do nariz, região malar, região frontal e lábio superior 8,9,10.
RELATO DO CASOE. J. S., sexo masculino, cor parda, mecânico, procedente de Carpina PE, foi atendido no ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco em 12 de junho de 1985, com história de obstrução nasal direita há, mais ou menos, 3 meses. Referia um "caroço" na fossa nasal direita, com progressivo alargamento e inchação da pirâmide nasal e lábio superior. Negou epistaxe, mas tinha queixa de rinorréia aquosa e dor no rosto, ocasionalmente.
O paciente negou uso de drogas imunodepressoras ou quimioterápicas, como também, outras doenças. Referia bom estado de saúde.
O exame otorrinolaringológico mostrou, à inspecção, alargamento da pirâmide nasal e discreta assimetria facial à direita com inchação do lábio superior (fig. 1). A rinoscopia anterior mostrava a fossa nasal direita preenchida por tumoração de aspecto polipóide (fig. 2), originária da parede lateral direita. A mucosa mostrava-se íntegra. Não havia secreção purulenta. E, à rinoseopia posterior, observava-se que a tumoração não ultrapassava as coaras.
O estudo radiológico da face, revelou velamento do selo frontal e etmoidal direito, além da opacificação direita e espessamento do seio maxilar do mesmo lado (fig. 3).
A tomografia simples, mostrou processo expansivo ocupando a fossa nasal indo até o etmóide posterior (fig. 4). Inicialmente a hipótese diagnóstica era "polipose nasal e do seio maxilar", sendo realizados exames pré-operatórios de rotina.
Foi realizada sinusectomia maxilar direita com retirada do material de aspecto polipóide, que foi enviado para exame anátomo-patológico. Foram retirados fragmentos da tumoração nasal, que se encontrava bastante aderida ao corneto inferior, invadindo a fossa nasal em sua parede lateral. Os fragmentos foram colocados em recipientes separados do material do seio maxilar e enviados, também, para exame anátomo-patológico.
O exame anátomo-patológico do material, tanto do seio maxilar como da fossa nasal, mostrou tratar-se de uma "zigomicose centro-facial" por Entomophthorales (fig. 5). Nesta figura observa-se o colar eosinofilico (fenômeno de Hoeppli) contendo a hifa e rodeado por infiltrado celular; lesão indicadora de diagnóstico.
Após o resultado do exame anátomo-patológico, foi iniciado tratamento medicamentoso à base de iodeto de potássio 3,5g/dia e Sulfametoxazol 400tng, trimetoprim 80mg dois comprimidos duas vezes ao dia, com acompanhamento ambulatorial dermatológico e otorrinolaringológico. O tratamento teve a duração de seis meses, havendo regressão total da tumoração (fig. 6).
FIGURA 1- Alargamento da pirâmide nasal. Observar o edema à direita.
FIGURA 2- Rinoscopia anterior mostrando a tumoração.
FIGURA 3- RX convencional mostrando toda a fossa direita ocupada pelo tumor.
FIGURA 4- Tomografia simples.
FIGURA 5- Histopatológico, mostrando o colar eosinofílico (Fenômeno de Hoeppli).
DISCUSSÃOPoucos são os casos descritos a respeito da micose nasal causada pelo E. coronata. Desde sua identificação como enfermidade humana, esta doença tem merecido a atenção de alguns autores. Martison4 foi o primeiro a descrever esta micose como enfermidade humana.
Outros pesquisadores também apresentaram publicações a este respeito e alguns salientaram, em seus trabalhos que a doença tem certa predominância por indivíduos da raça negra e do sexo masculino 11,12,13.
O diagnóstico baseia-se nos aspectos clínicos, exame micológico, exame anátomo-patológico e radiológico. As culturas, quando realizadas, se positivas, revelam sempre a presença do E. coronata, nunca sendo estes fungos encontrados nas lesões subcutâneas, que mostram sempre a presença do Basidiobolus.
O exame anátomo-patológico é realizado em cortes corados, em geral, pela hematoxilina-eosina, onde se visualiza as hifas dos fungos, esparsas e isoladas, apresentando-se, de acordo com o corte, longitudinais, oblíquas ou transversais, as quais estão circundadas por grânulos eosinofílicos, fenômeno de "Splendore-Hoeppli", patognomônico do Entomoplthorales14.
FIGURA 6- RX mostra ausência de tumoração.
FIGURA 7- Paciente após tratamento.
O envolvimento do seio maxilar Entomophthorales, referido neste trabalho, é descrição rara . E o diagnóstico não deixa dúvida , sendo este caso comparável a alguns outros revistos, na bibliografia pesquisada, diferindo apenas pela confirmação Histopatológico da lesão localizada dentro do seio maxilar.
Pelo exame tomográfico é possível obter informação segura sobre o grau de envolvimento do seios da fase da integridade óssea.
Nas Entomophthoroses, o iodeto de potássio tem boa resposta clínica, e a dosagem utilizada é em torno de 40 mg/Kg de peso corporal por dia, devendo o tratamento ser mantido por um período variável de um mês a um ano. Outra droga usada é a Anfotericina B, na de 1 mg/kg de peso corporal por dia e em dias alternados.
O tratamento cirúrgico tem sido usado para correção das deformidades e retirada do material para exame histopatológico 15,16.
CONCLUSÃOQuatro anos após o paciente ter recebido alta ambulatorial, ele retornou sem queixas e apresentando bom estado geral de saúde. O exame otorrinolaringológico e radiológico não revelou anormalidades . (Fig. 6 e 7).
A importância deste trabalho é além de relatar um caso incomum, mostrar a eficácia do tratamento realizado com acompanhamento clínico dermatológico e otorrinolaringológico, obtendo-se o êxito da cura das lesões. Os autores esperam que este trabalho possa contribuir para o estudo da zigomicose dentro da casuística regional e nacional.
AGRADECIMENTOSAo Dr. Valdir Bandeira, pela ajuda da bibliografia . À Dra. Ione Lacet, pela orientação terapêutica e acompanhamento dermatológico .
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* Professor(a) Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de Pernambuco.
** Médica Residente de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco.
Serviço: Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco-Recife.
Endereço da Instituição: Av. Prof. Moraes Rego, S/N-Cidade Universitária Recife-PE - CEP: 50 000
OBS.: Trabalho apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, Rio de Janeiro-RJ, 1990.