INTRODUÇÃOA pesquisa dos movimentos oculares de rastreio lento (MORL) é largamente utilizada para a avaliação do sistema visual, no que se refere à sua contribuição para a manutenção cio equilíbrio.
A utilização da eletroculografia convencional, na avaliação dos movimentos oculares citados acima, permite análise, especialmente qualitativa, mas fundada em parâmetros relativamente restritos e limitados,. considerando-se sua possível contribuição para diagnósticos de fundamental importância na prática clínica.
Com o advento do computador, foram criados programas de vestibulometria computadorizada que permitem não só análise qualitativa dos resultados, mas também quantitativa, automática, mais aprofundada e com maior número de parâmetros a serem avaliados.
Estudos recentes, utilizando a técnica computadorizada em indivíduos normais, demonstram declínio do ganho dos MORL em indivíduos idosos assim como aumento da latência. O grupo jovem apresentou MORL melhores que o grupo de idosos, em todos os parâmetros avaliados. Indivíduos com idade superior a 50 anos mostraram diminuição do ganho para todas as condições de estímulo em relação ao grupo jovem.
Apesar de utilizarem estímulos e populações diferentes, vários estudos parecem concordar com a influência da idade nos mecanismos visuais de controle do equilíbrio' 2-3,4,5 `. Os autores ressaltam a importância de interpretar com precaução incapacidades simétricas de qualquer sub-sistema oculomotor em pessoas idosas', assim como considerar a idade do indivíduo no diagnóstico de patologias dos MORL.
Tais estudos têm abordado apenas algumas variáveis, abrangendo técnicas e populações limitadas. Não encontramos estudos com técnicas computadorizadas na população brasileira.
Algumas variáveis, pela sua importância, devem merecer aprofundamento de estudo, buscando, com aperfeiçoamento de técnica, possibilitar maior riqueza de dados na avaliação otoneurológica. Estudos demonstram a importância de cada laboratório de pesquisa determinar os seus valores de normalidade, em virtude de diferenças nos programas, equipamentos, profissionais e meio utilizado pelo laboratório-.
Porém, para que os valores quantitativos possam ser utilizados, na avaliação de diferentes e importantes condições clínicas, é necessário que se tenham, inicialmente, maiores conhecimentos de seu comportamento em indivíduo de medidas obtidas em diferentes amplitudes e/ou velocidades de estimulação, relacionando-as entre si e com a idade, nível de escolaridade e sexo. Para tanto, foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp,
MATERIAL E MÉTODOSSeleção
Foram selecionados 85 adultos, com idade superior a 20 anos, que não apresentaram, na anamnese e exame físico da motricidade ocular, dados que pudessem implicar risco de aparecimento de padrões oculares considerados anormais.
Foram estabelecidos, então, os seguintes critérios de inclusão: 1. Idade superior a 20 anos; 2. acuidade visual e colaboração compatíveis com a realização cio exame; 3. ausência de história de doença neurológica, diabetes, hipertensão arterial e enxaqueca; 4. ausência de queixas de tonturas ou sinais e sintomas que pudessem indicar função vestibular anormal; 5. ausência de relato de uso ele sedativo ou outra droga psicoativa nas 48 horas anteriores ao exame; 6. ausência de déficit da motricidade ocular extrínseca ou outros movimentos oculares anormais.
Descrição da casuística
A idade, sexo e nível de escolaridade dos 85 adultos assinalados na Tabela 1. No que diz respeito ã escolaridade, os indivíduos foram classificados em três grupos, de acordo com o nível escolar cursado e concluído: 1. primeiro grau; 2. segundo grau; 3. terceiro grau.
Técnica de registro
Para o registro dos movimentos oculares de rastreio lento, foi utilizado o programa belga ENG 290 Mumedia de vestibulometria computadorizada, instalado em computador 386, com conexão direta com a monitor de TV de alta definição, de 20 polegadas. Este programa permite ao examinador controlar a apresentação cio estímulo nas três provas e obter cálculos quantitativos autornáticos na avaliação do desempenho dos indivíduos.
