ISSN 1806-9312  
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2662 - Vol. 64 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 1998
Seção: Artigos Originais Páginas: 495 a 504
Perda Auditiva induzida Pelo Ruído em Trabalhadores em Bandas e Trios Elétricos de Salvador, Bahia.
Autor(es):
Carlos R. Miranda* ;
Carlos R. Dias**.

Palavras-chave: perda auditiva, trabalhadores em bandas e em trios elétricos, perda auditiva induzida pelo ruído (PAIR), surdez ocupacional

Keywords: hearing loss, bands and trios elétricos workers, noise-induced hearing loss (NIHL), occupational deafness

Resumo: O presente trabalho constitui-se em um estudo de prevalência, realizado a partir de dados audiométricos referentes a 187 trabalhadores em 18 bandas e trios elétricos de Salvador, Bahia. A prevalência de Perda Auditiva Induzida pelo Ruído (PAIR) foi de 40,6% na população estudada. Em relação à função, observou-se uma prevalência de PAIR de 44,4% entre os contra-regras, 41,2% entre os trabalhadores ligados à produção, 40,4% entre os músicos, 37,5% entre os motoristas e 33,3% entre os operadores de som. Comparando-se os músicos entre si, observou-se uma prevalência de PAIR de 57,1% entre os baixistas, 46,2% entre os bateristas, 43,3% entre os percussiortistas, 40,0% entre os guitarristas, 38,5% entre os tecladistas, 37,5% entre os instrumentistas de sopro e 23,8% entre os vocalistas. O presente estudo permitiu delinear um quadro extremamente alarmante, dada a magnitude da prevalência de perda auditiva do tipo induzida pelo ruído entre trabalhadores em bandas e trios elétricos, apontando a importância da implementação de programas de conservação auditiva.

Abstract: The audiometric evaluation was conducted in 187 workers of 18 bands and trios elétricos of Salvador, Bahia. The NoiseInduced Hearing Loss (NIHL) prevalence was 40,6%. For each function, the prevalence was: 44,4% in the prompters, 41,2% in the production workers, 40,4% in the musicians, 37,5% in the drivers and 33,3% in the sound operator. The comparison between musicians reveal NIHL prevalence of 57,1% in the bass players, 46,2% in the drummer, 43,3% in the percussionists, 40,0% in the guitarists, 37,5% in the wind instrumentalists, 38,5% in the keyboard players and 23,8% in the vocalists. These results reveal a serious situation and the authors recommend to implement Hearing Consetvation Programs.

INTRODUÇÃO

O ruído constitui-se, na atualidade, num dos agentes nocivos à saúde mais presentes nos ambientes urbanos e sociais, principalmente nos locais de trabalho e nas atividades de lazer. O fenômeno acústico denominado ruído foi definido por Chawdick (1973) como qualquer som dissonante, discordante ou anárquico'. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (1987) conceitua o ruído como "a mistura de tons cujas freqüências diferem entre si por valor inferior à discriminação (em freqüência) do ouvido`. Para Costa e Kitamura (1995), ruído (ou barulho) é todo som inútil e indesejável, englobando neste conceito "um aspecto subjetivo de indesejabilidade, por ser o som assim definido desagradável ou por ser ele prejudicial aos diversos aspectos da atividade . humana ou mesmo à saúde".

Ruído e perda auditiva os efeitos da exposição ao ruído no aparelho auditivo humano são bem conhecidos e decorrem de lesões das células sensoriais do órgão de Corti do ouvido interno. Essa lesão -é, em geral, bilateral e tem evolução insidiosa, com perdas auditivas progressivas e irreversíveis, diretamente relacionadas com o tempo de exposição e os níveis de pressão sonora (em geral entre 90 e 140 dB). Além da perda auditiva, podem ocorrer zumbidos, plenitude auricular, tontura, dor de cabeça, distúrbios gástricos (gastrite e úlcera gastroduodenal), alterações transitórias na pressão arterial, estresse e distúrbios da visão, atenção, memória, sono e humor, entre outros 3,6,7,8,9.

