ISSN 1806-9312  
Segunda, 29 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
2599 - Vol. 60 / Edição 4 / Período: Outubro - Dezembro de 1994
Seção: Artigos Originais Páginas: 280 a 286
O uso da Dapsona Associada à Prednisona no Tratamento do Pênfigo Vulgar.
Autor(es):
Ivan D. Miziara*,
Erideise G. Costa**,
Aroldo Miniti ***

Palavras-chave: Prednisona, pênfigo, dapsona

Keywords: Prednisone, pemphigus, dapsone

Resumo: Neste estudo acompanhamos 10 pacientes com diagnóstico de Pênfigo Vulgar (confirmado pela exame anátomo - patológico, através da imunofluorescência direta e imunofluorescência indireta), os quais foram tratados com a associação de prednisoma e dapsona. Nove dos dez pacientes apresentaram regressão dos sintomas clínicos. Apenas um paciente obteve melhora clínica, porém sem regressão completa do quadro, com o tratamento instituído. Os pacientes foram estudados em um período de seis anos (1987 a 1993).

Abstract: We have studied 10 patients with the diagnostic of Pemphigus Vulgaris (confirmed by biopsy au dirett immunofluorescence and indirett immunofluorescence). Those patients were treated with an association of Prednisone and dapsone. Nine of ten patients achieved a regression of their symptoms. Only one patient achieved pardal regression of their symptoms with this kind of treatment. The period of this study was between 1987 and 1993.

INTRODUÇÃO

O Pênfigo Vulgar (PV) é uma doença inflamatória de ele e mucosas caracterizada pela presença de bolhas intra - píteliais, acantolíticas e suprabasais. Em geral, a patologia m início com lesões na mucosa oral, vindo depois acometer pele . O quadro, via de regra, tem início arrastado com lesões ulcerativas que podem se localizar no pálato, mucoso jugal, língua, assoalho da boca e faringe. Sob o ângulo fisiopatológico, a doença se caracteriza pela presença de anticorpos das classes IgG e IgM (além das frações C3 e C4 do complemento)' que atingem o cimento intercelular, provocando disjunção das células e a conseqüente formação das vesículas.

A maioria dos pacientes se encontra na faixa etária de 40 a 60 anos, sendo a patologia rara acima dos 70 anos e em crianças. Cerca de 50% a 70% dos pacientes apresentaram lesões orais como envolvimento inicial da doença'. O diagnóstico de certeza é feito pelo exame anátomo patológico, pela citologia ( evidenciando - se as células de Tzank) e pela imunofluorescência direta e indireta.

O tratamento do Pênfigo Vulgar baseia-se na supressão da atividade imunológica do indivíduo. A droga geralmente utilizada pela maioria dos autores é. a prednisoma, havendo controvérsias entretanto no que se refere à dosagem terapêutica inicial.

Lever e Schaumburg-Lever 3, usam altas doses iniciais de prednisona (i. e, 200 - 400 mg/dia). Os autores acreditam que estas doses são perfeitamente seguras, e que o risco de infecções sobreporem ao tratamento está associado à utilização de doses intermediárias da droga.

Ahmed e Moy 4alertam que o uso de doses elevadas de prednisona (acima de 180 mg/dia) requer extrema cautela por parte do clínico, visto o risco, em especial o de infecções, a que o paciente é submetido nestes casos. Estudos epidemiológicos mostram inclusive, que a causa mortis mais freqüente entre os portadores de Pênfigo Vulgar, está relacionadas às complicações das altas dosagens de prednisona e não às lesões de peles.

Por outro lado, vários autores descreveram o uso de dapsona (Diaminodifenil sulfona) no tratamento do PV 6,7,8 alguns tendo utilizado esta droga isoladamente. O mecanismo de ação da dapsona estaria provavelmente ligado à produção de IgG pela célula B6 e a uma potente ação antiinflamatória 9.

