INTRODUÇÃOO tumor ósseo benigno, condroblastoma, é incomum, infreqüentemente reconhecido neoplasma condróide, que ocorre tipicamente nas extremidades de ossos longos no esqueleto imaturo. Este tumor representa aproximadamente 1% de todos os tumores ósseos primários' 3,}. Condróblastoma do osso temporal é muito raro: até 1992, apenas 33 casos haviam sido documentados pela literatura.
Tem sido sugerido que Nos ossos longos, o condroblastoma origina-se de células da placa endocondral. Sabe-se que 90% desses tumores ocorrem em indivíduos cora menos de 25 anos de idade, nos ossos longos' 1.', e mais freqüentemente em homens' 3. Têm sido encontrados condroblastomas em ossos chatos e tubulares curtos, que ocorrem mais freqüentemente em pacientes com mais de 25 anos de idade''.
Varvares et al., em 1992, revisou 32 casos de condroblastoma no osso temporal e encontrou média de idade de 43,8 anos, com proporção masculino: feminino de 2,3:1'.
O sintoma mais freqüente é a deficiência auditiva, seguida, em ordem decrescente, por otalgia, zumbido, presença de massa, vertigem e plenitude aural. Otorréia e otalgia podem ser secundárias à obstrução do conduto auditivo externo.
Ao exame físico, a alteração predominante é a presença de massa no conduto auditivo externo, seguida de massa temporal não dolorosa e sintomas neurológicos de hipertensão intracraniana''. -
A tomografia computadorizada (TC) pode revelar lesão circunscrita, tecido mole com pontos de calcificação central, lesão lítica, lesão esclerótica e lesão destrutiva.
Este tumor pode causar certo grau de erosão óssea e destruição, o que é freqüentemente confundido com malignidadej. Condrossarcomas podem imitar esse tumor em cada detalhe radiológico, exceto pela ausência de borda de esclerose óssea. Varvares et al. afirmam que a TC permite delinear claramente a extensão da destruição óssea e a ressonância nuclear magnética (RNM) mostra a interface tumor/dura-mater, ajudando a determinar se o tumor permanece extradural.
Baseado nos sintomas e sinais e nos estudos radiológico e histológico, o diagnóstico diferencial deve ser feito entre condrossarcoma, osteossarcoma, fibro-histiocitoma maligno, tumor de células gigantes, encondroma, granuloma eosinófilo, fibroma condromixoide e cisto ósseo aneurismarico 3 s ". O achado microscópico patognomônico é a matriz condróide que é observada no centro de proliferação lobular de pequenas células poligonais". Aspiração coro agulha fina tem taxa de positividade de 66,66%".
O neoplasma é geralmente pequeno, raramente excedendo 5 cm em diâmetro3. Macroscopicamente, a cápsula é fina e rompe-se facilmente, o tecido encontrado é amareloacinzentado ou amarronzado, contendo focos hemorrágicos, formações císticas e depósitos de cálcio2,3. Microscopicamente, o tumor consiste de lesão hemorrágica, com células poligonais e núcleo vesicular, além de áreas de aparência condróide'.3, e células gigantes multinucleadas, com citoplasma eosinofilico`3. Formações semelhantes a cisto ósseo aneurismático ou áreas que lembram granulomas de reparação de células gigantes são consideradas corno resultantes de reação secundária'. Mitoses são encontradas raramente'3, mas em algumas áreas podem ser numerosas'.
As modalidades de tratamento relatadas são excisão total em bloco, curetagem, irradiação e irradiação combinada com remoção cirúrgica. A natureza biológica é geralmente benigna e o tumor pode ser adequadamente tratado por excisão. É extremamente importante remover cada traço do tumor e limpar a região previamente ocupada pelo tumor. Isto evitará qualquer perigo de recorrência, o que poderia ter efeitos altamente destrutivos3,1. Alguns condroblastomas possuem agressividade local e crescimento destrutivo, invadindo o tecido mole adjacente e, em situações de exceção, metástases hematogênicas podem desenvolver-se nos pulmões. A presença de êmbolo tumoral na lesão primária é fortemente sugestiva de desenvolvimento subseqüente de doença metastática'3.
Entre 30 pacientes com envolvimento craniano ou facial, revistos pela Clínica Mayo, aproximadamente metade teve recorrência após curetagem. Os autores explicam esta elevada taxa de recorrência por característica não usual do condroblastoma craniano: a permeabilidade do tumor através da camada periférica reativa de osso'. A maior taxa de recorrência é observada quando o tumor está associado com cisto ósseo aneurismático2. Nos ossos longos, Suzuki et al. não encontraram recorrência após curetagem".
Há relatos de sarcoma pós-radiação para tratamento de condroblastoma em outros locais. Ao lado da possibilidade de evolução francamente maligna, deve se ter em mente que mesmo tumores histologicamente benignos podem comportar-se, clinicamente, como malignos, pois a expansão intracraniana causa vários sintonias neurológicos, por compressão.
Condroblastomas respondem bem à radioterapia, o que não surpreende, em vista de sua aparência de relativa imaturidade e não diferenciação. A radioterapia deve ser o tratamento de escolha para tumores em locais de difícil acesso cirúrgico ao redor da coluna ou em áreas adjacentes a estruturas vitais'. Entretanto, a radioterapia não é recomendada por muitos autores.
Pela descrição dos casos na literatura, parece que o condroblastoma no osso temporal pode comportar-se mais agressivamente que em ossos longos. Exames clínicos e radiográficos periódicos são necessários para revelar qualquer possibilidade de recorrência.
