INTRODUÇÃOA avaliação continuada da qualidade de ensino ofertado em uma dada disciplina, ou mesmo da totalidade de um curso, deve ser considerada como base ao contínuo aperfeiçoamento
da mesma. Neste sentido, uma série de abordagens são exercitadas para se aquilatar a qualidade de uma disciplina ou estágio, tais como a avaliação dos docentes, da proposta pedagógica de ensino, dos métodos audiovisuais utilizados, da forma de discussão, entre outros. Na prática corrente, a análise das disciplinas do curso de medicina tem-se orientado no emprego de testes cognitivos, aplicados aos alunos em uma dada especialidade 1,2, gerais ao curso 3, ou, ainda, fazendo uso das opiniões discentes para avaliar a qualidade do aprendizado pelo qual recém passaram 4,5,6.
Neste contexto, na Faculdade de Medicinada Universidade Federal do Rio Grande do Sul elaborou-se um Projeto Integrado de Avaliação do Ensino de Graduação Médica, centrado na avaliação do nível de treinamento prestado em cada disciplina e/ou estágio curricular do ciclo clínico do curso médico. Este Projeto atualmente abrange as áreas de cirurgia, pediatria, cirurgia e medicina interna, além das especialidades de fisiatria e otorrinolaringologia. Nestas áreas, privilegia-se a avaliação do nível de desempenho de habilidades práticas (psicomotoras), consideradas básicas ao treinamento do aluno e à formação do médico geral, e.
Neste estudo, descrevem-se os resultados obtidos na disciplina Introdução à Prática Médica 1B - Oftalmo - Otorrinolaringologia, em específico quanto à especialidade de Otorrinolaringologia.
MATERIAL E MÉTODOSO trabalho constou da aplicação de um questionário pré e pós - realização da disciplina Introdução à Prática Médica 1B - Oftalmo -
Otorrinolaringologia (ME D697 ),com carga horária de 6 horas semanais, obrigatória, destinada aos acadêmicos do 6° semestre da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Dos 63 alunos regularmente matriculados nesta disciplina no semestre 92/1, período em que foi realizado o trabalho, 56 (88,8%) responderam os 2 questionários de forma correta, constituindo o "n" total.
Os questionários, cuja metodologia vem sendo reaplicada em cada área temática de análise do projetor', foram específicos dos conteúdos abordados ao longo do Estágio de Otorrinolaringologia, quanto ao conhecimento de 18 habilidades pré - realização da disciplina e à possibilidade de assistência e desempenho durante a mesma. As habilidades questionadas foram escolhidas pelo Regente da disciplina e demais professores envolvidos na mesma, além dos autores do trabalho.
Este trabalho foi realizado no Departamento de Medicina Social, em conjunto com o Núcleo de Avaliação do Ensino de Anestesiologia (NAVA), vinculado ao Departamento de Cirurgia, e a Assessoria Científica da Faculdade de Medicina, UFRGS.
Além dos dados referentes às habilidades selecionadas, foram colhidos também o grau hierárquico de preferência por alguma especialidade médica, a qualidade de instrutores e monitores e, na forma de questões abertas, a opinião do aluno sobre a disciplina, incluindo sugestões e modificações. Este artigo restringe -se à análise das 18 habilidades enumeradas.
As habilidades foram questionadas individualmente quanto à prática, e posteriormente agrupadas para análise. Os grupos foram os seguintes:
1) Avaliação do Ouvido, composto por 5 habilidades: prática de otoscopia, acumetria (teste com diapasão), audiometria, identificação de perfuração timpânica e identificação do tipo de hipoacusia;
2) Exame do Nariz, composto por 3 habilidades: exame de rinoscopia anterior, identificação de desvio de septo e identificação de cornetos nasais;
3) Exame de Boca e Pescoço, composto por 6 habilidades: rinoscopia posterior (incluído neste grupo ela forma com que se executa o exame), orofaringoscopia, identificação de tumor de boca, identificação de tumor de glândulas salivares, identificação de tumor cervical e palpação cervical;
4) Avaliação de Laringe, composto por 4 habilidades: rinoscopia indireta, visualização de cordas vocais, identificação de disfonia e identificação de dispnéia obstrutiva laríngea;
Para análise, as habilidades foram categorizadas segundo a experiência prévia (sim/não), assistência e desempenho durante a realização da disciplina (nenhuma vez/ ao menos uma vez). Em um segundo momento, definiu-se aproveitamento pleno como a realização de todas as habilidades enumeradas em cada grupo, ao menos uma vez e sem exceção. Empregou-se o teste não paramétrico de McNemar para análise estatística, para um alfa de 5%.
