ISSN 1806-9312  
Sexta, 8 de Novembro de 2024
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2690 - Vol. 58 / Edição 2 / Período: Abril - Junho de 1992
Seção: Relato de Casos Páginas: 130 a 132
Pseudo-bifurcação do nervo facial
Autor(es):
Jorge Henrique Arraes de Alencar Pierre*,
Noisio Guilherme Moraes Ferreira*

Palavras-chave: nervo facial, anormalidades, cirurgia ótológica

Keywords: facial nerve, abnormalites, otologic surgery

Resumo: Os autores relatam um caso de duplicação da bainha do nervo facial encontrado durante dissecção anatômica que, até ser aberto, foi tomada como duplicação da porção vertical do próprio nervo. Fazem uma revisão do literatura sobre bifurcação do nervo facial na qual não foi encontrado caso idêntico e alertam para o risco de lesão iatrogênica que estas representam. O achado anatômico é ilustrado por fotos obtidas através do microscópio cirúrgico.

Abstract: The authors describe a case of duplication of the sheath of facial nerve found in anatomic dissection. They report to world literature in wich they didn't find any other identical case, and alert to the risk of iatrogenic lesion.

INTRODUÇÃO

Anomalias do nervo facial ocorrem em qualquer parte do seis trajeto intratemporal1,2. Estas alterações podem ser divididas em deiscências congênitas do canal de Falópio, curvaturas anormais do trajeto nervoso e bifurcações do nervo facial. O cirurgião otológico deve saber que, embora raros, estes desvios do normal podem ocorrer e aumentam o risco de lesão iatrogênica ao nervo facial nas mais diversas cirurgias do osso temporal.

Apresentamos um caso de bifurcação da bainha do nervo facial ao nível da porção vertical descoberto durante dissecção realizada por um de nós (JHAAP) que, até ser aberta, era indistinguível de duplicação do próprio nervo. Este achado parece ser muito raro, já que não encontramos relato similar na literatura pesquisada.

DESCRIÇÃO DO ACHADO ANATÔMICO

Trata-se de um osso temporal esquerdo de adulto de idade, sexo e raça desconhecidos. Não encontramos alterações anatômicas no conduto auditivo externo ou mastóide.

Os segmentos labirínticos e timpânico do nervo facial apresentam-se normais.

Na mastóide parecia haver bifurcação do nervo facial de modo que uma parte, a mais grossa, seguia trajeto normal e saia da mastóide através de um forame estilomastóideo também normalmente posicionado. Deste ramo saia a corda do tímpano de aspecto normal. O outro ramo mais fino saia do tronco principal ao nível do 2° joelho e seguia percurso retilíneo, saindo da mastóide por forame próprio (Figura 1). Ao abrirmos a bainha do nervo constatamos que a duplicação era apenas do envoltório nervoso, que formava um tubo oco sem nada no interior (fig. 2 e 3).

DISCUSSÃO

Bifurcação do nervo facial é uma anomalia rara. Basec3 em 500 dissecções encontrou apenas três casos de bifurcação o que corresponde a 0,6%. Pode ocorrer em qualquer parte do trajeto intratemporal.

Proctor e Nager2 afirmam que podem ser encontradas bifurcações no meato acústico interno, embora sejam raras. No segmento labiríntico foram descritas separadamente por Altinann4 e Miehlke e Pansch5.

No segmento timpânico, bifurcação do nervo facial está freqüentremente associada a anomalias de desenvolvimento da janela vestibular e estribo. No tipo mais comum, o nervo se divide e um ramo passa acima e o outro abaixo da janela oval, que pode estar completa ou incompletamente desenvolvida (Proctor e Naager2 Miehlke e Partsch5, Fowler 6, Caparosa 7 ). Marquet relatou um caso em que um ramo do facial bifurcado passava entre as cruras do arco estapediano e outro abaixo da janela oval. Martin e Martin9 mencionam um caso de bifurcação abaixo da janela oval em associação com fixação congênita da platina do estribo e ossificação do tendão do músculo do estribo.



FIGURA 1- Mastóide direita dissecada. O nervo facial (NF), a corda do tímpano (CT) e a falsa bifurcação (SETAS) encontram-se esqueletonizadas. CAE- conduto auditivo externo; M- cabeça do martelo; SS- seio de sigmóide.



