INTRODUÇÃOHá muito tempo algumas lesões da mucosa oral vem desafiando os estomatologistas a encontrarem uma resposta eficiente para o seu tratamento.
Paciente portadores de Estomatite Aftóide Recidivante (EAR), Síndrome de Behcet e outras patologias que provocam ulcerações da mucosa oral apresentavam, com freqüência, grande resistência aos tratamentos convencionais. Os estudos de Stendah11, em 1978, mostrando a interferência da diaminodifenilsulfona (DDS ou Dapsona) na inibição da atividade lisossomal, abriram as portas para uma nova terapêutica destas doenças.
AÇÕES DA DAPSONA
Atividade Anti-bacteriana
A dapsona foi descoberta em 1937, no tratamento do Mal de Hansen2, tendo se mostrado cerca de 30 vezes mais ativa e apenas 15 vezes mais tóxica que as sulfanilamidas.
Apresenta ação bacteriostática para o Mycobacterium leprae, com uma sensibilidade estimada em torno de 1 a 10 mg/ml), e uma incidência de cerca de 19% de cepas resistentes à droga.
A dapsona representa, atualmente, a droga mais importante no tratamento da hanseníase.
Atividade Anti-inflamatória
Os mecanismos de sua atividade anti-inflamatória não estão bem elucidados, sendo descritos:
1. Atividade inibitória sobre as enzimas lisossômicas ou sobre a liberação destas enzimas pelos polimorfonucleares 3;
2. Efeito inibitório à iodinasão mediada pela myeloperoxidase dentro das neutrófilos 1;
3. Proteção contra a injúria tecidual auto-oxidativa por interferência na produção de intermediários oxigenados4;
4. Inibição da quimiotaxia dos neutrófilos pela N-formylmethionyl-leucylphenylalanina;
5. Alteração na deposição de complemento na pele e da sua ação quimiotáxica; e
6. Inibição de agentes quimiotáxicos secundários, como os leucotrienos.
Ação sobre a mucosa oral
Khalifa e Sharquie5 foram os primeiros a relatar, em 1984, os efeitos supressivos da dapsona sobre os sintomas da Doença de Behcet, principalmente na mucosa oral e no chamado "princk-test" ou "reação de Behcet" Com uma casuística pequena, de apenas 7 pacientes, descreveram o desaparecimento das úlceras orogenitais, ou sua diminuição em número, tamanho, intensidade de dor e tempo de duração. Quadro semelhante foi relatado por Convit6, no mesmo ano.
Handfield-Jones7, em 1985, trouxe um relato mais pobre, embora utilizasse a dapsona associada ao sulfato de zinco e co-trilrnoxazole. Segundo este autor, a dapsona seria efetiva principalmente nos casos de Estomatite Aftóide Recidivaste e menos na Doença de Behcet.
Além destes quadros, a 4-4' diaminodifenil-sulfona seria também efetiva sobre as lesões orais causadas por outras patologias como o Pênfigo Vulgar, o Líquen Plano Erosivo, e o Lúpus Sistêmico e Discóide.
ABSORÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E EXCREÇÃO
A dapsona tem absorção quase completa pelo trato gastro-intestinal. Sua distribuição se dá por toda a água corpórea, atingindo quase todos os tecidos.
Tende a se manter na pele, músculo, fígado e rins, permanecendo nestes órgãos até por 3 semanas após a interrupção do tratamento.
Quanto à excreção, ocorre quase que totalmente (70-80%) por via renal, sob a forma de metabólitos inativos.
EFEITOS ADVERSOS
Os efeitos colaterais mais comuns, decorrentes do uso da dapsona, são a meta-hemoglobinemia e a anemia hémolítica. São efeitos dose-dependentes, que aparecem com o uso de doses maiores que 200-300 mg/dia. doses de 100 mg ou menos, não produzem estes quadros, que são reversíveis com a suspensão da droga.
Anorexia, náuseas, vômitos, cefaléia, nervosismo, insônia, visão embaçada, parestesias, neuropatia periférica reversível, hematúria e prurido, são alguns dos efeitos adversos relatados .