Foi usado o método bioelétrico para o registro dos movimentos oculares: o globo ocular constituindo-se em dipolo, com carga negativa na retina e positiva na córnea. Este dipolo projeta em toda a face um campo elétrico, que sofre variação com a movimentação ocular, registrada pelos eletrodos fixados na face, no plano da rotação. Foram utilizados três eletrodos: os ativos, posicionados no plano ângulo externo das pálpebras. Os três eletrodos foram untados com pasta condutora e fixados com fitas de micropore. O exame foi realizado em sala com baixo nível de ruído e iluminação indireta (atrás do indivíduo). Para a limpeza da pele, foi usada mistura de 50% álcool e 50% éter, passada corri gaze na face dos indivíduos.
Os indivíduos foram orientados a sentar na cadeira rotatória de exame neurológico e tiveram suas cabeças fixadas com apoio para o queixo, evitando, assim, estimulação dos canais semicirculares. Na frente da cadeira, à distância de 50 centímetros da face dos indivíduos, estava posicionado o televisor, por intermédio do qual foi feita a estimulação. -
A calibração dos movimentos oculares foi feita com movimentos horizontais com intervalo de 10 graus - 0 grau para a esquerda e 0 grau - 10 graus para a direita.
Método estatístico
Para a análise estatística, foram utilizados os seguintes testes: 1) Coeficiente de correlação de Pearson (r); 2) teste T pareado; 3) teste T. Nos três testes, foi fixado em 0,05 ou 5% (0 < 0,05) o nível para a rejeição da hipótese de nulidade, assinalando-se cola asterisco (*) os valores significativos.
Técnicas de estímulo
Para a estimulação dos movimentos oculares de rastreio lento, foi utilizado um ponto luminoso que realizava movimentos horizontais, de velocidade constante, com período de 2,40 segundos. O tempo de registro foi de 40 segundos para cada uma das amplitudes utilizadas: 15,2, 23,0 e 30,6°. As velocidades máximas atingidas pelos estímulos foram, respectivamente, 19,9, 30,1 e 40,1°/s. Os indivíduos foram orientados a acompanhar com os olhos todo o deslocamento horizontal do alvo luminoso. Os aspectos estudados foram: 1) Ganho direito e esquerdo - compara a velocidade dos olhos, exceto sacádicos, e a do alvo, em porcentagem; 2) distorção - quantifica a precisão do movimento dos olhos em relação ao alvo, em porcentagem; 3) velocidade média direita e esquerda - indica a velocidade média dos sacádicos em cada sentido, em graus por segundo; 4) sacádicos de correção direitos e esquerdos, em números.
RESULTADOSA Tabela 2 apresenta média,e máximo, para o ganho, número de sacádicos de correção e velocidade média para a direita e esquerda, assim como distorção, para as amplitudes de 15,2, 23,0 e 30,6-.desvio padrão, valor mínimo 1 - Ganho
Os valores médios de ganho obtidos nas três amplitudes de estimulação mostraram diferenças significativas entre si apenas na comparação entre 23,0 - 30,6- à direita (p < 0,05). Não houve diferença significativa nos valores médios de ganho para a direita e esquerda em qualquer das amplitudes de estimulação. O ganho apresentou correlação negativa significativa com a idade em todas as amplitudes de estimulação para a direita e esquerda (Tabela 3). Não se evidenciou diferença significativa dos valores médios do ganho nos diferentes níveis de escolaridade. Os valores médios de ganho não mostraram diferenças significativas de acordo com o sexo dos indivíduos.
2 - Número de sacádicos de correrão
Houve, de modo significativo, diminuição do número de sacádicos de correção conforme aumento na amplitude ele estimulação, tanto à direita quanto a esquerda (p < 0,001). Não houve diferença significativa nos valores médios de número de sacádicos de correção para a direita e esquerda em nenhuma das amplitudes de estimulação. Houve correlação positiva significativa com a idade nos movimentos para o lado direito nas amplitudes de estimulação de 15,2 e 30,6° (Tabela 3). Não se evidenciou diferença significativa dos valores médios do número de sacádicos de correção nos TABELA 2
Ganho, número de movimentos sacádicos de correção e velocidade média para a direita (D) e esquerda (E), assim como distorção, para as amplitudes de estimulação de 15,2, 23,0 e 30,6" - média, desvio padrão, valor mínimo valor máximo, em 85 adultos.