Convém destacar que picos de ruído intenso que excedam 140 dB podem causar trauma mecânico com ruptura da membrana timpânica, hemorragia e perda auditiva imediata e geralmente permanente (trauma acústico).

Além dos níveis de pressão sonora e do tempo de exposição, a ocorrência de perda auditiva depende também de fatores ligados ao ser humano como a suscetibilidade individual (características hereditárias, idade, sexo), o uso de certos medicamentos e demais doenças do aparelho auditivo, entre outros.

Conceito de PAIR

A perda auditiva induzida pelo ruído (PAIR) foi assim definida e caracterizada, em 1994, pelo Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva:

- diminuição gradual da acuidade auditiva, decorrente da exposição continuada a níveis elevados de ruído;

- a PAIR é sempre neuro-sensorial, em razão do dano causado às células do órgão de Corti;

- uma vez instalada, a PAIR é irreversível e quase sempre similar bilateralmente;

- raramente leva à perda auditiva profunda, pois geralmente não ultrapassa os 40 decibéis nas baixas freqüências (500, 1.000 e 2.000 Hertz) e os 75 decibéis nas freqüências altas (8.000, 6.000 e 4.000 Hertz);

- manifesta-se, primeira e predominantemente, nas freqüências de 6.000, 4.000 e 3.000 Hertz e, com o agravamento da lesão, estende-se às freqüências de 8.000, 2.000, -1.000, 500 e 250 Hertz, as quais levam mais tempo para ser comprometidas;

- tratando-se de uma patologia coclear, o portador de PAIR pode apresentar intolerância a sons intensos e zumbidos, além de ter comprometida a inteligibilidade da fala, em prejuízo do processo de comunicação, não deverá haver progressão da PAIR uma vez cessada -a exposição ao ruído intenso;

- a instalação da PAIR é influenciada principalmente pelos seguintes fatores: características físicas do ruído (tipo, espectro e nível de pressão sonora), tempo de exposição e suscetibilidade individual;

- PAIR não torna o ouvido mais sensível a futuras exposições a ruídos intensos. À medida que os limiares auditivos aumentam, a progressão da perda torna-se mais lenta;

-o a PAIR geralmente atinge o seu nível máximo para as freqüências de 3.000, 4.000 e 6.000 Hertz nos primeiros 10 a 15 anos de exposição sob condições estáveis de ruído.

Controle médico

A audiometria tonal limiar é o instrumento mais utilizado para avaliar a acuidade auditiva dos indivíduos e auxiliar no diagnóstico diferencial de perdas auditivas ou outros problemas que afetam o sistema auditivo, sendo também de grande utilidade como método de triagem e de monitoramento de exposição ocupacional a ruído.

Os limiares auditivos são considerados normais até 25 decibéis (dB). Esse limite resultaria de dois componentes: o primeiro, de 10 dB, que corresponderia a variação do erro aleatório do teste; e o segundo, de 15 dB, que representaria a variação atribuível à idade e outros fatores extra-ocupacionais.

Situação atual nos locais de trabalho

Na realidade, a disseminação quase universal do ruído nos ambientes de trabalho tem provocado o acometimento de perda auditiva em milhares de trabalhadores das mais variadas atividades produtivas. No entanto, a maior exposição ocupacional ocorre nos setores metalúrgico, mecânico, gráfico, têxtil; químico/petroquímico e de transportes, assim como na produção de alimentos e bebidas.

Estudo realizado pela Delegacia Regional do Trabalho da Bahia (1992/94) revelou altas prevalências de perda auditiva entre trabalhadores industriais da Região Metropolitana de Salvador, permitindo delinear um quadro extremamente alarmante, dada a magnitude da prevalência de perda auditiva do tipo induzida por ruído 35,7% do total de 7.925 trabalhadores examinados, ou seja, um em cada três trabalhadores industriais já haviam desenvolvido algum grau de perda em pelo menos um dos ouvidos".

Essas prevalências, entre os trabalhadores de cada ramo econômico, foram as seguintes: 58,7% no editorial/ gráfico, 51,7% no mecânico, 45,9% no de bebidas, 42,3% no químico/petroquímico, 35,8% no metalúrgico, 33,5% no siderúrgico, 29,3 % no de transportes, 28,0% no de alimentos, e 23,4% no têxtil.

Esses resultados corroboram estimativas de outros estudos anteriores (Pereira, 1978; Mendes, 1988; Buschinelli, 1993), que demonstram ser a exposição ao ruído e, conseqüentemente, a perda auditiva, o problema de saúde ocupacional mais prevalente nos ambientes industriais151.

Música e perda auditiva

Música, segundo o Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa, é "a arte e ciência de combinar os sons de modo agradável ao ouvido", enquanto que música eletrônica é "a que utiliza sons de origem eletromagnética que o compositor seleciona e ordena a fim de obter um resultado artístico".

Contudo, a música, em geral harmônica e agradável, pode em alguns momentos ser indesejável ou causar agravos à saúde. Com a evolução da eletrônica, a potência dos equipamentos de som aumentou consideravelmente e os ruídos produzidos por atividades de lazer, marcadamente a exposição à música eletronicamente amplificada, passaram a ser, a partir da década de 60, a grande preocupação dos especialistas's,19,. Inúmeros estudos foram desenvolvidos com o objetivo de investigar os efeitos nocivos à audição nas mais diversas situações de exposição, como ocorre nos concertos de rock11, em discotecas, com o uso de equipamento com fones de ouvido conhecidos como walkman, e nos equipamentos de som instalados no interior de automóveis".

A influência da música eletronicamente amplificada como fator causal de perda auditiva induzida por ruído é uma questão polêmica em todo o mundo. Os estudos que avaliaram as pressões sonoras nos ambientes e nos equipamentos revelaram níveis altíssimos que ultrapassavam os limites de riscos, inclusive os impostos pelos órgãos públicos regulamentadores. Foram observados níveis de pressão sonora que vão de 99 a 130 decibéis em ambientes de discotecas, de 100 a 115 decibéis nos concertos de rock e de 70 a 113 decibéis em equipamentos com fones de ouvido.

Em todos os estudos foi possível constatar a ocorrência de mudança temporária nos limiares auditivos após exposição à música amplificada, sendo que as altas freqüências (de 4.000 a 8.000 Hertz) foram as mais afetadas. O fato de os limiares audiométricos voltarem ao normal depois de cessada a exposição não significa, contudo, que não tenha havido lesão coclear, coma já foi demonstrado em animais. Discutese a ocorrência de uma mudança permanente dos limiares auditivos, mas todos os autores reconhecem que há um potencial risco em indivíduos expostos à música excessivamente amplificada. A suscetibilidade individual parece ser o fator mais importante na gênese da perda auditiva induzida pela música, pois indivíduos com mesmas características de exposição às fontes sonoras podem apresentar ou não lesão auditiva permanente.

Em conclusão, pode se afirmar que existe consenso entre os diversos autores no sentido de que a exposição à música eletronicamente amplificada é hoje um problema de saúde pública.

Na realidade, a evolução da eletrônica e o conseqüente aumento da potência dos amplificadores acoplados aos instrumentos musicais modernos levaram a um aumento da intensidade da música, que por sua vez tem provocado efeitos nocivos à audição, especialmente dos músicos. Neste sentido, alguns músicos famosos, como Pete Townshend (The Who), Rod Stewart, James Hetfield (Mettallica), Alex Van Halen, Lulu Santos, todos com exposição de vários anos, recentemente admitiram que desenvolveram perdas auditivas acompanhadas de zumbidos, que acreditam terem sido causadas pelos níveis sonoros excessivos a que estavam expostos em suas apresentações.

Tendo em vista os elevados níveis sonoros registrados em eventos musicais, inúmeros estudos têm sido realizados nos últimos anos com o objetivo de avaliar seus efeitos nocivos à audição e a qualidade de vida dos músicos profissionais, especialmente os músicos de bandas de rockz5, orquestras sinfônicas` e clubes noturnos', assim como cantores de música popular 18.

