ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2701 - Vol. 58 / Edição 3 / Período: Julho - Setembro de 1992
Seção: Artigos Originais Páginas: 208 a 210
Bócio cervical antero-posterior em tireoidite de Hashimoto.
Autor(es):
Ana Helena Chagas Ramos*;
Yang Tsou Chan**;
João Ruocoo***;
José Renato Roxo Guimarães***

Palavras-chave: tiroidite auto-imune, bócio

Keywords: thyroiditis autoimmune, goiter

Resumo: É relatado caso de paciente de 59 anos branco, sexo masculino que apresentava quadro de dispnéia progressiva há 10 anos acompanhado de aumento de região cervical anterior e de abaulamento de parede posterior de faringe. Foi submetido a exames hormonais que revelaram hipotireoidismo e à punção biópsia aspirativa cervical e intra-oral que apresentava quadro citológico de Tireoidite de Hashimoto. A tomografia mostrou tratar-se de massa única, de origem tireoidiana e que apresentava extensão exclusivamente no sentido amero-posterior da região cervical. Após hormonioterapia adequada houve remissão do quadro clínico e da massa cervical. É ressaltado o fato de ser um caso incomum de bócio não sendo observado caso semelhante na literatura mundial.

Abstract: We present a case of a 59-year-old white man who had dyspnea for 10 years and an increase of volume of the neck and posterior wall of pharynx After hormonal tests we detected hypothyroidism and the aspirative biopsy of the cervical and oral regions revealed Hashimoto Disease. The Computed Tomographic showed a single mass originated in thyroid with extension in the antero-posterior direction of the neck. The cervical mass was reduced after hormonal treatment. It's emphasized that this is an abnormal presentation of goiter and we didn't find a similar case in the literature.

INTRODUÇÃO

As doenças inflamatórias da glândula tireóide subdividem-se em tireoidites agudas, sob-agudas e crônicas.

A tireoidite aguda é de ocorrência rara, causada por infecção bacteriana, geralmente estreptococos ou estafilococos. Causa aumento da glândula com sinais flosísticos intensos. Também pode ser de etiologia viral.

A tireoidite sob-aguda pode apresentar ou não aumento do volume da glândula, com dor e inflamação local. Pode resolver-se espontaneamente ou evoluir para tireoidite crônica e hipotireoidismo.

As tireoidites crônicas subdividem-se em três tipos:

1. Tireoidite de Riedel;
2. Tireoidite granulomatosa;
3. Tireoidite de Hashimoto.

A tireoidite de Hashimoto é mais freqüente no sexo feminino e crianças, costumando ocasionar compressão traqueal. É doença auto-imune e regride em poucos meses cote administração de hormonioterapia adequada. O quadro de hipotireoidismo surge devido a destruição do parênquima normal que é substituído por tecido fibroso e folículos linfóides l.

O caso relatado apresenta características incomuns em relação a extensão e estruturas acometidas pelo aumento de tecido tireoidiano.

APRESENTAÇÃO DE CASO

O paciente H.D.B., 59 anos, sexo masculino, branco, foi encaminhado ao ambulatório da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo por apresentar quadro de apnéia noturna. Relatava respiração ruidosa, roncos noturnos e períodos de apnéia. Tais sintomas tiveram início há 10 anos atrás, com piora progressiva nos últimos 3 anos. Foi realizada exérese de cisto de epiglote em janeiro de 1989 em outro serviço ORL não havendo remissão dos sintomas; a partir de então, além da piora dos roncos noturnos passou a apresentar disfagia progressiva nos dois último anos. O paciente também apresentava fadiga intensa, obstipação intestinal e sensação parestésica em extremidades. Não referia outras patologias, não fazia uso de qualquer medicação.

Ao exame físico geral apresentava-se com 84 kg, 1,72 m, descorado +, com a pele seca com descamação e discreto edema palpebral.

A palpação da região cervical evidenciava-se tumoração cervical sugestiva de aumento de volume de glândula tireóide de aproximadamente duas vezes sem presença de outras massas cervicais adjacentes.

O exame da cavidade oral mostrou véu palatino longo, com a úvula tocando a base da língua e presença de abaulamento de toda parede posterior da faringe.

Realizado exame com a utilização de fibrofaringolaringoscópio observou-se abaulamento mais acentuado em parede lateral direita da faringe, estendendo-se até o nível da região glótica.