3 - Velocidade média
Houve, de modo significativo, aumento da velocidade média conforme aumento na amplitude de estimulação, tanto à direita quanto à esquerda (p < 0,001). Nas três amplitudes de estimulação os valores médios de velocidade média foram significativamente maiores à esquerda (p < 0,05). As velocidades médias direita e esquerda, nas amplitudes de 23,0 e 30,6°, mostraram correlação positiva significativa com a idade, o mesmo não sendo observado na amplitude de 15,2° (Tabela 3). Não se evidenciou diferença significativa dos valores médios da velocidade média nos diferentes níveis de escolaridade. Os valores médios de velocidade média não mostraram diferenças significativas de acordo com o sexo dos indivíduos.
4 - Distorção
Houve, de modo significativo, diminuição ela distorção conforme aumento na amplitude ele estimulação nas comparações entre 15,2 - 30,6° e 23,0 - 30,6° (p < 0,001 e p < 0,05,respectivamente). A distorção mostrou correlação positiva significativa com a variável idade nas amplitudes ele estimulação de 23,0 e 30,6° (Tabela 3). Não se evidenciou diferença significativa dos valores médios da variável distorção nos diferentes níveis de escolaridade. Os valores médios de distorção não mostraram diferenças significativas de acordo com o sexo dos indivíduos.
5- Avaliação conjunta
Ganho: apresentou correlação negativa significativa com a velocidade média nas três amplitudes de estimulação (Tabelas 4, 5 e 6). Mostrou correlação negativa significativa com a distorção nas três amplitudes de estimulação (Tabelas 4, 5 e 6). Apresentou correlação
Amplitude de deslocamento (em ')-e- variável negativa significativa com o número de sacádicos de correção apenas na amplitude de 30,6° nos movimentos para o lado direito (Tabelas 4, 5 e 6).
Velocidade média: teve correlação positiva significativa com a distorção nas três amplitudes de estimulação (Tabelas 4, 5 e 6). Apresentou correlação positiva significativa com o número de sacádicos de correção, para o lado direito, nas amplitudes de 23,0 e 30,6 (Tabelas 4, 5 e 6). Número de sacádicos de correção: o número de sacádicos de correção para o lado direito apresentou correlação positiva significativa com a distorção, na amplitude de 30,6° (Tabelas 4, 5 e 6).
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES1. Aspectos metodológicos
A análise da bibliografia sobre os MORL, em indivíduos normais, mostra, por vezes, pesquisas com critérios
limitados e/ou não claramente apresentados de seleção de casuística, número de indivíduos testados, variáveis estudadas e influência do fator atenção na execução das provas. Este trabalho, com critérios mais restritos de seleção de casuística e ampliando o número e controle de variáveis estudadas, busca uma abordagem mais sistematizada dos MORL na população adulta normal.
Quanto aos critérios de seleção dos indivíduos normais, Kuéchenmeister e colaboradores' estudaram pacientes com esquizofrenia e doença de Parkínson, comparando-os
a indivíduos de grupo controle normal, sem, no entanto, citar os critérios de normalidade. Sharpe & Sylvester, Abel e colaboradores e Zerbini e colaboradores' incluíram em seus estudos somente indivíduos sem alterações neurológicas e oftalmológicas (exceção para erros de refração) e que não estivessem fazendo uso de medicamentos (exceção para drogas anti-hipertensivas nos idosos). A acuidade visual também foi a preocupação de Kanayama e colaboradores4, TABELA 4 Correlações (r e p) entre variáveis de movimentos oculares de rastreio lento (ganho, número de movimentos sacádicos de correção, velocidade média e distorção) para a direita (D) ou esquerda (E) e amplitude de estimulação de 15,2.
Nesta pesquisa, tentando tornar a seleção dos indivíduos mais rigorosa, para maior confiabilidade dos resultados, foram utilizados critérios de exclusão abrangendo todos os aspectos citados acima e mais alguns que se mostraram importantes na prática clinica, como diabetes, hipertensão arterial e enxaqueca.
Quanto ao número de indivíduos normais da casuística, Kuechenmeister e colaboradores, Sharpe & Sylvester, Abel e colaboradores e Kanayama e colaboradores, incluíram em seus estudos populações relativamente restritas - de 30 a 40 indivíduos. ZERBINI et al.3 contaram com urna população um pouco maior (60 indivíduos).