MATERIAL E MÉTODOSO objetivo deste estudo foi de comprovar a ação da diaminodifenil-sulfona (DDS) no tratamento da Estomatite Aftóide Recidivaste.
Foram acompanhados 30 pacientes portadores de EAR, atendidos no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no período de 1987 a 1990. Tratavam-se de 14 homens e 16 mulheres, com idade entre 17 e 74 anos.
Todos os pacientes apresentavam quadro de aftas orais do tipo minor, com recidivas em intervalos menores que 30 dias e já haviam sido submetidos a vários tratamentos anteriores, sem melhora. Foram excluídos os pacientes portadores de Doença de Behcet.
O tratamento constava do uso do DDS na dosagem de 100mg por dia, em dose única pela manhã, por um período de 2 a 6 meses, tendo sido realizada biópsia das lesões antes da introdução da droga.
RESULTADOSHouve remissão total do quadro em 8 pacientes (26,7%), durante o uso da medicação. Em 17 casos (56,7%), observamos a diminuição do tempo de duração e um intervalo maior entre os surtos, bem como a diminuição do número de aftas e da agressividade do quadro.
Em 4 pacientes (13,3%), não foi observada resposta à terapêutica e em 1 único paciente (3,3%) foi necessária a suspensão do medicamento devido ao aparecimento de meta-hemoglobinemia, que reverteu com suspensão da droga (Tab. 1).
TABELA 1- Evolução dos pacientes quanto ao número de aftas.
GRÁFICO 1- Número de aftas x meses de tratamento
CONCLUSÃOAtualmente, ainda pouco se conhece sobre o tratamento das lesões orais. Por muito tempo, e ainda hoje, são utilizadas, na maioria dos casos, terapêuticas locais que trazem poucos benefícios para o paciente.
Neste estudo, foi observada uma resposta satisfatória o tratamento com DDS em 25 casos (83,3%), e em apenas 1 caso houve o aparecimento de meta-hemoglobinernia, que reverteu com a suspensão da droga. Concluímos assim, que a dapsona é urna droga de grande utilidade no controle da EAR, e vem abrindo novas perspectivas na terapêutica das doenças orais (Gráfico 1).
BIBLIOGRAFIA1. STENDAHL, O.; MOLIN, L.; DAHLGREN, C.: The inhibition of polymorplionuclear leukocyte cytotoxicity by dapsone. A possible mechanism in the treatment of deramtitis herpetifonnis. Journal of Clinical Investigation, 1978, 62: 214.
2. GILMAN, GOODMAN ALFRED: As Bases Farmacológicas da Terapêutica - 7°- ed. 1987.
3. DORY, P.: La dapsone en Rheumatologie. La Press Medicale 1986, 15(13).
4. MIYACHI, Y.; NIWA, Y.: Effects of potassium iodide, cochicine and dapsone on generation of polymorplionuclear leukocyte-derived oxigen intennediaies. British Journal of Dermatology 1982, 107:209.
5. SHARQUIE, K.E.: Supression of Behcel's disease with dapsone. British Journal of Dermatology 1984, 110: 493-494.
6. CONVIT, J.; GOIHMAM-YARD, M.; RONDON-LUGO, A.S.: Effectiveness of dapsone in Belicet's disease. British Journal of Dermatology 1984, 111: 629.
7. HANDFIELD-JONES, S.; ALLEN, B.R.; LITTLEWOOD, S.M.: Dapsone use with oral-genital ulcers. British Journal of Dermatology 1985, 113:501.
*Médico Assitente do Hospital das Clinicas da FMUSP.
**Médica Residente do Hospital das Clínicas da FMUSP
*** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
Trabalho apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia e XXIII Congresso Brasileiro de Endoscopia Peroral, Rio de Janeiro, 1990.
Endereço para correspondência: Hospital das Clinicas da FMUSP. Divisão de Otorrinolaringologia. AIC Dr. Ivan Dieb Miziara. R Prof Enéas de Carvalho Aguiar, 255. CEP 05403. São Paulo.