Figura 1. TC pré-operatória (axial): massa envolvendo as células mastóideas, orelhas média e externa abaulando a cortical
Figura 2. RNM pré-operatória (coronal): T1 corri gadolineo, massa com baixa intensidade, envolvendo ossos petroso e mastóide.
RELATO DO CASOPaciente do sexo feminino, com 14 anos de idade, com história de paralisia facial periférica esquerda progressiva, sem recuperação, há oito meses. Subseqüentemente, desenvolveu deficiência auditiva ipsilateral. Não relatava tontura ou zumbido. Apresentava abaulamento não doloroso, medindo aproximadamente 4 cm, posterior à orelha esquerda, de aumento progressivo. A otoscopia revelou massa obstruindo o conduto auditivo externo esquerdo (CAE).
O exame com diapasão mostrou Weber lateralizado para a esquerda. O audiograma mostrou deficiência auditiva do tipo condutiva, leve (GAP de 20 d13).
Não havia envolvimento de outros pares cranianos. A TC revelou massa envolvendo as células mastõideas e as orelhas média e externa. A cortical óssea estava adelgaçada e com abaulamento para a fossa média, sem invasão intracraniana. A cóclea e o labirinto estavam preservados. Invasão da orelha média envolvia a cadeia ossicular (Figura 1).
A RNM mostrou massa expansiva, de 5,0 x 5,0 x 4,0 cm, envolvendo o osso petroso e a mastóide. A massa tinha baixa intensidade em T1 (com gadolíneo) e alta intensidade em T2 com aumento anular, com contraste e zonas centrais septais (Figura 2). Em PD havia hiper-sinal, correspondendo a fluido.
Foi realizada cirurgia exploratória. Avia utilizada foi a retroauricular. Após remoção da cortical, vizualizou-se grande cisto, medindo 5,0 cm de diâmetro, com líquido marrom dentro. O tumor era mole e friável, estendendo-se para a cavidade mastóidea, orelha média, erodindo o CAE. Antes da excisão total, a biópsia de congelamento afastou neoplasma maligno. Após a remoção, o nervo facial estava totalmente exposto, na sua terceira porção. O sangramento foi insignificante e facilmente controlado. A cavidade mastóidea foi parcialmente obliterada com hidroxiapatita, - evitando a persistência de cavidade de grande dimensão (Figura 3).
Microscopicamente, a- lesão mostrou extrema celularidade e variabilidade. As células tumorais eram, comumente poliédricas ou cuboidais; às vezes, elementos espiculados estavam presentes. A membrana celular era espessa e bem definida. Os núcleos variaram, na forma, de redondos à espiculados e lobulados. Mitoses eram raras. Grânulos de glicogênio intracitoplasmático estavam presentes. Fibras de reticulina circundavam células individuais. Coleções localizadas de células gigantes, áreas de diferenciação condróide e pequenas zonas de calcificação focal estavam presentes. Áreas lembrando cisto ósseo aneurismático foram vistas em meio à lesão óssea primária (Figura 4).
Raio X de tórax não mostrou evidência de metástase. O acompanhamento com TC e RX de tórax até o momento não evidenciou recidiva ou doença residual.
COMENTÁRIOSNo presente caso, alguns achados diferiram de um condroblastoma típico do osso temporal. O primeiro é a idade de incidência, que na maioria dos casos é de mais de 25 anos, e o segundo é o sexo. Em terceiro lugar, nenhum dos casos relatados na literatura apresentava paralisia facial.
Figura 3. Condroblastoma, mostrando áreas de cisto ósseo aneurismático, em meio à lesão óssea primária.
Figura 4. TC pós-operatória (coronal): hidroxiapatita preenchendo a cavidade cirúrgica.
A TC e a RNM sugeriram tumor benigno que destruía e abaulava o osso por compressão, como o tumor de células gigantes.
Microscopicamente, esta lesão é freqüentemente difícil de diagnosticar, por sua extrema celularidade e variabilidade. Há coleções localizadas de células gigantes. A célula tumoral básica é um condroblasto embriônico sem diferenciação suficiente para produzir condróide intracelular. Preparações histológicas de condroblastomas, geralmente, mostram pequenas células tumorais cuboidais, osteoclastos (células gigantes) e áreas de diferenciação condróide. O grau de pleomorfismo das células é baixo, permitindo que lesões recorrentes possam mostrar algum grau de atipía, achado que não deve ser interpretado como sinal de alteração maligna.
O tratamento empregado foi a remoção total do tumor por mastoidectomia radical, pois o tumor estava contido na mastóide e permanecia extradural. A cavidade mastóidea foi obliterada com hidroxiapatita, por causa do seu tamanho, para evitar supuração posterior.
Como a alta taxa de recorrência está associada à presença de cisto ósseo aneurismático em ossos chatos', a paciente está sendo seguida através de exame físico, a cada dois meses, e TC de ossos temporais e RX de tórax, a cada seis meses.
O condroblastoma é tumor raro. O otorrinolaringologista deve estar atento ao seu potencial de malignidade e,portanto, tratá-lo como maligno, tanto na remoção, quanto no seguimento.
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* Pós-Graduanda da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
** Médico Otorrinolaringologista.
*** Médica Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Professor Associado do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
**** Professora Associada do Departamento de Patologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo,
Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, sala 6002 - São Paulo /SP - CEP: 04531-012 - Telefone/Fax: (011) 280-0299. Apresentado no 97th Annual Meeting of The American Academy Of Otolaryngology - Head and Neck Surgery, 1993, Minneapolis. Artigo recebido em 12 de dezembro de 1997. Artigo aceito em 16 de março de 1998.