O objetivo do presente estudo é avaliar a eficácia do uso da dapsona combinada a doses iniciais menores de prednisona no controle de lesões orais severas de Pênfigo Vulgar (Fig. 1), bem como a utilização isolada de pequenas doses de prednisona nos casos em que as lesões não eram tão extensas. Além disso, tentamos mostrar que doses intermediárias de corticosteróides são completamente seguras, acarretando poucos efeitos colaterais aos pacientes.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foram estudados 10 pacientes com diagnóstico anátomo - patológico de Pênfigo Vulgar (Fig. 2), no Serviço de Estomatologia da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no período compreendido entre 1987 e 1993 (Tab. 1).

Todas as pacientes pertenciam ao sexo feminino, com idade variando de 20 a 67 anos. Dentre as pacientes, seis apresentavam lesões de pele associadas; duas delas tinham lesões em mucosa vaginal e apenas duas apresentavam lesões orais isoladas (Taba 1).

Quanto ao tratamento, sete destas pacientes foram submetidas à associação de prednisona, na dosagem inicial de 80 mg/dia, e dapsona, na dosagem de 100 mg/dia. As outras três pacientes, que apresentavam lesões isoladas menos agressivas (Fig. 3), receberam apenas prednisona, na dose inicial de 40 mg/dia (Tab.2).

Após o controle das lesões, diminuiu - se progressivamente a dose diária de prednisona até atingir-se a dose de manutenção de 20 mg/dia, (exceto na paciente n° 2, onde não conseguimos dose de manutenção menor que 30 mg/dia) mantendo-se os 100 mg/dia de dapsona em cinco anos.

RESULTADOS

Em nossa casuística 90% dos pacientes tiveram seu quadro clínico controlado em um período máximo de cinco meses. Em apenas um caso não houve controle clínico da doença, tendo a paciente apresentado cerca de 36 recidivas em um período de seguimento de sete anos, apesar da associação de ciclofosfamida (100 mg/dia) ao tratamento. Esta mesma paciente apresentou extenso quadro de lesões em pele, mucosas e epiglote, vindo a desenvolver diabetes em função das doses elevadas de corticosteróides que recebeu, forçando a suspensão da prednisona.

Excetuando-se a paciente citada acima, o número médio de recidivas foi de 2,33 por paciente (Tab. 1).

Note-se que nos pacientes n°s. 1 e 8 mantivemos apenas a prednisona como droga de manutenção (Tab. 2), suspendendo - se a dapsona.

No período de observação, não detectamos nenhum caso de patologia infecciosa pelo uso de doses intermediárias de corticosteróides.

No caso n° 5 a dapsona foi suspensa devido ao fato da paciente apresentar matehemoglobinemia, com reversão dos sintomas após a suspensão da droga.




Figura 1 - Pênfigo Vulgar - Estomatite Intensa.



Figura 2 - Exame anatomopatológico de paciente portador de Pênfigo Vulgar mostrando formação de bolha intra - epitelial.



Figura 3 - Lesão isolada de Pênfigo Vulgar.



TABELA 1



TABELA 2 - Drogas utilizadas, doses iniciais e de manutenção no tratamento de Pênfigo Vulgar.



DISCUSSÃO

O tratamento do Pênfigo Vulgar, como já foi dito anteriormente, é um assunto controverso. A principal dúvida que concerne a alguns autores diz respeito à dose inicial de corticosteróides a ser empregada. Acreditamos, como Ahmed e Moy 4 que o uso de doses elevadas de prednisona (a droga mais usada no tratamento da doença) não é isenta de riscos. Além do potencial perigo de infecções 10, é preciso lembrar que pacientes portadores de hipertensão arterial sistêmica ou diabetes mellitus não podem receber doses tão elevadas da droga.

Desse modo, o uso da dapsona concomitantemente à prednisona, mantém uma elevada potência antiinflamatória, diminuindo-se por conseguinte a dosagem de corticosteróides para se obter o mesmo efeito.

Nós demonstramos em estudo anterior 9, que o uso da dapsona é perfeitamente seguro em doses como a empregada nesse trabalho (100 mg/dia). Seus efeitos colaterais são pequenos quando comparados a outros medicamentos e os efeitos indesejados, via de regra, desaparecem após a suspensão da droga. Vale notar que sua atividade antinflamat6ria é muito grande, ainda que muito de seu mecanismo de ação nesses casos permaneça cercado de pontos obscuros.