O local mais comum de bifurcação do nervo facial é ao nível da mastóide, Babin e col.10, Mielilke5, Hallbroack11, Arnsdt12 e Rudolovic e Savic13, descreveram casos em que os dois ramos do nervo bifurcado seguiam por canais separados e saiam da mastóide através de forames individuais. Em outros casos o nervo tornava a se fundir em tini tronco comum ainda na mastóide ou logo após o forame estilomastoídeo Tobec14, Miehlke17. Savice e Djeric 16 em 150 cortes macroscópicos da mastóide encontraram apenas um caso de bifurcação do nervo facial, no qual o ramo anterior apresentava diâmetro e trajeto normais e o ramo posterior, mais delgado, terminava em fundo de saco em um canal ósseo na mastóide.

O último caso descrito acima é o que mais se aproxima do relatado por nós. Porém, no caso descrito aqui, não há evidências de duplicação do tronco nervoso, mesmo de forma atrófica. O nervo apresenta-se inteiramente liso, sem qualquer saliência que sugerisse atrofia de um ramo em formação.



FIGURA 2 - A fina camada de osso sobre o nervo facial, emergência da corda do tímpano e falsa bifurcação foi removida e a bainha que envolvia estas estruturas foi aberta. Note que não há duplicação do nervo. CSL- canal semicircular lateral.



Duplicação simples da bainha do nervo como descrito por nós não foi encontrada na literatura pesquisada. Bethman e Jongkees17 e Hernan18 descreveram separadamente uma trifurcação do nervo facial na mastóide, que apresentavam localização e características semelhantes isto é, canais separados e forames individuais.



FIGURA 3- O nervo facial foi afastado com um estilete para mostrar em detalhes a bifurcação da bainha. Observe que a mesma forma um tubo vazio (seta maior).



CONCLUSÃO

Uma lesão iatrogênica ao nervo facial é um terrível choque tanto para o paciente como para o cirurgião. Para diminuir o risco destas lesões, o cirurgião deve ter conhecimento perfeito da anatomia normal do canal do facial, adquirida através de dissecções repetidas do osso temporal. Além de conhecer a anatomia normal o otocirurgião deve ter em mente que, embora raras, as anomalias do nervo facial podem ocorrer. Cuidado especial merecem aqueles pacientes que apresentam alguma anomalia de ouvido externo e médio cujo risco de apresentar alterações concomitantes do nervo facial é maior. Segundo Sataloff19 é possível prever alterações do nervo facial nestes pacientes (principalmente deiscências e anormalidades do trajeto), determinando em que fase do desenvolvimento estão as alterações auditivas e como o facial se apresenta nesta idade embriológica. Para isto usa uma tabela por ele desenvolvida. Quando ocorrem alterações do nervo facial sem outras anomalias, o problema torna-se mais delicado e o risco de lesão aumenta bastante. No caso em questão poderia haver danos ao nervo facial se a falsa duplicação fosse confundida com o tronco nervoso, que seria lesado se estendessemos a dissecção a tini nível mais anterior.

BIBLIOGRAFIA

1. STERKERS, J.M.; STERKER, O.: Chirurgie du nerf facial. Encycl. Med. Chir., Paris, Olo-rhino-laryngologie, 20260 A20,4-1983.
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10. BABIN, R.W.; FRATKIN, J.; IIARKER, L.A.- Traumatic neuromas of the facial nerve. Arch Otolaryngol, 107:55-8, 1981.
11. HALLBROACK, II.: citado por Savic et Djeric 16.
12. ARNDT, II.J.: citado por Proctor e Nager2.
13. RUDOLOVIC, R.; SAVIC, D.: citado por Savic et Djeric 16. 14.
14-TOBECK, A.: citado por Proctor e Nager2.
15- MIEHLKE, A.: citado por Savic et Djeric 16.
16. SAVIC, D.; DJERIC, D.: Anomalies de la portion mastoidienne du canal facial et leur importance chirurgicale. Ann. Oto-Laryng. (Paris), 103:27-30,1986.
17. BETHMANN, W.M.; JONGKEES, W.: End temporal branching of the facial nerve. Arch Otolaryngol (Stock), 45:111-114, 1955.
18. HEERMANN, JJR.: citado por Savic et Djeric 16.
19. SATALOFF, R.T.: Embriology of the facial nerve and its clinical applications. Laryngoscope, 100:969-984,1990.




*Mestrandos em Otorrinolaringologia do HUCFF/UFRJ.

Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementina Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Endereço do autor: R Inhangá 10, apto. 904 - Copacabana - Rio de Janeiro - R.J.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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