IntroduçãoA otosclerose é uma osteodistrofia focal primária da cápsula ótica de etiologia desconhecida que acomete indivíduos geneticamente predispostos. Essa afecção, na maioria das vezes, atinge regiões isoladas e/ou diminutas da cápsula ótica sem ocasionar qualquer sintoma. No entanto, em certas ocasiões onde o foco otosclerótico compromete a articulação estapédio-vestibular e/ou os componentes neurossensoriais da orelha interna, a doença cursa com perda auditiva progressiva, que pode ser condutiva, mista ou neurossensorial1.
A otosclerose fenestral é caracterizada pela presença de lesões localizadas preferencialmente na parede lateral da cápsula ótica, isto é, as regiões das janelas coclear e vestibular, o promontório e o segmento timpânico do canal de Falópio2-4.
A introdução da tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR), com janelas específicas para osso e cortes milimétricos ou até infra-milimétricos nos aparelhos mais sofisticados, proporcionou uma avaliação mais precisa do osso temporal, possibilitando evidenciar alterações estruturais mínimas como as que ocorrem na otosclerose fenestral.
O objetivo deste estudo é identificar os principais achados tomográficos da otosclerose fenestral e avaliar a utilidade da TCAR como método diagnóstico dessa osteodistrofia.
Material e MétodoEstudo radiológico prospectivo multicêntrico com 54 pacientes portadores de otosclerose, atendidos e selecionados nos Ambulatórios de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina e do Hospital Especializado CEMA. O diagnóstico de otosclerose foi obtido através da avaliação clínica (anamnese, exame otorrinolaringológico, audiometria tonal, vocal, imitanciometria) e por comprovação cirúrgica, isto é, evidência de fixação do estribo sem outra causa aparente. Todos os pacientes foram submetidos ao exame de TCAR para o estudo dos ossos temporais, totalizando 108 orelhas analisadas. Foram incluídos nesta pesquisa 22 pacientes submetidos ao exame de TC de ossos temporais para investigação de outras afecções otológicas (zumbido pulsátil, otite média crônica (OMC), paralisia facial periférica, lesão no ápice petroso, Schwannoma vestibular, fratura de meato acústico externo (MAE), osteoma de MAE, malformação da cadeia ossicular), que constituíram o grupo controle.
As TCs foram realizadas em cortes axiais e coronais de 1 a 2mm de espessura e 1mm de incremento, com os parâmetros de 1s, 90 a 200mA, 110 a 130kV, matriz de 512 x 512 e janela óssea entre 3500 a 4000 HU centradas em 350 a 650 HU, sem contraste endovenoso.
Os exames foram analisados e discutidos em conjunto com o radiologista. As lesões otoscleróticas foram caracterizadas como áreas de hipodensidade na porção lateral da cápsula ótica ou pela presença de focos de espessamento e/ou obliteração nas janelas oval e redonda. Os focos otoscleróticos fenestrais foram identificados de acordo com a localização dos mesmos na cápsula ótica, como:
1. foco anterior à janela oval (FAJO)
1a. sem envolvimento da camada endosteal da cóclea (FAJO)
1b. com envolvimento da camada endosteal da cóclea (FAJOe)
2. foco posterior à janela oval (FPJO)
3. foco em janela redonda (FJR)
3a. envolvimento parcial (p)
3b. obliteração (o)
4. foco na platina do estribo (FPE)
4a. espessamento de toda a platina (e)
4b. porção anterior da platina (ant)
4c. porção posterior da platina (post)
4d. obliteração da platina do estribo (o)
5. foco no canal do nervo facial segmento timpânico (FCNFt)
6. foco no promontório (Fprom)
Os sítios das lesões otoscleróticas citados acima foram escolhidos segundo evidências histopatológicas e radiológicas encontradas na literatura.
Durante a análise tomográfica, foi avaliada a sensibilidade da TC no diagnóstico radiológico da otosclerose fenestral e a localização mais freqüente das lesões otoscleróticas. Foram avaliadas também a bilateralidade e a simetria dos achados tomográficos e a eficiência dos cortes tomográficos (axial e coronal) para detectar os focos de otosclerose fenestral.
Para a análise estatística foi utilizado o teste de homogeneidade marginal.