Nestes estudos foram observadas porcentagens de perdas auditivas induzidas por ruído que variaram em 6 a 45%1 dos músicos avaliados. As freqüências mais atingidas foram as de 3.000, 4.000 e 6.000 Hertz. Observou-se, ainda, a ocorrência de perdas auditivas assimétricas entre certos músicos: perdas piores em ouvido esquerdo nos violonistas e em ouvido direito nos flautistas. Contudo, os casos mais graves de perdas auditivas induzidas pelo ruído foram encontrados entre os músicos que utilizavam instrumentos de sopro.

Buscando conhecer a realidade do músico brasileiro, foram realizados em São Paulo, em 1994, dois estudos que investigaram os efeitos da música em profissionais de dois diferentes tipos de conjuntos musicais: bandas de rock e orquestras sinfônica0,10. Nestes dois estudos foram observados níveis de pressão sonora superiores a 100 dB, não havendo grande diferença entre eles. Foram encontradas uma variação entre 100 e 116 dB para as orquestras sinfônicas e entre 102 e 116 dB para as bandas de rock. No estudo comparativo sobre os efeitos da música de rock e de orquestras sinfônicas foi evidenciada a ocorrência de zumbidos em 35% dos músicos de rock e em 18% dos músicos de orquestras sinfônicas. Quanto ao sintoma plenitude auricular, 10% dos músicos de rock e de orquestras sinfônicas o apresentaram. A presença de dor de cabeça foi relatada por 13% dos músicos de rock e por 10% dos de orquestras. A tontura esteve presente em 12% dos músicos de rock, enquanto que apenas 7% apresentavam-na entre os músicos de orquestras sinfônicas.

Trio elétrico e perda auditiva

O sucesso da atual música baiana tem uma estreita ligação com o trio elétrico inventado em 1950 por Dodô e Osmar. Na opinião do designer carnavalesco Pedrinho da Rocha e do engenheiro de som Carlos Correia, "foi o trio elétrico que alavancou a nova música baiana. Com essa maravilhosa engenhoca, as bandas e cantores baianos puderam levar seu som para praticamente todos os cantos do País; se fazerem ouvir, independentemente ela programação musical das rádios".

Até os anos 70, os trios eram mais veículos alegóricos e utilizavam apenas as conhecidas bocas sedan de alto-falantes e os amplificadores com válvula. Somente a partir da década de 80 iniciaram-se as montagens de trios com equipamentos totalmente transistorizados e dotados de um sistema de ar condicionado, sendo que as bocas de alto-falantes foram substituídas por modernas caixas de som.

Atualmente, os trios elétricos são montados sobre carretas em substituição aos caminhões, sendo que essa opção leva em consideração a ampliação das áreas internas e também a questão da segurança, seja nas ruas durante o desfile ou nas rodovias durante as viagens. No interior do trio elétrico ficam, além do camarim e das instalações sanitárias, a sala de som onde estão os amplificadores (entre 30 e 60 aparelhos), o gerador, uma sala de máquinas, para o fornecimento de energia para todo o veículo, e um sistema de ar condicionado para refrigerar e manter os equipamentos numa temperatura suportável. Na parte de cima, além dos equipamentos periféricos (como microfones, baterias e pedais de instrumentos musicais), fica ainda todo o sistema de iluminação.

Em síntese, a evolução da eletrônica e o conseqüente aumento da potência dos amplificadores possibilitaram um importante aumento da intensidade da música, especialmente daquela gerada nos trios elétricos. Esse fato tem cada vez mais preocupado as autoridades competentes e os especialistas, em razão dos potenciais efeitos nocivos à audição e a qualidade de vida, tanto dos que executam quanto daqueles que apreciam a música eletronicamente amplificada.

Em Salvador, Bahia, a legislação municipal estabelece um limite máximo de 110 dB para os trios elétricos, 100 dB para os palcos fixos e 85 dB nas barracas. Contudo, durante o carnaval de 1996, a Secretaria Municipal de Ateio Ambiente realizou 354 medições, sendo que 40% delas ultrapassaram os limites permitidos. Já durante o carnaval de 1997, foram realizados 530 medições entre as 89 entidades carnavalescas, tendo sido registrados níveis ele pressão sonora de -até 130 decibéis. No total, 38 entidades foram autuadas por terem ultrapassado o limite máximo de 110 decibéis durante suas apresentações no circuito cio carnaval baiano"-.

