INTRODUÇÃOO mixoma é uma neoplasia benigna, que pode ser encontrada no coração, pele, tecido subcutâneo e em alguns ossos 1,2 O mixoma ósseo, na maioria dos casos, está limitado à região maxilofacial, envolvendo geralmente a maxila e a mandíbula com a mesma freqüência 1,3.
Esta neoplasia foi primeiramente descrita por Thoma e Goldman em 1947, quando propuseram a origem de células da porção mesenquimal do germe dentária4.
O mixoma maxilofacial é raro, cerca de 4 vezes menos freqüente que o ameloblastoma 3,4,5.
Geralmente é diagnosticado na 2° e 3o décadas de vida, sem predileção por sexo ou raça 7,8,9,10.
Apresenta-se na maioria dos casos como um abaulamento na face, de crescimento lento e indolor, localmente destrutivo, porém sem metástases 2,7,9 e o tratamento indicado é cirúrgico 6,10.
Neste estudo descrevemos dois casos de mixoma localizados na maxila, que foram submetidos a exérese cirúrgica por via Caldwell-Luc ampliado.
DESCRIÇÃO DE CASOSCASO 1
Paciente de 13 anos, sexo feminino, branca. Referia história de abaulamento de face, de crescimento lento e indolor por 6 meses. Ao exame físico apresentava uma tumoração na região maxilar direita de cerca de 8 centímetros de diâmetro, de consistência endurecida e indolor à palpação e abaulamento do sulco gengivolabial do mesmo lado, que se estendia do 2°molar ao incisivo lateral (Figura 1). A mucosa da região apresentava aspecto e coloração normais.
O exame radiológico de seios paranasais em posição de Waters revelou velamento do seio maxilar direito e a radiografia panorâmica de mandíbula mostrou a presença de um dente incluso no assoalho do seio maxilar e uma área translúcida adjacente, desviando as raízes dentárias.
A tomografia, computadorizada dos seios paranasais mostrou um tecido denso ocupando o interior do seio maxilar direito, adelgaçando a parede ântero - lateral do seio e se estendendo para baixo na região maxilar, próximo às raízes dentárias (Figura 2).
Foi realizada uma biópsia incisional que revelou mixoma. A paciente foi submetida a cirurgia por via Caldwell-Luc ampliado, tendo sido realizada exérese completa do tumor, da raiz dentária encontrada no assoalho do seio maxilar e do pré molar envolvido pelo tumor (Figura 3). O pós-operatório transcorreu sem complicações.
O exame anatomopatológico revelou tecido mixomatoso rico em células estreladas e poliédricas, com processos citoplásticos longos e afilados. A substância intercelular exibia fibrilas delicadas e material mucóide (Figura 4).
Em 4 anos de acompanhamento, a paciente não apresenta sinais de recidiva do tumor.
Caso 2
Paciente de 41 anos, sexo masculino, negro. Referia abaulamento de hemiface esquerda há 3 anos, de aumento lento e progressivo, após uma extração dentária. Queixava-se de discreta dor local há 1 mês.
Ao exame físico apresentava uma tumoração na região maxilar esquerda de aproximadamente 5 centímetros de diâmetro, de consistência endurecida e indolor à palpação.
O exame radiológico de seios paranasais em posição de Waters revelou velamento total do seio maxilar esquerdo. A tomografia computadorizada mostrou uma formação hipoatenuante preenchendo o antro maxilar esquerdo com realce heterogêneo, se estendendo para a região malar e infiltrando as partes moles, com erosão das paredes ósseas do antro maxilar (Figura 5).
Foi feita suspeita diagnóstica de mucocele maxilar e o paciente foi submetido a cirurgia por via Caldwell-Luc ampliado. Durante o ato cirúrgico foi realizada biópsia de congelação, que revelou tratar-se de processo benigno, e o tipo de abordagem permitiu a exérese completa do tumor.
O exame anatomopatológico revelou fibromixoma, com características semelhantes ao caso anterior.
O paciente teve um pós-operatório sem complicações e não apresenta sinais de recidiva do tumor após 1 ano de acompanhamento (Figura 6).
Figura 1 - Abaulamento do sulco gengivo - labial do lado direito.
Figura 2 - TC em corte coronal, mostrando velamento do seio maxilar direito e adelgaçamento da parede ântero - lateral do mesmo.
