INTRODUÇÃOAs lesões situadas ventralmente na base do crânio e acometendo a transição cérvico - cranial, são tratadas cirurgicamente com maior facilidade pela via transoral.
Várias afecções podem se instalar nesta região envolvendo o forame magno e as primeiras vértebras cervicais. COLOMBO1
primeira vez a anomalia nesta região. Elas podem ter duas origens: congênitas e adquiridas.
As congênitas ou primárias são as mais freqüentes. Estruturas ósseas adjacentes ao forame magno podem se protair para o interior da cavidade craniana. Elas geralmente correspondem à elevação do processo odontóideo do áxis, ao encurtamento do clivus, à hipoplasia do arco posterior do atlas, à hipoplasia do osso occipital, à invaginação do côndilo occipital, e a alguns casos da pirâmide petrosa.
Estas malformações ósseas cursam com sintomas e sinais neurológicos, os quais às vezes imitam a esclerose múltipla, tumor cerebelar e síndrome de Arnold-Chiari. Os pares de nervos cranianos mais inferiores e seus núcleos são passíveis de sofrer irritação, assim como ocorrer distúrbios circulatórios relacionados com a fossa posterior, alteração da circulação do liquor cérebro - espinal e compressão da amígdala cerebelar.
Além destas alterações neurológicas o paciente está sujeito a distúrbios relacionados com o aparelho cócleovestibular.
Às vezes estas malformações imitam um quadro semelhante à doença de Ménière. Portanto estas alterações que nascem na profundidade da base do crânio interessam aos otorrinolaringologistas e quando surgem déficits neurológicos, tornam-se um problema de ordem multidisciplinar.
As doenças adquiridas na região cérvico - cranial são mais raras. Por exemplo, a doença de Paget, tumores e pseudo - tumores tais como: o giganto - celular, o granuloma cosinófilo, osteoma, displasia fibrosa, condroma, osteoelastomas, osteoblastoma, cordomas, cisto ósseo anéurismático etc.
Os tumores também pela sua localização topográfica podem ocupar a porção posterior da base do crânio ou as primeira vértebras cervicais em suas faces anteriores determinando sintomatologia correspondente à região ocupada.
Um dos tumores que ocorre mais comumente entre os vários desta região é a displasia fibrosa. É descrito sob o ponto de vista histopatológico por VIRCHOW em 1876 e por GRAWITZ em 1880, que demonstravam diferentes tipos de displasia. Atualmente muitos autores só consideram na região a displasia fibrosa anterior e a posterior 2.
O diagnóstico desta afecção é ajudado pelo estudo radiográfico ou com tomografia computadorizada. Na radiografia simples utiliza-se na posição de perfil um corte tomográfico da região mediana para construção da linha de Chamberlain que auxilia no estudo das estruturas da base do crânio. Ela corresponde a uma linha imaginária traçada da borda posterior do palato duro até a margem posterior do forame magno. Uma elevação maior que 2,5 mm da apófise adontóide do áxis corresponde a um tumor, provavelmente uma displasia fibrosa.
Tumores benignos que acometem o corpo vertebral de C1 e C2 por exemplo, são vistos com maior facilidade na tomografia computadorizada. Quando há suspeita de tumor angiomatoso a arteriografia seletiva pode revelar o aporte sangüíneo e o ramo ou ramos nutrientes da massa tumoral. A ressonância magnética é mais um recurso diferenciado no auxílio diagnóstico.
O tratamento destas afecções é geralmente cirúrgico (a tração é contra indicada). A indicação ocorre por problemas neurológicos ou ortopédicos e o acesso pode ser por via posterior ou anterior (transoral).
A posterior foi descrita em 1934 por EBENIUS' e logo no início era indicada para casos em doenças com repercussão neurológica avançada.
A mortalidade era alta, hoje apesar de todo progresso a mortalidade ainda é grande principalmente quando se remove o osso occipital e a duramáter é aberta.
A via transoral exige equipe multidisciplinar (neurocirurgião/ortopedista/otorrino) para abordagem crânio - cervical. Ela comparada com o acesso posterior tem risco mínimo, muito menos complicações intra e pós operatórias e praticamente não tem mortalidade. GERMAN em 1930, de acordo com GREENBERG 4, trabalhando com cães provou que esta via era viável. Logo em seguida ortopedistas e otorrinolaringologistas passaram a utilizá-la para drenagem e tratamento em afecções inflamatórias.
Em 1966 SOUTHWICK e ROBINSON 5 publicaram um caso de remoção de osteoma na região cérvico - cranial. Neste mesmo ano MULLAN e col.6 descreveram a exérese de tumor do forame magno por via transoral. Em 1968 GREENBERG e col. 4 trataram por acesso transoral dois casos de deslocamento atlanto-axial com bom resultado.