Preocupados com a realidade dos músicos de trio elétrico, Russo e colaboradores estudaram, em 1994,- em Fortaleza (CE), 21 músicos de trio elétrico, aproveitando suas apresentações na avenida beira-mar durante a última copa mundial de futebol12. Todos os músicos estudados foram entrevistados e submetidos a exames audiométricos, antes e logo após o término do ensaio e da apresentação cio trio elétrico. Os autores evidenciaram que todos os 21 músicos estudados (100%) apresentaram uma variação transitória do limiar auditivo para pior, variando de 10 a 35 dB, principalmente nas freqüências de 3.000, 4.000 e 6.000 Hz. O zumbido esteve presente em 16 (76%) deles; a sensação de plenitude auricular foi manifestada por 6-(28%); a dor de cabeça por 3 (14%) e, finalmente, a tontura foi relatada por 3 (149%) dos músicos avaliados.

Uma análise comparativa permite concluir que esses resultados fornecem indícios de que os músicos de trio elétrico são mais atingidos pelo ruído do que os músicos ele rock e orquestras sinfônicas, pois apresentaram com maior freqüência a variação de limiar auditivo e a ocorrência ele zumbidos, assim como os demais sintomas.

Além da avaliação dos músicos, em seu estudo pioneiro Russo e colaboradores realizaram também a medição dos níveis sonoros obtidos no veículo do trio elétrico durante a apresentação, sendo determinados os valores de nível de pressão sonora em diferentes locais do veículo, isto é, nas partes externa/inferior, superior, lateral, frontal, e interna/ inferior, de acordo com o tipo de instrumento musical executado. Os valores de nível de pressão sonora obtidos nas diferentes partes do veículo do trio elétrico variaram de 104 dB (A) para o teclado a 114 dB (A) para a percussão, tendo sido obtido valor médio de 109,4 dB (A). Foram observados ainda valores de 110 dB (A) nas partes frontal e superior/ central, 109 dB (A) nas laterais, -e 106 dB (A) na parte interior/ inferior.

Esses dados são corroborados pelos resultados das avaliações realizadas pelos autores deste trabalho que, em Salvador, em de 1997, durante apresentação ele um dos grupos musicais aqui estudados, observaram níveis sonoros que variaram de 92 a 116 dB (A).

Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo principal estudar a ocorrência de perdas auditivas induzidas pelo ruído (PAIR) em trabalhadores em bandas e trios elétricos, incluindo tanto os músicos quanto os demais profissionais de apoio.

MATERIAL E MÉTODO

Este trabalho constitui-se em um estudo de prevalência, realizado no período de maio a dezembro de 1997, a partir da análise de dados audiométricos referentes a 187 trabalhadores em bandas e trios elétricos em atividade em Salvador, Bahia.

Definição da amostra

Entre julho e outubro de 1997, dois agentes da Inspeção do Trabalho (médicos do trabalho) da Delegacia Regional cio Trabalho no Estado da Bahia inspecionaram e notificaram 18 entidades denominadas banda ou trio elétrico, para providenciar a realização dos exames audiométricos de todos os trabalhadores expostos à música excessivamente amplificada durante suas apresentações.

As bandas e trios elétricos foram selecionados e definidos pela Delegacia Regional do Trabalho (DRT/ Bahia) a partir da indicação, solicitada ã Associação dos Blocos de Trio, Associação Baiana de Trios Independentes (ABTI), Sindicato dos Músicos Profissionais e Sindicato de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão do Estado da Bahia.