Figura 3 - Exérese do tumor por via Caldwell-Luc.
Figura 4 - Exame anatomopatológico, mostrando células estreladas c poliédricas.
DISCUSSÃOO mixoma é um tumor raro, que representa 1% dos tumores ósseos e cerca de 0,1 a 3% dos tumores odontogênicos 5,6
Sua embriogênese é controversa 9,11. Alguns autores o consideram uma degeneração mixóide de fibromas, porém a maioria acredita que sua origem seja de focos residuais de células embriogênicas 1,2,9 A origem odontogênica é presumida pela localização do tumor, freqüentemente próxima a raízes dentárias, e pela associação com anormalidades e história de manipulação dentárias 7,10,11,12,13,14, apesar do exame histológico mostrar restos epiteliais em apenas 20% dos casos 5,6.
Nos dois casos descritos, apesar do exame anatomopatológico não ter revelado tecido epitelial, o primeiro caso tinha um dente incluso no local do tumor e o segundo, história de manipulação dentária coincidente com o início do crescimento tumoral.
A microscopia eletrônica mostra um tumor composto predominantemente por matrix intercelular e as células mostram grande variedade ultra - estrutural, geralmente assemelhando-se a fibroblastos 9,14,15. O núcleo é irregular, algumas vezes lobulado e o citoplasma apresenta exuberância de retículo endoplasmático, sugerindo uma função secretora, possivelmente responsável pelos elementos de características mixóides da lesão14,15 Em alguns tumores são encontradas ilhas de epitélio odontogênico 9,14..
O tumor geralmente apresenta-se de forma assintomática, sendo a procura ao hospital, muitas vezes, motivada pela deformidade da face 7,8,13,17
Figura 5 - TC em corte axial, mostrando velamento do seio maxilar esquerdo e erosão das paredes ósseas, com infiltração de partes moles.
Figura 6 - TC feita uma ano após cirurgia, sem sinais de recidiva.
Os exames radiológicos de seios paranasais geralmente mostram velamento do seio maxilar acometido, enquanto a radiografia panorâmica de mandíbula revela lesões radioluscentes, pouco definidas e geralmente multiloculares. Este aspecto faz necessária a diferenciação com o ameloblastoma, displasia fibrosa, tumor de células gigantes central e o condromal 2,7,13,14,18
O tratamento indicado é cirúrgico, porém o tipo de abordagem é ainda controverso 3,6,8. Na literatura são descritas desde curetagens até resseeções amplas, como hemimaxilectomia, dependendo da localização e tamanho do tumor3,6,7,10,11,12,13.
O alto índice de recidiva do tumor, cerca de 25% após tratamento por curetagem 7,9,14,19,20 , vem levando os autores à escolha de abordagens mais amplas, porém o grande desafio é realizar procedimentos que permitam a exérese completa do tumor sem levar a deformidades estéticas 3,17,21,22.
Nos nossos pacientes, optamos pelo acesso cirúrgico por via Caldwell-Luc ampliado, que nos possibilitou a ressecção completa do tumor, sem deixar seqüelas.
CONCLUSÃOApesar de se tratar de uma afecção benigna rara, o mixoma deve ser considerado no diagnóstico diferencial dos tumores da região maxilo - facial 5, especialmente quando há história de dente incluso ou manipulação dentária.
A curetagem não deve ser o procedimento de escolha, pois apresenta altos índices de recidiva do tumor. Por outro lado, o tratamento deve, sempre que possível, evitar seqüelas estéticas. A utilização da via de Caldwell-Luc ampliada permitiu resultados satisfatórios sem levar a seqüelas. Estes pacientes devem ter um acompanhamento longo e criterioso.
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* Pós-graduandos na área de Otorrinolaringologia de FMUSP.
** Professor Associado da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo.
*** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
**** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
***** Trabalho desenvolvido na Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e LIM 32, apresentado no V Congresso Brasileiro e Latino - Americano de Rinologia, realizado em São Paulo, Setembro de 1993.
Endereço para correspondência: Hospital das Clínicas da FMUSP - Divisão de Otorrinolaringologia - A/C - Richard L. Voegels - Rua Prof. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - CEP 05403 - São Paulo - SP.
Artigo recebido em 24 de janeiro de 1994. Artigo aceito em 24 de fevereiro de 1994.