INTRODUÇÃOEm traumas crânio-encefálicos a porcentagem de fraturas do osso temporal varia de 3 à 24% 1,2,3,4.
As fraturas longitudinais são causadas por choques laterais que atingem as regiões parietais ou têmporo parietais do crânio. O traço de fratura geralmente começa na escama do temporal, e se prolonga através da mastóide até a parede póstero superior do conduto auditivo externo. Ela atravessa o tegmem e o ático, passando adiante da cápsula ótica vindo terminar na fossa média. São consideradas as mais comuns, presentes em 70 a 90% das fraturas do osso temporal. Essas fraturas geralmente levam a hemotímpano e paralisia facial, acometendo sua porção horizontal 1,2 (Fig. 1).
As fraturas transversas são resultantes de trauma frontal ou occiptal. O traço de fratura começa no foramem magnum, atravessa fossa posterior até a fossa média passando pela cápsula labiríntica 4. Estão relacionadas com a disacusia neurosensorial, vertigem e paralisia facial, acometendo o nervo na sua porção petrosa (Fig. 1).
Distúrbios auditivos após trauma crânio-encefálico tem sido estudados por muitos autores relacionando achados radiológicos e sintomas.
FIGURA 1- Fraturas mais comuns de osso temporal.
O achado otoscópico, mais freqüente é o hemotímpano seguido da perfuração e laceração do conduto 2,4.
A hipoacusia condutiva geralmente é devida ao hemotímpano que normalmente se resolve em poucas semanas sendo encontrados nas fraturas longitudinais. Diversos autores sugerem que se a hipoacusia persistir, a conduta a ser tomada é a exploração cirúrgica da cavidade timpânica, afirmam também que o achado mais freqüente é a luxação fincudo-estapediana e fratura das curas do estribo1.
A disacusia neurosensorial pode ser causada por lesões centrais ou periféricas 1. Dentre as causas periféricas destacam-se a hemorragia do ouvido interno e o trauma causado pela onda de pressão intracraniana que se propaga através do aqueducto coclear. As causas centrais são devidas à laceração do VIII par, e hemorragia em diversos locais do sistema nervoso central 1.
O objetivo dos autores foi de verificar as alterações audiológicas mais freqüentemente encontradas nos pacientes que sofreram otorragia pós trauma crânio-encefálico atendidos no serviço de emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Os autores ainda estudaram o valor prático dos exames subsidiários empregados.
METODOLOGIAOs autores estudaram pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com quadro de otorragia após trauma crânio-encefálico, no período de julho de 1990 a julho de 1991. No atendimento de emergência os pacientes eram interrogados quanto aos sintomas hipoacusia, vertigem e zumbido. No exame físico otorrinolaringológico dedicou-se particular atenção a sinais de fraturas dos ossos da face, otoscopia e sinais de paralisia facial periférica.
O paciente era submetido a aspiração dos ouvidos com assepsia rigorosa sob microscopia.
Foram realizadas audiometria ou ECOG e impedanciometria (quando possível) na primeira consulta e após 3 meses do trauma. Foi realizada tomografia computadorizada de alta resolução (CT) o mais rápido possível.
O paciente era orientado a não molhar os ouvidos, e lhe era prescrito antibioticoterapia com amoxacilina (50 mg/kg) por 10 dias.
RESULTADOSForam estudados 23 pacientes, acompanhados por no mínimo 3 meses após o trauma.
No nosso estudo foi encontrado predominância do sexo masculino (75%), com idade variando de 2 a 70 anos (média de 39 anos). A causa mais freqüente foi a queda acidental seguida dos acidentes de trânsito. A hipoacusia foi referida em 66,7%, zumbidos em 54,2% e vertigem em 54,2% dos pacientes. Ao exame físico as alterações mais freqüentes foram laceração do conduto auditivo externo (25%), hemotímpano (20,8%) e laceração mais hemotímpano (16,7%). Em nenhum dos pacientes foi encontrado otoliquorragia persistente por mais de 4 dias.
Foi encontrada paralisia facial periférica em 2 pacientes sendo submetidos à descompressão total do nervo pois mostravam no teste do lacrimejamento lesão suprageniculada, e teste de exitabilidade mínima com ausência de respostas5,6. A audiometria revelou em 12,5% dos doentes anacusia, 62,5% GAP aéro-ósseo, e em 4,2% disacusia mista. Todos os pacientes que apresentaram GAP aéro-ósseo tiveram sua audiometria normalizada em 3 meses salvo 1 paciente. Nesse caso foi encontrada perfuração de membrana timpânica, gap de 55 dB e CT normal. A perfuração fechou expontaneamente em 3 semanas, porém com persistência do gap de 35 dB. O paciente foi submetido à timpanotomia exploradora aonde foi encontrado fraturas das cruras do estribo, sendo então realizada estapedotomia. A audiometria normalizou no pós operatório.