Coleta e processamento de dados

As bandas e os trios elétricos selecionados foram notificados a apresentar, num prazo de trinta dias, cópia do resultado de pelo menos um exame audiométrico, realizado nos últimos três meses, por cada um dos trabalhadores que estão expostos à música excessivamente amplificada. Os exames audiométricos foram realizados em serviços médicos contratados pelos empregadores, obedecendo às especificações da legislação trabalhista em vigor, a Norma Regulamentadora n° 7 da Portaria n°- 3.214 de 8 de junho de 1978. Na audiometria tonal por via aérea foram testadas as freqüências de 500, 1.000, 2.000, 3.000, 4.000, 6.000 e 8.000 Hertz, sendo que os exames foram realizados por profissionais habilitados (fonoaudiólogós ou médicos), após repouso acústico de mais de 14 horas, e foram precedidos de otoscopia no momento do exame.

A partir dessas informações, foi constituído um banco de dados, utilizando o programa Epi Info Versão 6.0333, com as seguintes variáveis: nome da banda ou do trio elétrico, número de identificação cio trabalhador, idade, sexo, função, data e serviço onde foi realizada a audiometria, limiares auditivos (em decibéis) para as freqüências de 500, 1.000, 2.000, 3.000, 4.000, 6.000 e 8.000 Hertz em ouvido direito e em ouvido esquerdo, e classificação da perda auditiva segundo o tipo e o grau de perda.

Defnição da variável dependente: perda auditiva

As perdas auditivas foram classificadas segundo critérios diagnósticos de diferenciação entre perdas do tipo neurossensorial, condutiva e mista, amplamente estabelecidos pela clínica audiológica; e a perda auditiva induzida pelo ruído (PAIR), segundo critérios definidos pelo Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva, em 1994'1.

Nesse sentido, os limiares auditivos foram considerados normais até 25 decibéis (dB).

Além do tipo de perda, os traçados audiométricos foram classificados em relação ao grau de perda e, para isso, adotou-se a classificação proposta por Merluzzi- e colaboradores, em 198911. Para fins deste estudo, na classificação do grau de perda, foi decidido considerar o pior ouvido, independentemente do tipo ou grau de perda no outro ouvido, discriminando as perdas bilaterais clãs unilaterais.

Definição das variáveis independentes

A variável função foi classificada a fim de permitir termos de comparação, utilizando como critério a posição de cada trabalhador em relação ao processo produtivo (a apresentação da banda ou do trio elétrico) e sua exposição à música amplificada. Dessa forma, foram classificadas as seguintes funções: atividades ligadas à produção, motorista, operador de som, contra-regra e músico. Os músicos foram classificados em vocalista, guitarrista, baixista, tecladista, baterista, percussionista e instrumentista de sopro (saxofonista, trompetista e trombonista).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com relação às características dos 187 trabalhadores avaliados, pode se dizer que, em seu conjunto, esta população constituiu um grupo de trabalhadores jovens e do sexo masculino. A distribuição segundo o sexo mostrou que 91,4% dos trabalhadores avaliados eram do sexo masculino; e apenas 8,6%, do sexo feminino. A idade, no grupo avaliado, variou de 17 a 48 anos, sendo que a média de idade foi 30,0 anos -(Tabela 1).

Em relação à distribuição por função, conforme mostra a Tabela 2, dos 187 trabalhadores avaliados, 114 eram músicos, 36 contra-regras, 17 ligados à produção, 12 operadores de som e 8 motoristas. Quanto ao tipo de instrumento musical executado, dos 114 músicos avaliados, 30 eram percussionistas, 21 vocalistas, 15 guitarristas, 14 baixistas, 13 bateristas, 13 tecladistas e 8 instrumentistas de sopro.

Entre os trabalhadores avaliados, a prevalência de perda auditiva induzida por ruído (PAIR) foi de 40,6%, o que significa que 76 trabalhadores apresentaram tal alteração, conforme mostra a Tabela 3.











Em relação à função, observou-se uma prevalência de PAIR de 44,4% entre os contra-regras, 41,2% entre os trabalhadores ligados à produção, 40,4% entre os músicos, 37,5% entre os motoristas e 33,3% entre os operadores de som.

Comparando-se os músicos entre si, segundo o instrumento executado, observou-se uma prevalência de PAIR de 57,1% entre os baixistas, 46,2% entre os bateristas, 43,3% entre os percussionistas, 40,0% entre os guitarristas, 38,5% entre os tecladistas, 37,5% entre os instrumentistas de sopro e 23,8% entre os vocalistas, conforme mostra a Tabela 4.

