INTRODUÇÃO0 diagnóstico preciso dá etiologia dos abscessos cervicais, particularmente na infância, constitui até hoje desafio para o profissional da área, que se vê exposto a imensa gama de patologias. Entre elas, podemos citar: fístulas do trato tireoglosso, cistos branquiais e linfonodos abscedidos, entre outras.
O propósito do presente trabalho é relatar um caso de abscesso cervical por fístula de seio piriforme, patologia rara, que, certamente, deve fazer parte do diagnóstico diferencial dos abscessos cervicais, na área pediátrica.
RELATO DE CASOPaciente E.A.N., com seis anos de idade, do sexo feminino, natural e procedente de Feira de Santana, na Bahia, encaminhada para o ambulatório de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital e Maternidade Celso Pierro - PUC - Campinas, em maio de 1997, com história de abscessos cervicais recorrentes desde os dois anos de idade. Foram realizadas quatro drenagens, sendo que, três meses após a última, a paciente evoluiu com novo episódio de abscedeção. Foi submetida à quinta drenagem, sendo encaminhada para nosso Serviço.
Apresentava-se, ao exame físico inicial, sem sinais flogísticos, com cicatriz cirúrgica cervical de aproximadamente 6 cm de comprimento, em colar, resultante de procedimentos anteriores, sem queixas, afebril, eupnéica, alimentando-se e deglutindo normalmente.
Solicitamos faringoesofagograma contrastado, onde evidenciou-se trajeto fistuloso de 1,5 cm, no seio piriforme esquerdo, e em sentido cranio-caudal (Figura 1).
A terapêutica indicada foi cirurgia de ressecção do trajeto fistuloso, realizada em junho de 1997, evoluindo satisfatoriamente e recebendo alta hospitalar no sexto dia do pós-operatório.
DISCUSSÃOA etiologia das fístulas do seio piriforme (FSP) parece ser congênita e remanescente de arco branquial, no seu desenvolvimento embrionário, mas sua exata origem é controversa. Segundo Tucker & Skolnick, a FSP é originária de restos embrionários do quarto arco branquial, embora para alguns autores esta se originaria do terceiro arco branquial, pela presença de tecido tímico e paratireóideo em torno da fístula.
A primeira descrição de FSP é de 1933, por Ravenl, e, em 1970, Babbit6 relatou o uso de contraste de bário deglutido para realizar o diagnóstico. Sandborn7, em 1972, e Tucker', em 1973, relataram o primeiro caso de cirurgia para
Figura l. Faringoesofagograma demonstrando fístula no seio piriforme esquerdo, a aproximadamente 1,5 cm.
FSP. Desde então, vem crescendo o número de publicações científicas associando FSP com tireoidites agudas de repetição 6,.9.
A fístula de seio piriforme, geralmente, localiza-se no lado esquerdo do pescoço, possivelmente pelo desenvolvimento assimétrico das estruturas vasculares da região superior do tórax. No período neonatal, normalmente, manifesta-se como massa ou cisto na região cérvico-lateral 3, cisto intratireoidiano, ou abscesso retrofaringeano, ocasionando problemas respiratórios. Na criança e no adulto jovem, a FSP pode levar ao quadro de abscesso profundo na região lateral do pescoço, abscesso tireoidiano ou a tireoidite supurativa aguda',', como em nosso caso.
O diagnóstico de FSP, levando à tireoidite supurativa aguda, deve ser lembrado, principalmente quando nos defrontarmos com as seguintes características: 1. Início geralmente na infância, ou na adolescência; 2. acometimento do lado esquerdo do pescoço; 3. recorrência do quadro; 4. paciente eutireoideo, sem presença de anticorpos contra tecido tireoidiano2.
O diagnóstico é, geralmente, tardio e o paciente sofre não apenas pelas infecções recidivantes, mas também pelas várias e desnecessárias cirurgias a que é submetido (drenagens de abscesso, cirurgias exploradoras).
Nas quadros clínicos agudos, podem ser solicitados exames laboratoriais, ultrassonográfico e tomografia computadorizada cervical, na tentativa de se obter o diagnóstico diferencial com outras patologias, que podem levar a quadros clínicos semelhantes, tais como: linfadenites, fístulas branquiaís, fístulas do trato tireoglosso e outras causas de tireoidites".
Na fase subaguda, o diagnóstico é realizado por meio de farigoesofagograma contrastado e, em nosso caso, o diagnóstico foi firmado pelo quadro clínico e pelo faringoesofagograma
Na fase aguda, a conduta baseia-se no uso de antibióticos, antiinflamatórios e procedimentos sintomáticos. A aspiração com agulha fina e a drenagem do processo infeccioso podem ser necessárias; porém, aumentam o risco de formação de fístula faringocutânea, e dificultam a remoção do trajeto fistuloso.
O tratamento definitivo é cirúrgico e consiste na identificação do orifício fistuloso no seio piriforme, seguido da fistulectomia. O índice de. recorrência descrito na literatura
é pequeno, seja pelos poucos casos descritos, seja pelo curto seguimento pós operatório.
O seguimento é mantido com a realização de faringoesofagograma contrastado após seis meses da cirurgia, cuja imagem contrastada ausente indica cura completa.
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* Residentes do Serviço de Otorrinolaringologia do HMCP-PUC - Campinas /SP. "' Otorrinolaringologista da Clínica Otorrinos - Feira de Santana /BA.
** Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do HMCP-PUC - Campinas /SP.
*** Residentes do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HMCP-PUC - Campinas /SP.
**** Assistente do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HMCP-PUC - Campinas /SP.
***** Chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HMCP-PUC - Campinas /SP.
Trabalho realizado pelos Serviços de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital e Maternidade Celso Pierro, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas /SPEndereço para correspondência: Dr José Francisco de Salles Chagas - Avenida Oscar Pedroso Horta, 225 - Cidade i Jniversitária - 13083-510 Campinas /SP. Telefone: (019) 239-5424. Artigo recebido em 8 de janeiro de 1998. Artigo aceito em 8 de maio de 1998.