INTRODUÇÃOAtualmente, ainda existem controvérsias sobre a remoção das amígdalas e do tecido adenoidiano e seus efeitos sobre o sistema imunológico.
Sabe-se que as amígdalas são uma das primeiras barreiras contra infecções de vias aéreas1. Embora as amígdalas venham sendo retiradas há cem anos, pouco é sabido sobre os efeitos imunológicos da sua retirada1.
Está confirmado histologicamente que as adenoamigdalites de repetição levam a uma hipertrofia simples desse tecido linfóide2.
Revisando a literatura, observou-se um ponto em comum: a queda nas dosagens de imunoglobulinas séricas no pós-operatório da cirurgia de adenoamigdalectomias.
Estudos mostram que níveis séricos de imunoglobulinas (IgG, IgA e IgM) no pré-operatório da adenoamigdalectomia eram significativamente maiores em comparação com grupo controle (sem hipertrofia de amígdalas e adenóides)5. Esse aumento é justificado pela estimulação antigênica repetida6. Lal e colaboradores5 encontraram resultados de acordo com os observados por El-Ashmawy e colaboradores, descrevendo que amigdalites de repetição causam estimulação antigênica repetida e alta produção de imunoglobulinas. A queda de nível sérico das imunoglobulinas no pós-operatório é esperada pela retirada das amígdalas.
Este trabalho tem como objetivo obter as dosagens séricas das imunoglobulinas dós grupos A, M e G, no pré-operatório e no pós-operatório de 30 dias e de um ano da adenoamigdalectomia (cirurgia sempre combinada), verificando suas variações, efeitos sistêmicos e locais, pois, como foi demonstrado por Ishikawa e colaboradores, as imunoglobulinas estão presentes e são sintetizadas no tecido linfóide faríngeo3, 4.
MATERIAL E MÉTODOSForam selecionados 30 pacientes entre 3 e 15 anos de idade entre março de 1995 e março de 1997, sendo 16 do sexo masculino e 14 do sexo feminino. Estes pacientes foram admitidos no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, sendo que, após anamnese detalhada e exame otorrinolaringológico minucioso, fazia-se inclusão desses pacientes se preenchessem os seguintes quesitos:
- Idade entre 3 e 15 anos.
- História: adenoamigdalites de repetição, obstrução nasal crônica e apnéia do sono.
- Hipertrofia das amígdalas palatinas em graus moderado e severo.
- Hipertrofia do tecido adenoidiano obstruindo mais de 60% da luz do nasofaringe.
- As dosagem das imunoglobulinas dos grupos A, G e M foram realizadas no dia anterior à cirurgia, um mês e um ano após a cirurgia de adenoamigdalectomia. A dosagem dos níveis de imunoglobulinas foi feita utilizando-se o método nefelométrico.
Foi realizada a dosagem dos níveis de imunoglobulinas dos grupos A, G e M, num grupo de 30 pacientes (grupo controle) que obedeciam os mesmos critérios de inclusão descritos acima, sendo que estes pacientes, por motivos diversos, não foram submetidos à cirurgia. Posteriormente, foi realizada a comparação das dosagens encontradas entre os dois grupos, bem como dos sinais e sintomas apresentados pelos pacientes no pré e pós-operatório em relação aos apresentados pelo grupo controle.
RESULTADOSO programa utilizado para o tratamento estatístico dos dados obtidos, através da dosagem das imunoglobulinas, foi o Estatística para Windows, versão 4.5.
As dosagens de imunoglobulinas dos grupos A, G e M, média ± desvio padrão, obtidas no pré-operatório, no pós-operatório de 30 dias e de um ano da cirurgia de adenoamigdalectomia, estão na Tabela 1, apresentada a seguir.
Observando-se as queixas referidas na admissão, notamos que houve melhora do quadro clínico e da susceptibilidade a infecções quando comparados com o grupo controle de pacientes submetidos à adenoamigdalectomia, conforme pode ser visto na Tabela 2, apresentada a seguir.
DISCUSSÃONo estudo de diferenças entre dois grupos, podemos ter amostras relacionadas (pareadas) ou amostras independentes. No caso da comparação dos valores obtidos nas dosagens realizados no pré-operatório e no pós-operatório foi utilizado o teste T para amostras pareadas. O uso de amostras pareadas é quando o indivíduo amostrado é o seu próprio controle, que no caso desse trabalho é a dosagem dos níveis de imunoglobulinas no pré-operatório e no pós-operatório da cirurgia de adenoamigdalectomia. Comparando-se estatisticamente os dados obtidos, observou-se que não houve diferença significativa nos níveis de imunoglobulinas dos grupos G, M e A, dosados no pré-operatório, em relação ao pós-operatório, seja de 30 dias ou de um ano após a cirurgia, pois p > 0,05 ocorreu em todas as análises realizadas.