ResultadosA população estudada foi composta por 54 pacientes (108 orelhas) com diagnóstico clínico e cirúrgico de otosclerose, sendo que 36 (66,7%) eram do sexo feminino e 18 (33,3%) eram do sexo masculino. A idade variou entre 15 a 59 anos, com média de 40,8 anos. O tempo de evolução da doença variou de 5 meses a 30 anos, com média de 10,7 anos. A história familiar de otosclerose foi negativa em 33 pacientes (61%) e positiva em 21 pacientes (39%).
Os focos otoscleróticos fenestrais foram evidenciados e distribuídos conforme a freqüência nos cortes axiais e coronais em orelha direita (OD) e orelha esquerda (OE) (Tabela 1).
As principais características dos focos otoscleróticos encontrados neste estudo estão descritas nas Tabelas 2 e 3.
As topografias dos focos otoscleróticos evidenciados na tomografia computadorizada estão representadas nas Tabelas 4, 5, 6, 7, 8 e 9.
O teste de homogeneidade marginal foi utilizado na comparação entre as distribuições dos achados tomográficos nas duas orelhas e para a comparação entre as distribuições dos achados tomográficos obtidos nos dois diferentes cortes tomográficos (Tabelas 10 e 11).
Análise do grupo controle
Esse grupo era composto por 22 pacientes (31 orelhas), 12 homens (54,5%) e 10 mulheres (45,5%) com idade variando de 14 a 65 anos (média de 34,7 anos).
Análise tomográfica do grupo controle
Não foi evidenciado achado tomográfico sugestivo de otosclerose fenestral neste grupo de pacientes.
Tabela 1. Distribuição dos focos otoscleróticos em od e oe nos cortes axial e coronal.
Legendas - OD orelha direita OE orelha esquerda FAJO- foco anterior à janela oval ; FPE- foco na platina do estribo; FJR- foco na janela redonda; FCNFt- foco no canal do nervo facial segmento timpânico;
Tabela 2. Avaliação da positividade e bilateralidade dos focos otoscleróticos na tomografia computadorizada.
Legenda - OD=orelha direita OE=orelha esquerda
TC+ bilateral = presença de foco otosclerótico em OD e OE na tomografia
TC+ unilateral = presença de foco otosclerótico em uma orelha na tomografia
TC- = ausência de foco otosclerótico em ambas as orelhas
Tabela 3. Características dos focos otoscleróticos encontrados na tomografia computadorizada.
Legenda - OD=orelha direita OE=orelha esquerda
TC+ bilateral simétrica= presença de foco otosclerótico em OD e OE na mesma topografia na TC
TC+ bilateral assimétrica = presença de foco otosclerótico em OD e OE porém em topografias diferentes na TC
Tabela 4. Características dos focos fenestrais
Tabela 5. Freqüência do fajo na população estudada
Legenda: FAJO = foco anterior à janela oval
Tabela 6. Características do FAJO
Legenda: FAJO = foco anterior à janela oval
Isolado: único foco na cápsula ótica
Associado: FAJO + outro foco
Tabela 7. Características do foco na janela redonda
Legendas: FJR = foco na janela redonda
FJR(p) = parcial
FJR(o) = obliterativo
Tabela 8. Distribuição do fpe na orelha direita da população estudada
Legenda:FPE- foco na platina do estribo; FPE(e) espessamento leve a moderado de toda a platina do estribo
FPE(ant)- foco na região anterior da platina; FPE(post)- espessamento da região posterior da platina
FPE(o)- foco obliterativo na platina do estribo
Tabela 9. Distribuição do fpe na orelha esquerda da população estudada
Legenda:FPE- foco na platina do estribo; FPE(e) espessamento leve a moderado de toda a platina do estribo
FPE(ant)- foco na região anterior da platina; FPE(post)- espessamento da região posterior da platina
FPE(o) - foco obliterativo na platina do estribo.
Tabela 10. Níveis descritivos da comparação entre os achados tomográficos nos cortes (a / c) da tc
Legenda: A=axial; C=Coronal
*Teste de homogeneidade marginal
Tabela 11. Avaliação da bilateralidade dos achados tomográficos
*Teste de homogeneidade marginal
Estatisticamente não houve diferença em relação à positividade da TC entre as orelhas, ou seja, os achados foram na maioria dos casos bilaterais.
DiscussãoEm concordância com os dados epidemiológicos obtidos na literatura5-8, evidenciamos também a predominância do sexo feminino em nossos pacientes com otosclerose. Em nosso estudo, a população era composta por 36 mulheres (66,7%) e 18 homens (33,3%), com a relação mulher/homem de 2:1. A média de idade desses pacientes foi de 40,8 anos e o tempo médio de evolução da doença atingiu 10,7 anos. O nosso grupo controle era composto por 12 homens (54,5%) e 10 mulheres (45,5%) com idade média de 34,7 anos.
A incidência de pacientes otoscleróticos com história familiar positiva para essa osteodistrofia varia de 49 a 58%, segundo estudos clínicos epidemiológicos na literatura7. Em nosso estudo, a presença da história familiar positiva para otosclerose ocorreu em 39% dos casos. É difícil avaliar com exatidão a real incidência da positividade da história familiar na otosclerose, principalmente pelo fato da mesma possuir expressão e penetrância variáveis e ser assintomática na maioria dos casos9.
Acreditamos que para a melhor compreensão dos achados tomográficos na otosclerose, além do conhecimento anatômico do osso temporal e do treinamento na interpretação das imagens radiológicas, seja necessário também o entendimento básico da histopatologia dessa afecção, razão pela qual as topografias das lesões otoscleróticas citadas em nosso estudo terem sido baseadas nos principais achados de histopatologia e radiologia da otosclerose existentes na literatura.
Com o advento da tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR), o estudo radiológico na otosclerose tornou-se mais acurado, podendo-se detectar anormalidades na região da janela oval ou próxima a ela em 80 a 90% dos casos comprovados cirurgicamente10. A TC demonstra com precisão as lesões otoscleróticas ativas ou espongióticas que são visualizadas como focos de hipodensidade ou radioluscência na cápsula ótica, podendo ser únicos, múltiplos ou confluentes, causados pelo processo de desmineralização óssea inerente a esse estágio da doença.2,10-14.
A identificação dos focos otoscleróticos inativos ou escleróticos na TC é mais trabalhosa devido à semelhança entre as densidades das lesões e da cápsula ótica normal. Essas áreas de esclerose ou radiopacidade na TC somente são visualizadas nos casos onde a doença provoca o espessamento da platina do estribo, a obliteração das janelas vestibular e coclear, a distorção do contorno labiríntico e/ou a ossificação intralabiríntica10,15,16.
Em nosso estudo, a TC conseguiu demonstrar os focos otoscleróticos fenestrais em 47 pacientes (87%) ou 84 orelhas (77,7%) (Tabelas 1 e 2). Na literatura, a sensibilidade da TC no diagnóstico da otosclerose varia de 34 a 90%, no entanto, em trabalhos mais recentes, a positividade da TC seja demonstrada em torno de 90% nos casos fenestrais10,17,18. A presença de lesões infra-milimétricas e/ou focos otoscleróticos inativos (escleróticos) na cápsula ótica são as principais causas para a negatividade da TC.
Figura 1(A-D). Tomografias computadorizadas de Ossos temporais em cortes axiais evidenciando foco anterior à janela oval (FAJO). A e B: FAJO de pequenas dimensões, sem envolver o endósteo da cóclea (setas azuis). Seta preta em B: canal do nervo singular;
C e D: FAJO envolvendo o endósteo da cóclea (setas vermelhas). Notar a presença da prótese de estapedotomia (seta verde)
MAI = meato acústico interno; C = cóclea;
Figura 2(A-D). Tomografias computadorizadas de ossos temporais, cortes axiais ao nível da janela redonda(JR). A: nicho da JR normal (seta azul); B e C: focos com envolvimento parcial da janela redonda (FJR(p)) (setas verdes); D: foco obliterativo na janela redonda (FJR(o)) (seta vermelha)
Figura 3(A-F). A: Tomografia computadorizada (TC) de osso temporal em corte axial ao nível de janela oval, evidenciando platina normal (seta azul); B: TC em corte coronal, demonstrando platina normal (seta azul); C: TC em corte axial evidenciando espessamento de toda a platina do estribo (FPE(e)) (seta verde); D: TC em corte coronal evidenciando FPE(e) (seta verde);E: TC em corte axial evidenciando lesão difusa causando a obliteração e perda de definição da janela oval FPE(o) (seta vermelha); F: TC em corte coronal demonstrando focos obliterativos confluentes em ambas as janelas labirínticas (setas vermelhas).
Figura 4 (A-B): A: Tomografia computadorizada em corte coronal ao nível da janela oval, evidenciando FAJO e espessamento da região anterior da platina (seta azul); B: TC em cortes axiais evidenciando FAJO (seta verde) e espessamento da porção posterior da platina (seta vermelha).
Figura 5(A-D): Tomografias computadorizadas demonstrando áreas de hipotransparência no promontório e no canal do nervo facial A: TC em corte axial demonstrando foco hipotransparente no promontório da cóclea (seta azul); B: TC em corte coronal evidenciando irregularidade no contorno do promontório (seta azul) e espessamento da platina do estribo (seta preta); C: TC em corte axial demonstrando o FAJO progredindo em direção ao segmento timpânico do nervo facial (seta vermelha); D: TC em corte coronal evidenciando a obliteração das janelas oval (seta azul) e redonda (seta verde) e o envolvimento do canal do nervo facial (porção timpânica) (seta branca). F: nervo facial; CL: canal semicircular lateral;
CS: canal semicircular superior; AC: aqueduto coclear
T: segmento timpânico do nervo facial (em B).
Swartz et al. avaliaram tomograficamente 35 pacientes com diagnóstico clínico de otosclerose fenestral e observaram que a positividade da TC foi de 74,2%, sendo os achados bilaterais 84,6% desses casos4. Em 61,5%, os focos foram bilaterais e simétricos. Shin et al. observaram que 84,7% dos casos com TC positiva apresentaram focos otoscleróticos em ambas as orelhas17. Em nossa casuística, a TC demonstrou focos otoscleróticos bilateralmente em 78,7% dos pacientes com TC positiva, sendo os achados bilaterais e simétricos 38,3% desses casos (Tabela 3). A bilateralidade dos achados tomográficos em nosso estudo foi estatisticamente significativa (Tabela 11).
Shin et al. observaram focos fenestrais em 74,6% dos casos positivos tomograficamente17. Veillon et al. evidenciaram focos nessa topografia em 80,9% das orelhas analisadas em seu estudo19. Em nossa casuística, 69% das orelhas com TC positiva tiveram somente focos fenestrais. Os achados tomográficos foram bilaterais em 70,1% desses pacientes, sendo os focos bilaterais e simétricos 48,38% (Tabela 4).
Dentre os focos fenestrais, o que merece atenção especial é o foco localizado na região anterior à janela oval. Em 70 a 95% dos casos, as lesões displásicas (espongióticas, fibróticas ou escleróticas) estão situadas nessa área próxima à fissula ante fenestram, no ângulo formado entre a platina do estribo, o processo cocleariforme e o promontório1,3,5,8,9,20,21.
Por esse motivo, acreditamos que essa topografia deva ser considerada a mais importante no diagnóstico radiológico da otosclerose e, em nosso trabalho, os focos nessa região foram denominados de FAJO (foco anterior à janela oval) (Figura 1).
Schuknecht e Barber, através de estudo histológico do osso temporal, observaram o acometimento dessa região em 95,9% dos pacientes com otosclerose clínica e em 51,2% dos casos o FAJO foi o único sítio de lesão otosclerótica encontrado22.
Shin et al.17 observaram a presença do foco otosclerótico nessa região em 69,8% dos casos e Veillon et al. notaram na TC a presença do FAJO em 68,2% dos casos19. Em nosso estudo, encontramos o FAJO em 83,3% dos pacientes (72,2% das orelhas), sendo que em 33,3% dos pacientes ele foi o único achado tomográfico encontrado (Tabelas 5 e 6). Essas evidências nos oferecem subsídios para ressaltar a relevância desse achado radiológico e nos permitem afirmar que durante a análise tomográfica de um paciente com suspeita de otosclerose, esse local deve ser investigado detalhadamente.
A região da janela redonda (JR) também pode ser alvo das lesões otoscleróticas e conforme os achados de histopatologia descritos na literatura, esse é o segundo lugar mais acometido pela doença, com incidência variando de 20 a 50% 5,6,9,20,23.
Swartz et al. encontraram a presença de focos otoscleróticos não oclusivos na janela redonda em 7,26% dos pacientes com otosclerose fenestral estudados por TC 4. Schuknecht e Barber, através de análise histológica dos ossos temporais otoscleróticos, classificaram os focos na JR em marginais, tipo ponte (lesão cobrindo o meato do nicho da JR) e obliterativos22. Os autores observaram a presença de foco na JR em 26,8% dos casos, sendo que em 5,48% os focos eram obliterativos. Citaram ainda a presença de espessamento fibroso na membrana da JR e concluíram que o foco obliterativo na JR representava uma causa significativa de insucesso nas cirurgias do estribo. Shin et al. encontraram em seu estudo radiológico com TC uma prevalência de 3,2% de focos obliterativos na JR17. Veillon et al. notaram a presença de foco na JR em 9,57% das 2215 orelhas analisadas tomograficamente, sendo que em 0,85% dos casos, esse foco ocorreu como única lesão na cápsula labiríntica19. Os autores ressaltam ainda a importância de se detectar na TC os focos otoscleróticos na JR, devido principalmente aos resultados cirúrgicos insatisfatórios que eles podem proporcionar.
Em nosso trabalho, dividimos os focos na JR em FJR parcial (FJR(p)), com envolvimento de um segmento do nicho da JR e obliterativo (FJR(o)), com envolvimento total e conseqüente falta de definição do nicho da JR na TC. O FJR foi encontrado em 10,2% das orelhas em nossa casuística, sendo o FJR(p) observado em 4,7% e o FJR(o) em 5,5% das orelhas (Figura 2 e Tabela 7). Achamos importante comentarmos a evidência do FJR na TC, apesar dele não ser tão freqüente em nossos pacientes, pelo fato de poder ocasionar resultados cirúrgicos decepcionantes, principalmente quando a evidência é de FJR(o). Portanto, a evidência tomográfica desse achado (FJR(o)) pode contribuir para a avaliação da viabilidade da cirurgia.
A evidência do foco na platina do estribo (FPE) na TC é, sem dúvida, uma informação muito útil, principalmente nos pacientes selecionados para estapedotomia e/ou estapedectomia. A presença do espessamento da platina e, principalmente, a sua obliteração são muito inoportunas e desafiadoras para o cirurgião otológico nos dias atuais que, de um modo geral, realiza esse tipo de cirurgia com menos freqüência. Garcia-Ibanez e Iurato, através da análise de 78 platinas extraídas durante a estapedectomia, observaram que a região anterior da platina era a mais acometida (52,6%) pela lesão otosclerótica24. Esse autor encontrou o espessamento de toda a platina, sem obliteração, em 19,2% e da porção posterior desta em 5,12% dos casos. A otosclerose obliterativa pode ser definida como um espessamento da platina do estribo em que a janela oval é preenchida pela lesão otosclerótica em proporções variadas e o ligamento anular fica totalmente comprometido, impossibilitando, assim, a delineação das margens da fenestra vestibular. De acordo com dados da literatura, a incidência da otosclerose obliterativa varia de 1 a 33%25. Veillon et al. consideraram o espessamento da platina nos casos onde a espessura desta fosse superior a 0,6mm na TC e encontraram em sua casuística 12,7% desse achado nas orelhas analisadas19. Shin et al. encontraram uma incidência de 4,8% de platina espessa em seu estudo tomográfico17. Através desses conceitos, dividimos o FPE em espessamento uniforme da platina FPE(e), espessamento anterior da platina FPE (ant), espessamento posterior da platina FPE(p) e obliteração da platina FPE(o). Em 23% das orelhas analisadas, foi evidenciado o FPE; o FPE(e) foi observado em 13,8%, o FPE(ant) em 4,6%, o FPE(o) em 4,6% e o FPE(post) em 0,92% das orelhas. (Figuras 3 e 4) (Tabela 8 e 9). A obliteração de uma ou ambas as janelas labirínticas foi encontrada em 9,25% dos nossos pacientes, sendo evidenciado o FPE(o) em 5,55% dos casos, todos em doença mais avançada. Um paciente (1,85%) da nossa casuística apresentou focos obliterativos contíguos nas janelas oval e redonda em uma orelha (Figuras 3 F). Nesse caso, em particular, a cirurgia foi contra-indicada devido ao grau de severidade da doença demonstrado pela TC: a orelha contralateral tinha sido submetida à estapedotomia prévia. Alguns trabalhos de histopatologia descrevem essa confluência entre os focos da janela oval e redonda, principalmente nos casos mais severos da doença5,9,22.
Outro foco otosclerótico fenestral encontrado em nossa casuística foi o foco no promontório da cóclea (Fprom), na região compreendida entre as duas janelas labirínticas(Figura 5 a e B). Swartz et al. encontraram esse achado na TC em 40% dos pacientes com otosclerose fenestral4. Em nosso estudo, conseguimos evidenciar o Fprom em 3,7% dos pacientes (Tabela 1). Nesses casos, havia concomitantemente a presença de espessamento da platina do estribo.
O foco acometendo o canal do nervo facial no segmento timpânico FCNFt foi evidenciado em 7,4% dos pacientes (6,5% das orelhas) em nossa casuística (Figura 5) (Tabela 1). Acreditamos que esses focos sejam provenientes da expansão do FAJO em direção ao canal de Falópio. Takasaki et al. encontraram evidências histopatológicas desse tipo de lesão21.
O foco na região posterior à janela oval (FPJO) não foi visualizado em nosso estudo. Na literatura radiológica, tal topografia não foi comentada, apesar da evidência histológica dessa lesão ter sido descrita em até 11% dos casos7,26.
Em relação à eficácia dos cortes tomográficos, os cortes axiais mostraram-se mais fidedignos para diagnosticar o FAJO, sendo este resultado estatisticamente significante. Já nas outras topografias, não houve diferença estatística entre as duas incidências (Tabela 10). Podemos inferir, portanto, que os cortes axiais são fundamentais na abordagem radiológica do paciente com suspeita de otosclerose fenestral. O corte coronal nos pareceu útil para a detecção dos espessamentos e obliterações nas janelas oval e redonda, do Fprom e do FCNFt. Sua outra utilidade, em nossa opinião, foi na avaliação das dimensões do nicho da janela oval e sua relação com o nervo facial.
É importante ressaltar que apesar de a TC propiciar informações valiosas, ela não substitui de forma alguma as evidências histopatológicas na otosclerose, o que faz da histologia ainda o exame de excelência no diagnóstico definitivo dessa osteodistrofia. Esperamos que os avanços tecnológicos na área de imagem nos proporcionem uma maior sensibilidade diagnóstica no futuro, principalmente em relação às lesões escleróticas dessa doença.
ConclusõesA tomografia computadorizada foi eficaz no diagnóstico dos focos otoscleróticos fenestrais, apresentando um alto índice de positividade.
Os achados tomográficos foram bilaterais, na maioria dos pacientes, e tal evidência foi estatisticamente significativa.
O FAJO foi o foco predominante nessa população e pode ser considerado um achado tomográfico altamente sugestivo de otosclerose.
A tomografia computadorizada mostrou-se de grande utilidade na avaliação pré-operatória dos pacientes com otosclerose.
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1 Médico otorrinolaringologista pós-graduando (nível mestrado) da Disciplina de Otorrinolaringologia
da UNIFESP - EPM, Preceptor da residência de Otorrinolaringologia do Hospital Cema.
2 Professora afiliada da Disciplina de Otorrinolaringologia da UNIFESP-EPM.
3 Professor Adjunto do Departamento de Diagnóstico por Imagem da UNIFESP-EPM.
4 Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da UNIFESP-EPM.
Estudo realizado nos ambulatórios de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina e do Hospital Cema.
Endereço para Correspondência: Andy de Oliveira Vicente - Rua Guaimbé 465 apto 10 São Paulo SP 03118-030.
Tel (0xx11)6605-3929/ 9131-2253 - E-mail: andyvicente@uol.com.br
Artigo aceito para apresentação oral no III Congresso Triológico de Otorrinolaringologia.
Artigo recebido em 06 de novembro de 2003. Artigo aceito em 04 de dezembro de 2003.