Em síntese, dos 187 trabalhadores avaliados, 76 apresentaram PAIR, sendo que 46 eram músicos, 16 contra-regras, 7 ligados à produção, 4 operadores de som e 3 motoristas.

Dos 114 músicos avaliados, 46 deles apresentaram PAIR, sendo 13 percussionistas, 8 baixistas, 6 bateristas, 6 guitarristas, 5 vocalistas, 5 tecladistas e 3 instrumentistas de sopro.

É importante ressaltar que apenas 42,1% dos casos de PAIR foram classificados como de 1° Grau da Classificação de Merluzzi, que corresponde à fase inicial da doença, quando as perdas auditivas limitam-se às freqüências altas (4.000 a 8.000 Hertz). Em mais da metade dos casos diagnosticados de PAIR, com a evolução das lesões, após o aprofundamento nas freqüências altas, as perdas estenderam-se progressivamente para as freqüências intermediárias (3.000 Hertz) e para as baixas freqüências (2.000 a 250 Hertz). Considerando o total de trabalhadores com PAIR, observou-se que 31,6% apresentaram perdas de 2°- Grau; 22,4%, perdas de 3° Grau; 1,3%, perdas de 4°- Grau; e 2,6%, perdas de 5° Grau - como pode ser observado nas Tabelas 5 e 6.

Em suma: dos 76 casos diagnosticados de PAIR, 32 deles foram classificados como de 1- Grau; 24, de 2°- Grau; 17, de 3°- Grau; 1, de 4°- Grau; e 2, de 5°- Grau.





As freqüências mais atingidas foram as de 3.000, 4.000 e 6.000 Hertz (Tabelas 5 e 6).

Em relação à função, as lesões mais graves e profundas foram evidenciadas entre os baixistas, percussionistas, bateristas, vocalistas e trabalhadores ligados à produção, como pode ser observado na Tabela 7.

A respeito da ocorrência de outros tipos de perdas auditivas, convém ressaltar as baixas prevalências (0,5%) das perdas dos tipos Condutiva e mista (Tabela 3).

Outro aspecto importante do desgaste à saúde detectado neste estudo diz respeito à -distribuição das perdas auditivas entre as funções. As prevalências de perdas auditivas em trabalhadores ligados à produção, em motoristas, em operadores de som e em contra-regras indicam que há uma população maior de trabalhadores expostos, além dos próprios músicos, inclusive com maior ocorrência de PAIR em alguns casos (Tabela 7).

CONCLUSÕES

A influência da música eletronicamente amplificada como fator causal de uma perda auditiva induzida pelo ruído (PAIR) é motivo de polêmica na literatura internacional.

Entre os 187 trabalhadores em bandas e trios elétricos avaliados neste trabalho, a prevalência de perda auditiva induzida por ruído (PAIR) foi de 40,6%, o que significa que 76 trabalhadores apresentaram tal alteração. Em mais da metade dos casos diagnosticados de PAIR, as lesões eram graves e avançadas, especialmente entre os baixistas, percussionistas, bateristas e vocalistas.

As prevalências de perdas auditivas em trabalhadores ligados à produção, motoristas, operadores de som e contraregras indicam que há uma população maior de trabalhadores expostos à música excessivamente amplificada, além dos próprios músicos. Esse fato, associado aos elevados níveis sonoros registrados atualmente em eventos musicais, torna evidente a necessidade do desenvolvimento de estudos com o objetivo de avaliar os efeitos nocivos à audição e a qualidade de vida daqueles que apreciam a música eletronicamente amplificada.

As conclusões do presente trabalho apontam a importância da implementação, por parte dos empregadores, de programas de conservação auditiva com o objetivo de prevenir a instalação ou evolução de perdas auditivas em trabalhadores em bandas e trios elétricos, devendo ser contemplados pelo menos os seguintes aspectos básicos:

1. Programa de controle médico

Monitoramento dos trabalhadores expostos à música excessivamente amplificada (músicos e pessoal de apoio), através de exames audiométricos realizados por ocasião do exame admissional, seis meses após a admissão e, posteriormente, a cada ano. Do ponto de vista preventivo, é de suma importância a detecção precoce dos indivíduos suscetíveis. Convém recordar, ainda, a obrigatoriedade de notificar à Previdência Social todos os casos diagnosticados de perda auditiva induzida pelo ruído, através da emissão da Comunicação de Acidentes de Trabalho - CAT.