GROTE e col. 7 em 1971 ressecaram o processo odontóide em casos de displasia fibrosa. O resultado foi favorável e sem nenhuma complicação PECH e col. 8 em 1974 também utilizando o mesmo acesso operaram quatro pacientes: três eram portadores de tumores e um de compressão basilar. As complicações desta cirurgia têm sido raramente discutidas. FANG e ONG9 em 1962 e MULLAN 6 em 1966, no início da utilização da técnica, descreveram infecção e sangramento da artéria vertebral. Com o passar do tempo cada vez fica mais difícil a ocorrência de acidentes com a artéria vertebral, já que ela fica distante do campo operatório.
ELIES em 1984 10 ressecou o processo odontóide em quatro pacientes portadores de displasia fibrosa crânio - cervical anterior. O autor refere que esta técnica é a mais apropriada para esta ressecção e bastante segura. Muitos outros autores como em 1969 KLAUS ² e MENEZES 11 concordam com esta opinião. Todos os pacientes mencionados apresentavam sintomas cócleo - vestibulares e achados neurológicos.
O acesso transoral segundo a sistematização de ELIES em 1984 consiste seqüência: paciente sob anestesia geral com intubação intraqueal em decúbito dorsal e a cabeça em hiper - extensão.
O cirurgião se posiciona na cabeceira do paciente. O microscópio cirúrgico ficará numa das laterais da mesa.
O véu na sua face nasal bem próximo da região de implantação da úvula receberá um ponto com fio de sutura, tipo algodão e será tracionado para cima através de uma das fossas nasais (Fig. 1). Após a colocação do abridor de boca tipo autostático, a naso e orofaringe ficarão expostas (Fig. 2).
A seguir, realiza-se infiltrações com anestésico com vasoconstritor na mucosa da parede posterior da naso e orofaringe. Incisa-se na linha média, com extensão variável, dependendo da localização da afecção, sendo feita geralmente da face anterior da parte distal do clivus, arco anterior do atlas, segundo arco e às vezes na parte superior da terceira vértebra cervical.
Os diversos planos, mucoso, submucoso e muscular pré - vertebral são afastados da linha média (Fig. 3), com a utilização de afastadores do tipo autostáticos com comprimentos variáveis ou mantidos pelo auxiliar.
Portanto o arco do atlas e o corpo do áxis estão bem expostos e pode-se com motor e broca atuar nestas estruturas.
No final da cirurgia o fechamento para aproximação das partes moles, deverá ser efetuado em dois planos, com fio tipo categute e fio de algodão, respectivamente de profundo para superficial.
O pós-operatório geralmente é bem suportado pelo paciente que receberá por sete dias a dieta líquida e pastosa, antibióticos por duas semanas e imobilização do pescoço também por tempo limitado (10 a 14 dias).
Em geral estas cirurgias que utilizam o acesso transoral não apresentam complicações intra ou pós operatórias. Infecção e hemorragia praticamente não ocorrem. O controle clínico e radiológico pós-operatórios não mostravam quaisquer distúrbios do movimento da cabeça, deslocamento articular atlanto-occiptal ou atlanto-axial.
Ao longo dos anos temos acompanhamento pacientes que são encaminhados pelos ortopedistas para avaliação e mesmo para bi6pisias a fim de esclarecimento diagnóstico
e que possuem lesões tumorais que comprometem as vértebras mais altas.
Muitos apresentam saliências na mucosa da faringe por lesões que ultrapassam a cortical externa das vértebras.
Recentemente tivemos a oportunidade de acompanhar um caso proveniente do Departamento de Ortopedia da Santa Casa de São Paulo com lesão lírica no arco anterior do atlas (C1). Como a ocorrência desta afecção é relativamente rara e o acesso transoral para o otorrinolaringologista não é trabalho difícil exigindo apenas algum treinamento, decidimos publicá-lo com a idéia de estimularmos a composição de equipes multidisciplinares para atuação em base de crânio.
Figura 1 - Tracionamento do véu do paladar através de ponto de reparo.
Figura 2 - Exposição da naso e orofaringes.
Figura 3 - Incisão na linha média com exposição das primeiras vértebras cervicais
APRESENTAÇÃO DE UM CASOPaciente com 12 anos, masc., proc.: Fortaleza (CE).
Refere a mãe do paciente que há mais ou menos dois meses a criança vem apresentando dores na região cervical alta à esquerda, principalmente quando movimenta a cabeça. Procurou recurso médico e foi prescrito para o paciente medicamentos a base de antiinflamatórios, porém sem resultados.
Há um mês a cabeça permanece levemente desviada para a esquerda como um torcicolo e com aumento da dificuldade para movimentos de rotação da mesma. Otalgia muito discreta à esquerda.
Nega repercussões para o estado geral e mesmo dificuldade para engolir.
Ao Ex. ORL - na inspeção: cabeça levemente lateralizada para a esquerda; garganta, nariz e ouvidos, nada de anormal.
Paciente trouxe tomografia computadorizada que mostrava lesão lírica no arco anterior esquerdo de C1. Podia-se ver nitidamente a diferença entre os arcos à direita e à esquerda em tomada panorâmica (Fig. 4). Em maior aumento podia-se notavar que a lise comprometia a estrutura do arco porém com preservação da cortical anterior (Fig. 5).
Foi realizado também arteriografia seletiva para avaliar o grau de irrigação do tumor. Conclui-se que se tratava de tumor muito vascularizado.