A CT mostrou fraturas em lugares diversos em 58,3% dos casos, sendo a fratura longitudinal amais freqüente, 71,4 % dos casos de fratura. Em nenhum dos casos a CT mostrou alterações na cadeia ossicular tais como fraturas ou luxações. Na tabela I apresentamos os locais de fratura evidenciados pela CT, e nas figuras 2, 3 e 4 alguns exemplos.
Todos os pacientes que apresentaram hemotímpano no exame físico tiveram alteração na CT, um paciente apresentou velamento de células mastóides e 4 pacientes fraturas de mastóide.
DISCUSSÃOO paciente vítima de trauma crânio encefálico geralmente tem o primeiro atendimento realizado pelo neurocirurgião. O concurso de otorrinolaringologista é solicitado posteriormente para avaliar as funções auditiva, vestibular e do nervo facial.
TABELA 1
FIGURA 2- CT mostrando fratura longitudinal, desde parede lateral até o ático.
FIGURA 3 - CT mostrando fratura longitudinal, desde paredes lateral até o ático, suspeita de coleção liquórica temporal.
FIGURA 4- CT mostrando fratura da cortical da mastóide. Com velamento de algumas células.
Quanto à etiologia do trauma crânio-encefálico é interessante notar que na nossa amostragem a queda acidental foi a mais encontrada, enquanto que em estudo realizado por Bento e cols. 5 em pacientes com fratura de osso temporal levando à paralisia facial a etiologia mais comum foi acidentes de trânsito, o que nos leva a supor que os acidentes de trânsito a fratura decorrente é muito mais severa. Concordando com nossa suposição, os dois pacientes desses estudo que apresentavam paralisia facial periférica e os dois que apresentaram cofose haviam sofrido acidentes automobilísticos.
O hemotímpano se resolveu expontaneamente em no máximo 4 semanas. A vertigem em contrapartida, em alguns pacientes persistiu por até vários meses. O zumbido sempre acompanhando a hipoacusia condutiva, desaparece juntamente com a última.
A conduta frente ao paciente com otorragia após trauma crânio-encefálico é ditada basicamente pelo exame físico e audiológico. Em pacientes que apresentam paralisia facial deve ser realizada a descompressão cirúrgica do nervo com aborda em dependendo do topo diagnóstico e do exame elétrico , independendo das fraturas mostradas na CT. Nos pacientes que persistem com perfuração timpânica deve ser realizada timpanoplastia com ou sem reconstrução ossicular. Quando o paciente apresenta GAP aéro-ósseo após 3 meses de trauma como otoscopia normal deve ser realizado timpanotornia exploradora para verificação da cadeia ossicular.
Em todos esses casos a tomografia computadorizada de alta resolução de nada ajudou para a conduta à ser tomada. Mesmo nos casos de comprometimento de cadeia ossicular não conseguimos precisar o tipo de alteração. Cabe ressaltar que em casos de otoliquorragia persistentes a CT pré-operatória é obrigatória em todos os casos. Pela análise da tabela I concluímos que nos locais de fratura mais freqüentes encontrados nesse estudo, não são encontradas estruturas nobres que possam ser comprometidas pela fratura, tais como nervos, ossículos, vasos e estruturas sensoriais. No paciente que apresentou fratura do tegmem foi encontrado otoliquorragia que cedeu após 3 dias do trauma, não sendo necessária intervenção cirúrgica. No paciente que sofreu fratura translabiríntica a audiometria revelou cofose do mesmo lado.
CONCLUSÕESA anamnese, o exame físico e audiológico, e nos casos de paralisia facial o exame elétrico, são necessários e suficientes para podermos determinar a conduta a ser seguida frente ao paciente com otorragia.
O exame radiológico não mostrou utilização prática na orientação do tratamento do paciente com otorragia.
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*Pós-Graduanda de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**Residentes de 3° ano do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Fonoaudióloga da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
****Médico Assistente da Disciplina de Radiologia da Faculdade de Medicina da USP.
*****Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do USP.
Trabalho realizado na Clinica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (LIM32).
Fonte: CEDAO - Centro de Estudos e Desenvolvimento Avançado em otorrinolaringologia.
Trabalho apresentado na IX Reunião da Sociedade Brasileira de Otologia - Belém 1991.
Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6° andar - sala 6021 - CEP 05403 -São Paulo/SP.