Estudo rigoroso de padrões de normalidade de uma população deveria levar em conta sexo, nível sócio-econômico, escolaridade, faixa etária, as diferentes regiões do País e seleção aleatória_ dos indivíduos. No entanto, tal estudo é de realização extremamente difícil, se considerarmos custos, tempo, dificuldades operacionais e o grande número de indivíduos a serem testados. Para este trabalho, foi selecionada a população de 86 indivíduos de ambos os sexos, com 20 a 87 anos de idade, de diferentes profissões, níveis sócio econômicos e de escolaridade. Trata-se de estudo restrito quanto à população estudada, mas, ainda assim, mais amplo do que os apresentados na literatura mundial.
Quanto às variáveis testadas, Kuechenmeister e colaboradores, Sharpe & Sylvester2, Zerbini e colaboradoresi, e Kanayama e colaboradores', Abel e colaboradores, pesquisaram os MORL em diferentes amplitudes de estimulação. No presente estudo, os MORL foram pesquisados em diferentes amplitudes de estimulação (15,2, 23,0 e 30,6°). O fator atenção, durante a testagem dos MORL, MOS e NO, foi considerado apenas por Sharpe & Sylvester2, que procuravam manter a atenção dos indivíduos por meio de estímulo verbal. Na casuística atual, com o objetivo de conseguir respostas mais precisas, todos os indivíduos, principalmente os mais idosos, tinham sua atenção estimulada por meio verbal, quando necessário.
2. Movimentos oculares de rastreio lento
A análise dos movimentos oculares de rastreio lento permitiu verificar a correlação negativa entre o ganho e a idade para todas as condições de estímulo, o que já havia sido demonstrado em outros estudos (Sharpe & Sylvester2; Kanayama e colaboradores'). Sharpe & Sylvester2 atribuem o declínio do ganho à degeneração do sistema nervoso, que ocorre com o passar da idade. Kanayama e colaboradores acreditam na possibilidade de fenômenos de atrofia cerebral, perda de células cerebelosas de Purkinje e de neurônios da via nigroestriada serem os responsáveis pela redução do ganho nos MORL, em indivíduos de idade avançada.
A distorção mostrou correlação positiva com a idade, o que também pôde ser observado por Sharpe & Sylvester2, que atribuíram tal achado à ocorrência de maior número de movimentos sacádicos de correção, durante a perseguição de um alvo, no grupo de idosas.
No presente estudo, a influência da idade não foi observada no número de movimentos sacádicos de correção, sugerindo a possível existência de outros fatores na gênese da distorção.
O aumento na amplitude de estimulação provocou diminuição na distorção e no número de movimentos sacádicos de correção e aumento na velocidade média. Já o ganho não sofreu influência da amplitude de estímulo, sendo o mesmo observado por Kanayama e colaboradores, que relatou diminuição do ganho somente conforme aumento na freqüência do movimento. As correlações entre ganho, velocidade média e distorção não tinham sido descritas por outros autores.
Neste estudo, não foi pesquisada a latência dos MORL, que, segundo Sharpe & Sylvester, é significativamente prolongada nos indivíduos idosos.
Em nosso estudo, a velocidade média foi maior à esquerda, diferentemente do descrito por Sharpe & Sylvesterz, que não observaram, diferença significativa dos MORL quanto à lateralização, em nenhum dos indivíduos. Outros autores não mencionaram testes que comparassem movimentos à direita e esquerda. Como foi observada correlação positiva entre velocidade média e distorção, e negativa de velocidade média com o ganho, é possível que os movimentos para a esquerda sejam menos precisos. Tal achado poderia estar relacionado com a dominância hemisférica ou com o hábito da leitura.
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* Fonoaudióloga e Mestre em Neurociências (Unicamp).
** Professor de Otoneurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Trabalho realizado na Clínica de otorrinolaringologia do Instituto Penido Burnier. Endereço para correspondência: Rua Silvio de Oliveira Martins, 101/202 - 30575-150 Belo Horizonte /MG - Telefone: (031) 3787453. Artigo recebido em 2 de fevereiro de 1998. Artigo aceito em 16 de março de 1998.