O exame radiológico do perfil cervical mostrava diminuição do calibre das vias aéreas desde o palato até a região ao nível glótico, às custas de aumento do volume de partes moles desde a região retrofaríngea até a região retrolaringea. Esse estreitamento das vias aéreas superiores foi melhor evidenciado à tomografia computadorizada que mostrava massa de densidade homogênea que se estendia desde a parede posterior da orofaringe até o nível cricofaríngeano sem sinais de infiltração das estruturas adjacentes. A massa também apresentava extensão bilateral, comprimindo a laringe e reduzindo a coluna aérea traqueal.

A C.T. revelou aumento de ambos os lobos tireoidianos, sugerindo se tratar de massa de origem tireoidiana com extensão exclusivamente cervical.

Considerando-se estes resultados associados ao quadro clínico do paciente, sugestivo de hipotireoidismo, foram feitas dosagens hormonais, obtendo-se os seguintes resultados:

T4: 0,5 ug/dl (nl: 4,5-12 ug/dl)
T3: 30 ng/dl (nl: 80-120 ng/dl)
TSH: > 100 uU/ml (nl: 0,5-5 uU/ml)

A punção biópsia aspirativa realizada por via trans-cutânea e por via infra-oral revelou quadro citológico compatível com tireoidite linfocitária ou de Hashìmoto.
E, por fim, a cintilografia da glândula tireóide com pertecnetato de sódio mostrou tireóide tópica com volume aumentado difusamente em grau acentuado e morfologia conservada, apresentando distribuição discretamente heterogênea do traçado em seu parênquima. Deste modo, o exame mostrou a presença de bócio difuso atóxico.

DISCUSSÃO

A obstrução das vias aéreas superiores devido ao aumento da glândula tireóide pode ocorrer de modo progressiva, acompanhando o crescimento do parênquima glandular, ou acontecer de forma abrupta, precipitada por sangramentos intra-foliculares ou infecção de vias aéreas superiores pelo edema de mucosa e aumenta das secreções 2,3.

Nestes casos agudos muitos autores têm descrito como tratamento da obstrução a entubação traqueal com posterior exérese cirúrgica da massa cervical assim que as condições clínicas do paciente o permitirem. Na maior parte das vezes, utiliza-se uma cervicotomia como via de acesso e, se necessário, é prolongada através de esternotomia para aumentar o campo operatório nos casos de bócio com extensão intratorácica3.

Pode ocorrer variado grau de obstrução de vias aéreas superiores por bócio, com quadro clínico que vai desde a assintomatologia até a dispnéia severa com a necessidade de cirurgia de urgência3,4,5,6.

Dentre estes casos relacionados, a grande maioria dos quadros obstrutivos é devido a bócio retroesternal, ou seja, quando o maior diâmetro da tireóide se encontra abaixo da região cervical ou a maior parte da massa está na cavidade torácica. Dessa maneira, o aumento da glândula numa cavidade rígida leva a comprensão de estruturas próximas como veia cava superior e traquéia5.

A avaliação objetiva do grau de obstrução é realizada através da Prova de Função Pulmonar (PFP) 3,8. A extensão exclusivamente cervical do bócio tireoidiano no caso relatado não ocasionou grau importante de obstrução respiratória. A tomografia computadorizada revelou com precisão os limites anatômicos do bócio bem como a continuidade da massa no sentida antero-posterior da região cervical. A CT permite também a medição do diâmetro traqueal: os sintomas obstrutivos somente surgem após redução de 50 a 70% desse diâmetro.

A cintilografia é um método que apresenta muitos falsos negativos, não sendo fidedigna no sentido de avaliar a extensão do crescimento da glândula7.

A dosagem hormonal confirmou o quadro de hipotireoidismo enquanto que a punção biópsia aspirativa mostrou sua causa como sendo a Tireoidite de Hashimoto.

O tratamento hormonal em casos de bócio é sempre utilizado, porém dependendo de sua extensão e do grau de obstrução respiratória causada, pode-se primeiramente optar por exérese do mesmo2,9.

No presente caso foi instituído somente tratamento hormonioterápico adequado (Param T4: 50 mg/dia) com remissão dos sintomas gerais bem como redução importante da massa cervical em 7 meses.

CONCLUSÃO

No caso relatado a intensidade da dispnéia não requereu nem a realização de entubação e/ou traqueostomia bem como não houve necessidade de exérese cirúrgica pois, somente com a realização de hormonioterapia houve regressão da massa tireoidiana que após 7 meses já não era mais visível em orofaringe.

A ocorrência de bócio tireoidiano com extensão exclusivamente cervical no sentido antero-posterior não foi observada na literatura mundial, sendo encontrado somente aspectos relativos ao diagnóstico e tratamento de bócios situados na região cervical anterior ou que se apresentassem extensão intra-torácica.

BIBLIOGRAFIA

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*Residente da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
*Pós-Graduando da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
***Médicos Assistentes da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

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