No presente estudo, a associação de doses intermediárias de prednisona (80 mg/dia) à dapsona mostrou-se altamente eficaz. Com um período de seguimento razoavelmente longo (seis anos e meio) pudemos comprovar o baixo índice de efeitos colaterais. Em apenas um caso notamos a presença de metahemoglobinemia. O número de recidivas que constatamos em nossa casuística, por sua vez, não é diferente daquele descrito por diversos autores 4,7,8.

É preciso ressaltar que não detectamos a presença de nenhum quadro infeccioso grave o suficiente para justificar as altas doses de prednisona (200 a 400 mg/dia) preconizadas por Schaumburg-Lever 5, que, a nosso ver, são potencialmente danosas ao paciente.

CONCLUSÃO

Nosso estudo nos levou a concluir que o uso de Dapsona é uma maneira segura e eficiente de se reduzir as doses necessárias de prednisona para controle do quadro clínico de Pênfigo Vulgar. Com esta associação consegue-se utilizar doses iniciais baixas de corticosteróides (80 mg/dia) com um mínimo de efeitos colaterais e pode ser uma boa alternativa para o tratamento da doença.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1. BENEGAS, A. M.; GIL A. H.; ALBALADEJO, J. M. O.; MARTINEZ, N. S.; ORTEGA, V. V. - Pênfigo Vulgar Orofaringeo. Ann Otorrinolaringol Ibero Am., v. 19, p. 669 - 76, 1992,
2. FIRTH, N.; RICH, A.; VARIGOS, G.; READE, P. C.; -
Oral Penphigus Vulgaris in Young Adults. International Iournal of Demartotogy, v. 30, p. 352 - 6, 1991.
3. LEVER, W. F.; SCHAUMBURG-LEVER, G. - Treatmente of Pemphigus Vulgaris. Arch Dermatol., v. 120, p. 44 - 7, 1984.
4. AHMED, A. R.; MOY, R. - Death in Penfigus. J. Am. Acad. Demartol., v. 7, p. 221 - 8, 1982.
5. SEIDENBAUM, M.; DAVID, M.; SANDBANK, M. - The Course and Prognosis of Penphigus. A Review of 115 Patients. Intemational Journal of Demartology, v. 27, p. 580 - 4, 1988.
6. PAIMPHONGSANT, T.; OPHASWONGSE, S. - Treatment of Pemphigus. International Journal of Dermatology, v. 30, p. 139 - 46, 1991.
7. BASSET N.; GUILLOT, B.; MICHEL, B. - Dapsone as Initial Treatment in Superficial Pemphigus. Report of 9 cases. Arch DermatoL v. 123, p. 783 - 5, 1987.
8. PIANPHOGSANT, T. - Pemphigus Controlled By Dapsone. Br. J. Dermatol, v. 94, p. 681 - 6, 1976.
9. MIZIARA, 1. D.; GONDIM, M.; MINITI, A. - O uso da Dapsona no Tratamento da Estomatite Aftosa Recidivante. Rev. Bras. Ororrinolaringol., v. 58, P. 96 - 8, 1992.
10. CRYER P. E.; KISSANE, J. M. - Pemphigus Vulgaris, large dose glucocorticoid therapy and staphylococeal bacteremia, a stenographic report of clinicopathologic, conference. Am. J. Med., v. 63, p. 152 - 60, 1977.
11. MEURER, M.; MILLNS, J. L.; ROGERS, R. S.; JORDAN, E. - Oral Pemphigus Vulgaris. Arch Demartol, v. 113, p. 1520 - 4, 1977.




* Assistente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das nicas da Faculdade de Medicina de São Paulo.
** Médica Pós-Graduanda da Disciplina de Otorrinolaringologia da uldade de Medicina da Universidade de São Paulo.
***Professor Titular da Divisão de Clínica Otorrínolaringológica do Hospital Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Este trabalho foi realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
AV. Dr. Eneas de Carvalho Aguiar, 255 - 6° andar. CEP 05403-010 - São SP.

Artigo recebido em 9 de março de 1994. Artigo aceito em 20 de junho de 1994.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia