ISSN 1806-9312  
Quarta, 27 de Novembro de 2024
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2605 - Vol. 60 / Edição 4 / Período: Outubro - Dezembro de 1994
Seção: Relato de Casos Páginas: 316 a 320
Acesso Transoral aos Tumores da Transição Cérvico - Cranial.
Autor(es):
Lídio Granato*,
Maristela de Queiroz Ribeiro*

Palavras-chave: Lídio Granato*, Maristela de Queiroz Ribeiro*

Keywords: Head and neck neoplasms

Resumo: Os autores discutem as vantagens do acesso transoral para tratamento cirúrgico das lesões situadas ventralmente na região cérvico - cranial. Apresentam caso de criança portadora de tumor em CI com manifestações clínicas que levaram-na a procurar o ortopedista. A exposição da rinofaringe foi bem ampla e realizada pelos otorrinolaringologistas e a ressecção completa do tumor pelos ortopedistas. Os autores atribuem o sucesso do tratamento na possibilidade deformação de equipe multidisciplinar para atuar nestas afecções de base de crânio.

Abstract: The authors discuss lhe advantages of a transoral approach for the surgical treatment of anterior craniocervical lesions. A case of a 12-year-old boy with a tumorin C1 is reported. Hepresented with neckpain and was seen initially by the orthopedic surgeon. He underrment surgery through lhe Minopharynx for the excision of Me mass. The autorrs conclude that a complete removal of the mass was possible thanks to the conjoined approach of the orthopedic team and the otolaryngologist toam.

INTRODUÇÃO

As lesões situadas ventralmente na base do crânio e acometendo a transição cérvico - cranial, são tratadas cirurgicamente com maior facilidade pela via transoral.

Várias afecções podem se instalar nesta região envolvendo o forame magno e as primeiras vértebras cervicais. COLOMBO1
primeira vez a anomalia nesta região. Elas podem ter duas origens: congênitas e adquiridas.

As congênitas ou primárias são as mais freqüentes. Estruturas ósseas adjacentes ao forame magno podem se protair para o interior da cavidade craniana. Elas geralmente correspondem à elevação do processo odontóideo do áxis, ao encurtamento do clivus, à hipoplasia do arco posterior do atlas, à hipoplasia do osso occipital, à invaginação do côndilo occipital, e a alguns casos da pirâmide petrosa.

Estas malformações ósseas cursam com sintomas e sinais neurológicos, os quais às vezes imitam a esclerose múltipla, tumor cerebelar e síndrome de Arnold-Chiari. Os pares de nervos cranianos mais inferiores e seus núcleos são passíveis de sofrer irritação, assim como ocorrer distúrbios circulatórios relacionados com a fossa posterior, alteração da circulação do liquor cérebro - espinal e compressão da amígdala cerebelar.

Além destas alterações neurológicas o paciente está sujeito a distúrbios relacionados com o aparelho cócleovestibular.

Às vezes estas malformações imitam um quadro semelhante à doença de Ménière. Portanto estas alterações que nascem na profundidade da base do crânio interessam aos otorrinolaringologistas e quando surgem déficits neurológicos, tornam-se um problema de ordem multidisciplinar.

As doenças adquiridas na região cérvico - cranial são mais raras. Por exemplo, a doença de Paget, tumores e pseudo - tumores tais como: o giganto - celular, o granuloma cosinófilo, osteoma, displasia fibrosa, condroma, osteoelastomas, osteoblastoma, cordomas, cisto ósseo anéurismático etc.

Os tumores também pela sua localização topográfica podem ocupar a porção posterior da base do crânio ou as primeira vértebras cervicais em suas faces anteriores determinando sintomatologia correspondente à região ocupada.

Um dos tumores que ocorre mais comumente entre os vários desta região é a displasia fibrosa. É descrito sob o ponto de vista histopatológico por VIRCHOW em 1876 e por GRAWITZ em 1880, que demonstravam diferentes tipos de displasia. Atualmente muitos autores só consideram na região a displasia fibrosa anterior e a posterior 2.

O diagnóstico desta afecção é ajudado pelo estudo radiográfico ou com tomografia computadorizada. Na radiografia simples utiliza-se na posição de perfil um corte tomográfico da região mediana para construção da linha de Chamberlain que auxilia no estudo das estruturas da base do crânio. Ela corresponde a uma linha imaginária traçada da borda posterior do palato duro até a margem posterior do forame magno. Uma elevação maior que 2,5 mm da apófise adontóide do áxis corresponde a um tumor, provavelmente uma displasia fibrosa.

Tumores benignos que acometem o corpo vertebral de C1 e C2 por exemplo, são vistos com maior facilidade na tomografia computadorizada. Quando há suspeita de tumor angiomatoso a arteriografia seletiva pode revelar o aporte sangüíneo e o ramo ou ramos nutrientes da massa tumoral. A ressonância magnética é mais um recurso diferenciado no auxílio diagnóstico.

O tratamento destas afecções é geralmente cirúrgico (a tração é contra indicada). A indicação ocorre por problemas neurológicos ou ortopédicos e o acesso pode ser por via posterior ou anterior (transoral).

A posterior foi descrita em 1934 por EBENIUS' e logo no início era indicada para casos em doenças com repercussão neurológica avançada.

A mortalidade era alta, hoje apesar de todo progresso a mortalidade ainda é grande principalmente quando se remove o osso occipital e a duramáter é aberta.

A via transoral exige equipe multidisciplinar (neurocirurgião/ortopedista/otorrino) para abordagem crânio - cervical. Ela comparada com o acesso posterior tem risco mínimo, muito menos complicações intra e pós operatórias e praticamente não tem mortalidade. GERMAN em 1930, de acordo com GREENBERG 4, trabalhando com cães provou que esta via era viável. Logo em seguida ortopedistas e otorrinolaringologistas passaram a utilizá-la para drenagem e tratamento em afecções inflamatórias.

Em 1966 SOUTHWICK e ROBINSON 5 publicaram um caso de remoção de osteoma na região cérvico - cranial. Neste mesmo ano MULLAN e col.6 descreveram a exérese de tumor do forame magno por via transoral. Em 1968 GREENBERG e col. 4 trataram por acesso transoral dois casos de deslocamento atlanto-axial com bom resultado.

GROTE e col. 7 em 1971 ressecaram o processo odontóide em casos de displasia fibrosa. O resultado foi favorável e sem nenhuma complicação PECH e col. 8 em 1974 também utilizando o mesmo acesso operaram quatro pacientes: três eram portadores de tumores e um de compressão basilar. As complicações desta cirurgia têm sido raramente discutidas. FANG e ONG9 em 1962 e MULLAN 6 em 1966, no início da utilização da técnica, descreveram infecção e sangramento da artéria vertebral. Com o passar do tempo cada vez fica mais difícil a ocorrência de acidentes com a artéria vertebral, já que ela fica distante do campo operatório.

ELIES em 1984 10 ressecou o processo odontóide em quatro pacientes portadores de displasia fibrosa crânio - cervical anterior. O autor refere que esta técnica é a mais apropriada para esta ressecção e bastante segura. Muitos outros autores como em 1969 KLAUS ² e MENEZES 11 concordam com esta opinião. Todos os pacientes mencionados apresentavam sintomas cócleo - vestibulares e achados neurológicos.

O acesso transoral segundo a sistematização de ELIES em 1984 consiste seqüência: paciente sob anestesia geral com intubação intraqueal em decúbito dorsal e a cabeça em hiper - extensão.

O cirurgião se posiciona na cabeceira do paciente. O microscópio cirúrgico ficará numa das laterais da mesa.

O véu na sua face nasal bem próximo da região de implantação da úvula receberá um ponto com fio de sutura, tipo algodão e será tracionado para cima através de uma das fossas nasais (Fig. 1). Após a colocação do abridor de boca tipo autostático, a naso e orofaringe ficarão expostas (Fig. 2).

A seguir, realiza-se infiltrações com anestésico com vasoconstritor na mucosa da parede posterior da naso e orofaringe. Incisa-se na linha média, com extensão variável, dependendo da localização da afecção, sendo feita geralmente da face anterior da parte distal do clivus, arco anterior do atlas, segundo arco e às vezes na parte superior da terceira vértebra cervical.
Os diversos planos, mucoso, submucoso e muscular pré - vertebral são afastados da linha média (Fig. 3), com a utilização de afastadores do tipo autostáticos com comprimentos variáveis ou mantidos pelo auxiliar.

Portanto o arco do atlas e o corpo do áxis estão bem expostos e pode-se com motor e broca atuar nestas estruturas.

No final da cirurgia o fechamento para aproximação das partes moles, deverá ser efetuado em dois planos, com fio tipo categute e fio de algodão, respectivamente de profundo para superficial.

O pós-operatório geralmente é bem suportado pelo paciente que receberá por sete dias a dieta líquida e pastosa, antibióticos por duas semanas e imobilização do pescoço também por tempo limitado (10 a 14 dias).

Em geral estas cirurgias que utilizam o acesso transoral não apresentam complicações intra ou pós operatórias. Infecção e hemorragia praticamente não ocorrem. O controle clínico e radiológico pós-operatórios não mostravam quaisquer distúrbios do movimento da cabeça, deslocamento articular atlanto-occiptal ou atlanto-axial.

Ao longo dos anos temos acompanhamento pacientes que são encaminhados pelos ortopedistas para avaliação e mesmo para bi6pisias a fim de esclarecimento diagnóstico
e que possuem lesões tumorais que comprometem as vértebras mais altas.

Muitos apresentam saliências na mucosa da faringe por lesões que ultrapassam a cortical externa das vértebras.

Recentemente tivemos a oportunidade de acompanhar um caso proveniente do Departamento de Ortopedia da Santa Casa de São Paulo com lesão lírica no arco anterior do atlas (C1). Como a ocorrência desta afecção é relativamente rara e o acesso transoral para o otorrinolaringologista não é trabalho difícil exigindo apenas algum treinamento, decidimos publicá-lo com a idéia de estimularmos a composição de equipes multidisciplinares para atuação em base de crânio.



Figura 1 - Tracionamento do véu do paladar através de ponto de reparo.



Figura 2 - Exposição da naso e orofaringes.



Figura 3 - Incisão na linha média com exposição das primeiras vértebras cervicais




APRESENTAÇÃO DE UM CASO

Paciente com 12 anos, masc., proc.: Fortaleza (CE).

Refere a mãe do paciente que há mais ou menos dois meses a criança vem apresentando dores na região cervical alta à esquerda, principalmente quando movimenta a cabeça. Procurou recurso médico e foi prescrito para o paciente medicamentos a base de antiinflamatórios, porém sem resultados.

Há um mês a cabeça permanece levemente desviada para a esquerda como um torcicolo e com aumento da dificuldade para movimentos de rotação da mesma. Otalgia muito discreta à esquerda.

Nega repercussões para o estado geral e mesmo dificuldade para engolir.

Ao Ex. ORL - na inspeção: cabeça levemente lateralizada para a esquerda; garganta, nariz e ouvidos, nada de anormal.

Paciente trouxe tomografia computadorizada que mostrava lesão lírica no arco anterior esquerdo de C1. Podia-se ver nitidamente a diferença entre os arcos à direita e à esquerda em tomada panorâmica (Fig. 4). Em maior aumento podia-se notavar que a lise comprometia a estrutura do arco porém com preservação da cortical anterior (Fig. 5).

Foi realizado também arteriografia seletiva para avaliar o grau de irrigação do tumor. Conclui-se que se tratava de tumor muito vascularizado.

Com a hipótese de tratar-se de tumor benigno com localização ventral na parte alta da faringe foi proposta abordagem transoral para exérese do tumor.

O acesso transoral foi feito pela técnica já descrita anteriormente (Figs. 6 e 7). Com a utilização da anestesia geral e com reforço da anestesia infiltrativa (xylocaína 1% com adrenalina 11200.000) e com ajuda do cautério bipolar, praticamente não houve sangramento para se expor a cortical do atlas.

Em seguida com motor e broca cortante e depois de diamante, abordamos o tumor após ressecarmos a cortical anterior (Fig. 8). O tumor consistia de massa friável e moderadamente sangrante (Fig. 9).

Neste tempo cirúrgico o ortopedista assumiu a cirurgia e com o auxílio de curetas de vários tamanhos e pinça sacabocado foi removida toda a massa tumoral.

Em seguida utilizou enxerto ósseo, da crista ilíaca colocados em forma de vários fragmentos preenchendo a cavidade provocada pela lise tumoral.

Através desta abordagem existe uma proteção natural da medula e do tronco cerebral oferecida pelo ligamento retrodental. Este fato nos dá alguma segurança para trabalharmos nesta região.

Novamente reassumimos o campo cirúrgico para sutura em dois planos, ou seja com categute 3-0 e algodão 2-0, mais superficialmente (Fig. 10).

No pós-operatório o paciente recebeu antibiótico (Cefalosporina) e imobilização cervical por duas semanas e
dieta líquida por uma semana. Neste período não houve nenhuma interocorrência, tendo o paciente recebido alta hospitalar após uma semana.

O anátomo-patológico do material enviado revelou tratar-se de granuloma cosinófilo.
Após 6 meses de seguimento, o paciente ficou livre das queixas e desempenhando todas as atividades físicas.




Figura 4 - Tomografia computadorizada em corte coronal mostramos assimetria dos arcos de Cl.



Figura 5 - Corte tomográfico axial em C1 com evidência da lesão lírica.



Figura 6 - Acesso transoral.



Figura 7 - Tracionamento da úvula para exposição da naso e orofaringe.



Figura 8 - Abordagem cirúrgica de C1 por me de incisão na linha média.




DISCUSSÃO

As doenças que afetam a base do crânio, mais especificamente a epifaringe, determinam sintomatologia isolada e associadas na área de ortopedia, neurologia ou na otorrinolaringologia. A via transoral é sem dúvida o caminho mais curto e mais seguro para tratar-se afecções anteriores. Trabalhos publicados vêm mostrando que este acesso não causa complicações intra e pós-operatórias. Este fato pode ser entendido principalmente quando as intervenções) são extradurais. O elemento anatômico mais importante envolvido nesta abordagem é a artéria vertebral que fica afastada do campo cirúrgico, o que não acontece na abordagem posterior.

As malformações e os tumores são doenças relativamente raras na transmissão cérvico - cranial. No entanto, a cada dia, forma-se mais a idéia da constituição de um grupo multidisciplinar para atuar nesta região e com certeza o maior beneficiado será o paciente.

A abordagem dos tumores que acometem as vértebras fica facilitada quando atingem determinados tamanhos que se projetam na faringe fazendo saliência na mucosa. Neste caso basta divulsionar a mucosa para encontrarmos a massa ou sinais da sua presença, porém são mais difíceis de serem removidos inteiramente, em função de sua extensão com prováveis complicações pós-operatórias.



Figura 9 - Ressecção do tumor por meio de curetagem.



Figura 10 - Sutura por planos.



CONCLUSÃO

O acesso transoral é simples e a exposição da região crânio - cervical é muito boa.

O tronco cerebral e o cordão espinal (medula) são protegidos por um ligamento bem espesso retrodental.

A recuperação pós-operatória é rápida, incluindo a movimentação do paciente.

No caso do acesso transoral o otorrinolaringologista com experiência profissional e com algum treino prévio é capaz de entregar ao ortopedista ou ao neurocirurgião, a área da nasofaringe bem exposta. Caso o otorrinolaringologista sinta-se preparado para abordar, e erradicar a afecção, assim corno repará-la, caso necessário, ele poderá fazê-lo, desde que conte com ampliação de microscópio cirúrgico e material adequado. De qualquer forma estas doenças em geral necessitam do movimento de profissionais de outras áreas.

O nosso paciente apresentava queixa específica de ortopedia e a composição de uma equipe multidisciplinar levou a um bom resultado.

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* Professor Associado no Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Professor Chefe de Clínica do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

** Professora Instrutora no Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmotologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Trabalho apresentado como Tema Livre no XXXII Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia no período de 3 a 7 de Setembro de 1994 em Curitiba - PR.

Trabalho realizado no Departamento de Otorrino-Oftalmo da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em associação com o Departamento de Ortopedia.. Endereço: Rua Dr. Cesário Mota Junior n° 112 - 4° andar. São Paulo - Brasil. CEP 01277-900.

Artigo recebido em 1 de julho de 1994.
Artigo aceito em 25 de julho de 1994.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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