TABELA 1 - Freqüência e percentual de alunos que referiram experiência prévia, assistiram ou desempenharam as habilidades questionadas:
RESULTADOS E DISCUSSÃONa tabela 1 enumeram-se as 18 habilidades questionadas, sistematizadas por grupo. Observa-se que, tomando-se como referência o percentual de alunos que referiram experiência prévia, houve incremento significativo em 11 habilidades quanto à assistência e 7 quanto ao desempenho (p<0.05).
A capacidade de realizar palpação cervical e a identificação de tumor cervical apresentaram, contudo, redução percentual significativa (p<0.05), quando confrontadas com os níveis referidos pelos alunos prévios à disciplina.
Das 18 habilidades, apenas três, otoscopia (93%), rinoscopia anterior (77%) e identificação dos cornetos nasais (77%), foram desempenhadas por mais de 3/4 da turma. Por outro lado, 8 habilidades não atingiram percentuais de desempenho superiores a 15% da turma.
Quanto ao grupo de habilidades necessárias à avaliação do ouvido, a otoscopia foi realizada por quase a totalidade da turma (93%), contrastando com a audiometria, não realizada por nenhum aluno, embora assistida por metade destes. Justifica-se o ocorrido com a audiometria por esta não ser propiciada aos alunos, sendo realizada por serviço e profissionais especificamente contratados para este fim.
As habilidades inerentes ao exame de nariz apresentaram comportamento mais homogêneo, atingindo mais de 2/'3 dos alunos, seja na assistência ou desempenho. Nível de treinamento homogêneo também quanto ao desempenho das habilidades inerentes a avaliação da laringe, quando menos de 1/% da turma as realizou, sem incremento significativo no nível de treinamento em nenhuma das habilidades frente à experiência prévia.
As habilidades pertinentes ao exame de boca e pescoço, à exceção da palpação cervical (74% dos alunos) e orofaringoscopia (47%), atingiram níveis de desempenho máximo pouco superior a 10% dos alunos. O aproveitamento pleno por grupos de habilidades encontra-se na tabela II. À exceção do exame de nariz, que abrangeu cerca de 50% dos alunos, tanto em assistência quanto em desempenho, todos os outros grupos tiveram oportunidades mínimas ou inexistentes para atingir a integralidade do aproveitamento.
CONCLUSÕESInicialmente deve ser ponderado que este estudo baseia - se exclusivamente nas informações prestadas pelos próprios entrevistados, quanto à experiência prévia, número de vezes em que assistiu ou desempenhou as habilidades questionadas ao longo do semestre letivo. E, em segundo lugar, que as habilidades enumeradas pelo corpo docente constituíram uma primeira aproximação, estando em processo evolutivo de definição das mesmas, incluindo a compatibilização entre o plano de ensino e a capacidade de treinamento real da disciplina.
De qualquer forma, o desempenho referido pós - realização do estágio revelou incremento significativo em 8 das 18 habilidades questionadas, em nenhuma atingindo a totalidade dos alunos. Quanto ao aproveitamento pleno dos grupos de habilidades, apenas as referentes ao exame de nariz conseguiram atingir metade da turma, com os demais grupos não atingindo a 5% dos alunos.
Tais resultados pontuam a tenuidade do nível de treinamento das habilidades questionadas. Deve ser salientado que muitas das habilidades aqui descritas são reafirmadas em outros momentos do curso médico, usualmente nos semestres seguintes ao analisado aqui, sem, no entanto, adotar características de complemento ou suplementariedade ao treinamento prévio.
Este estudo, tendo em vista o processo de reforma curricular em curso na Faculdade de Medicina da UFRGS, foi realizado apenas neste semestre, com a disciplina sendo extinta após o mesmo. Estes dados, no momento, estão sendo discutidos com todos os envolvidos com a nova disciplina, ainda a ser implantada no novo currículo. Desempenha, assim, função de substrato para o planejamento das novas atividades curriculares, quando instrumento semelhante será continuamente aplicado às turmas subseqüentes.
TABELA 2
AGRADECIMENTOS:Os autores agradecem ao Professor Oswaldo Muller, chefe do Departamento de Oftalmo - Otorrinolaringologia desta Faculdade, pela participação na discussão do instrumento d coleta e permissão quanto à aplicação do mesmo aos aluno matriculados na Introdução à Prática Médica.
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1 - Professor Assistente, Departamento de Medicina Social, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da Assessoria Científica da Faculdade de Medicina/UFRGS.
2 - Professor Adjunto, Departamento de Cirurgia, UFRGS. Coordenador do Núcleo de Avaliação do Ensino de Anestesiologia (NAVA).
3 - Acadêmico da Faculdade de Medicina/UFRGS. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq.
Endereço para correspondência: Prof. Ronaldo
Bordin Departamento de Medicina Social, UFRGS
Rua Ramiro Barcelos, 2600 - CEP 90035-003 - Porto Alegre - RS - Fax: (051) 330-1380.
Artigo recebido em 06/12/93. Artigo aceito em 11/01/94.