Com a hipótese de tratar-se de tumor benigno com localização ventral na parte alta da faringe foi proposta abordagem transoral para exérese do tumor.
O acesso transoral foi feito pela técnica já descrita anteriormente (Figs. 6 e 7). Com a utilização da anestesia geral e com reforço da anestesia infiltrativa (xylocaína 1% com adrenalina 11200.000) e com ajuda do cautério bipolar, praticamente não houve sangramento para se expor a cortical do atlas.
Em seguida com motor e broca cortante e depois de diamante, abordamos o tumor após ressecarmos a cortical anterior (Fig. 8). O tumor consistia de massa friável e moderadamente sangrante (Fig. 9).
Neste tempo cirúrgico o ortopedista assumiu a cirurgia e com o auxílio de curetas de vários tamanhos e pinça sacabocado foi removida toda a massa tumoral.
Em seguida utilizou enxerto ósseo, da crista ilíaca colocados em forma de vários fragmentos preenchendo a cavidade provocada pela lise tumoral.
Através desta abordagem existe uma proteção natural da medula e do tronco cerebral oferecida pelo ligamento retrodental. Este fato nos dá alguma segurança para trabalharmos nesta região.
Novamente reassumimos o campo cirúrgico para sutura em dois planos, ou seja com categute 3-0 e algodão 2-0, mais superficialmente (Fig. 10).
No pós-operatório o paciente recebeu antibiótico (Cefalosporina) e imobilização cervical por duas semanas e
dieta líquida por uma semana. Neste período não houve nenhuma interocorrência, tendo o paciente recebido alta hospitalar após uma semana.
O anátomo-patológico do material enviado revelou tratar-se de granuloma cosinófilo.
Após 6 meses de seguimento, o paciente ficou livre das queixas e desempenhando todas as atividades físicas.
Figura 4 - Tomografia computadorizada em corte coronal mostramos assimetria dos arcos de Cl.
Figura 5 - Corte tomográfico axial em C1 com evidência da lesão lírica.
Figura 6 - Acesso transoral.
Figura 7 - Tracionamento da úvula para exposição da naso e orofaringe.
Figura 8 - Abordagem cirúrgica de C1 por me de incisão na linha média.
DISCUSSÃOAs doenças que afetam a base do crânio, mais especificamente a epifaringe, determinam sintomatologia isolada e associadas na área de ortopedia, neurologia ou na otorrinolaringologia. A via transoral é sem dúvida o caminho mais curto e mais seguro para tratar-se afecções anteriores. Trabalhos publicados vêm mostrando que este acesso não causa complicações intra e pós-operatórias. Este fato pode ser entendido principalmente quando as intervenções) são extradurais. O elemento anatômico mais importante envolvido nesta abordagem é a artéria vertebral que fica afastada do campo cirúrgico, o que não acontece na abordagem posterior.
As malformações e os tumores são doenças relativamente raras na transmissão cérvico - cranial. No entanto, a cada dia, forma-se mais a idéia da constituição de um grupo multidisciplinar para atuar nesta região e com certeza o maior beneficiado será o paciente.
A abordagem dos tumores que acometem as vértebras fica facilitada quando atingem determinados tamanhos que se projetam na faringe fazendo saliência na mucosa. Neste caso basta divulsionar a mucosa para encontrarmos a massa ou sinais da sua presença, porém são mais difíceis de serem removidos inteiramente, em função de sua extensão com prováveis complicações pós-operatórias.
Figura 9 - Ressecção do tumor por meio de curetagem.
Figura 10 - Sutura por planos.
CONCLUSÃOO acesso transoral é simples e a exposição da região crânio - cervical é muito boa.
O tronco cerebral e o cordão espinal (medula) são protegidos por um ligamento bem espesso retrodental.
A recuperação pós-operatória é rápida, incluindo a movimentação do paciente.
No caso do acesso transoral o otorrinolaringologista com experiência profissional e com algum treino prévio é capaz de entregar ao ortopedista ou ao neurocirurgião, a área da nasofaringe bem exposta. Caso o otorrinolaringologista sinta-se preparado para abordar, e erradicar a afecção, assim corno repará-la, caso necessário, ele poderá fazê-lo, desde que conte com ampliação de microscópio cirúrgico e material adequado. De qualquer forma estas doenças em geral necessitam do movimento de profissionais de outras áreas.
O nosso paciente apresentava queixa específica de ortopedia e a composição de uma equipe multidisciplinar levou a um bom resultado.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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* Professor Associado no Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Professor Chefe de Clínica do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
** Professora Instrutora no Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmotologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Trabalho apresentado como Tema Livre no XXXII Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia no período de 3 a 7 de Setembro de 1994 em Curitiba - PR.
Trabalho realizado no Departamento de Otorrino-Oftalmo da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em associação com o Departamento de Ortopedia.. Endereço: Rua Dr. Cesário Mota Junior n° 112 - 4° andar. São Paulo - Brasil. CEP 01277-900.
Artigo recebido em 1 de julho de 1994.
Artigo aceito em 25 de julho de 1994.