Observamos que o tecido amigdaliano e o adenoidiano têm influência sobre a atividade humoral, pois verificamos uma diminuição nos níveis séricos de imunoglobulinas dos grupos G, M e A, após adenoamigdalectomia.
A razão da queda dos níveis séricas das imunoglobulinas ainda permanece como uma incógnita, pois vários fatores podem estar envolvidos neste fato (estresse cirúrgico, retirado do tecido produtor de imunoglobulinas, cessação do estímulo antigênico etc.).
De acordo com a literatura, pode se encontrar pacientes que possuem baixos níveis de IgA, por inabilidade de produção normal de células B pelas tonsilas7, ou ainda, níveis elevados de IgG, pela associação freqüente entre IgG e amígdalites8, fatos esses que não foram observados nesse trabalho.
Testes in vitro demonstram aumento na produção de IgG e IgM em pacientes pós-adenoamigdalectomizados através de linfócitos estimulados2. Isto ocorreria por um aumento da capacidade de resposta do sistema imunológico, pois este estaria livre da imunossupressão que sofria antes da retirada de amígdalas e adenóides.
Em nosso estudo, observamos que a capacidade imunológica humoral dos pacientes submetidos à cirurgia de adenoamigdalectomia é comparável à daqueles pacientes que não foram submetidos à cirurgia, mostrando que a possibilidade de incompetência imunológica, pela retirada de amígdalas e adenóides, não constitui contra-indicação para-adenoamigdalectomia, em concordância com o que foi observado por outros autores1, 5, 9.
A melhora dos sintomas pré-operatórios e a redução da susceptibilidade a infecções de vias aéreas superiores nos leva a crer que a diminuição das concentrações séricas de imunoglobulinas não traz transtornos clínicos aos pacientes.
A cirurgia de adenoamigdalectomia, quando bem indicada, é benéfica e não traz transtornos ao desenvolvimento imunológico do paciente.
CONCLUSÃOOs valores encontrados no pós-operatório de nossos pacientes, apesar de menores que os obtidos no pré-operatório, estão dentro dos limites da normalidade, mostrando que a possibilidade de incompetência imunológica não constitui contra-indicação para a adenoamigdalectomia na maioria dos pacientes, concordando com alguns trabalhos anteriores1, 5, 9.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. BOCK, A., POPP, W., HERKNER, K.R. Tonsillectomy and the immune system: a long term follow up comparison between tonsillectomized and non-tonsillectomized children. Eur Arch. Otorhinolaryngol., 251: 423-427, 1994.
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4. FRIDAY, G. A., PARADISE, J. L., RABIN, B. S. Serum immunoglobulin changes in relation to tonsil and adenoid surgery. Ann. Allergy, 69 (sept): 225-230, 1992.
5. LAL, H., SACHDEVA, O. P., MENTA, H. R. Serum immunoglobulins in patients with chronic tonsillitis. J. Laryngol. Otol., 98: 1213-1216, 1984.
6. EL-ASHMAWY, S., TAHA, A., FATT-HI, A. Serum immunoglobulins in patients with chronic tonsillitis. J. Laryngol. Otol., 94. 1037-1045, 1980.
7. BERNSTEIN, J. M., RICH, G. A., ODZIEMIEC, C. Are thymus-derived lymphocytes (T cells) defective in the nasopharyngeal and palatine tonsils of children? Otolaryngol. Head Neck Surg., 109: 693-700, 1993.
8. BRANDTZAEG, P., SURJAN, L., BERDAL, P. Immunoglobulin producing cells in clinically normal hyperplastic and inflamed human palatine tonsils. Acta. Otolaryngol., (Suppl. 360): 211-215, 1979.
9. WOOD, C. B. S. Children's tonsils. Practitioner, 211: 713715, 1973.
* Professor Sênior da Disciplina de Otorrinolaringologia do Setor de Ciências da Saúde do Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
** Professor Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia do Setor de Ciências da Saúde do HC-UFPR.
*** Professor Titular e Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia do HC-UFPR.
**** Médico Residente do Terceiro Ano em Otorrinolaringologia no HC-UFPR.
***** Médico Residente do Segundo Ano em Otorrinolaringologia no HC-UFPR.
****** Médico Residente do Primeiro Ano em Otorrinolaringologia no HC-UFPR.
******* Acadêmico Interno do Sexto Ano do Curso de Medicina da UFPR.
Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Apresentado como tema livre na XII Reunião da Sociedade Brasileira de Otologia e III Encontra Brasileiro de Trabalhos Científicos em Otorrinolaringologia. Pré-selecionado para concorrer à premiação.
Endereço para correspondência: Dr. Rogério C. Pasinato - Rua General Carneiro, 181 - 6° andar (Anexo B) - 80060-100 Curitiba/ PR.
Artigo recebido em 12 de fevereiro de 1998. Artigo aceito em 18 de agosto de 1998.