5. Programa de avaliação ambiental

Medição periódica dos níveis de pressão sonora durante as apresentações das bandas e os trios elétricos, utilizando decibelímetros. Os níveis de pressão sonora não podem exceder o limite de 110 dB (A) estabelecido pela legislação municipal. Os tempos de exposição aos níveis de pressão sonora não devem exceder os limites de tolerância fixados no Anexo 1 da NR-15 da Portaria n° 3.214/78. Além disso, é recomendável o monitoramento da exposição individual, buscando definir a dose de ruído recebida por cada um dos trabalhadores (dosimetria).

3. Medidas de proteção coletiva
A. Medidas organizativas - exemplos:

- introdução de pausas durante as apresentações (é recomendável uma pausa de 1 minuto para cada 6 minutos de música);

- reorganização da seqüência do repertório musical a ser executado;

- redução do número e/ou duração das apresentações.

B. Medidas de controle ambiental - exemplos:

- redução do volume dos alto-falantes conectados em microfones e instrumentos musicais (é recomendável não ultrapassar o limite de 100 dB (A));

- reorganização do layout da banda de músicos;

- implantação e/ou otimização do programa de manutenção preventiva e corretiva em máquinas e equipamentos;

- isolamento e/ou enclausuramento de máquinas e equipamentos ruidosos (como geradores, casa de máquinas e sistema de refrigeração, entre outros);

- tratamento acústico na cabine e no interior do veículo do trio elétrico.

Medidas de proteção individual A. Protetor auricular

Uso constante e obrigatório de protetores auriculares de inserção (plugs), que devem ser fornecidos gratuitamente pelo empregador. Os trabalhadores devem ser treinados quanto a correta utilização e manutenção dos protetores auriculares, devendo ser orientados sobre as limitações de proteção que eles oferecem. Estudos diversos têm evidenciado que os protetores auriculares podem abafar de 15 a 20 decibéis35,31.

B. Magnésio oral

Estudos têm apontado que a suscetibilidade individual parece ser o fator mais importante na gênese da perda auditiva induzida pelo ruído", e que essa suscetibilidade pode ser afetada por mecanismos bioquímicos relacionados com os níveis séricos de magnésio5 3R. A associação de aumento da perda auditiva com baixos níveis de magnésio sérico tem sido demonstrada em experiências com animais, sendo que dietas ricas em magnésio reduzem as perdas auditivas em animais expostos a níveis excessivos de ruído,31. Em humanos, um estudo retrospectivo revelou que as alterações dos limiares auditivos nas freqüências de 3.000 a 5.000 Hertz estão correlacionadas negativamente com o nível de magnésio sérico, Finalmente, em 1994, estudo de Attias e colaboradores demonstrou que a administração de magnésio oral (167 mg por dia de aspartato de magnésio) pode ser útil como um agente profilático natural para prevenir a perda auditiva em indivíduos expostos ao ruído.

5. Programa educativo

Um programa educativo deve ser desenvolvido com o objetivo de levar ao conhecimento, tanto de trabalhadores quanto de empregadores, os riscos à exposição à musica excessivamente amplificada e as medidas de proteção que podem ser adotadas, buscando seu envolvimento na implantação e execução do programa de conservação auditiva.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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* Médico do Trabalho e Mestre em Saúde Comunitária
** Médico do Trabalho.

Delegacia Regional do Trabalho na Bahia - DRT/BA. Endereço para correspondência: Carlos Roberto Miranda - Avenida Professor Magalhães Neto, 68 - apto. 1001 - Pituba - 41820-020 Salvador /BA. Telefone / Fax: (071)-353-1768. Artigo recebido em 26 de março de 1998. Artigo aceito em 15 de junho de 1998.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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