ISSN 1806-9312  
Segunda, 29 de Abril de 2024
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2582 - Vol. 60 / Edição 3 / Período: Julho - Setembro de 1994
Seção: Artigos Originais Páginas: 186 a 194
Padrões de Migração Epitelial em Colesteatoma Adquirido: Um Estudo Experimental.
Autor(es):
Marcelo M. Hueb, M. D., M. S. 1,2,3,
Marcos V. Goycoolea, M. D., M. S. Ph. D.1,4,5
David Muchow 1,4.

Palavras-chave: Colesteatoma, osso temporal

Keywords: Cholesteatoma, temporal bone

Resumo: Um estudo experimental sobre os padrões de migração epitelial em colesteatoma adquirido foi realizado no chinchila. Através de uma perfuração mecânica da membrana timpânica, uma membrana de colágeno modificado foi introduzida no ouvido médio, induzindo a migração de células escamosas. A migração epitelial foi observada como ocorrendo através da perfuração da membrana timpânica, membrana de colágeno, efusão organizada e tecido de granulação. Em alguns animais houve fechamento da perfuração da membrana timpânica através da migração de células de epitélio escamoso sobre a efusão organizada. Colesteatomas foram observados em ,53,5% dos animais. A importância destes padrões de migração epitelial, sua relação com as otites médias e com a gênese dos colesteatomas adquiridos será discutida.

Abstract: An experimental study regarding the patterns of epithelial migration in acquired Colesteatoma was performed in the chincilla. A mechanical perforation of the tympanic membrane and the placement of a modified collagen membrane through it induced squamous epithelial cell migration. Migration was observed as occuring through the tympanic membrane perforation, collagen membrane, organized effusion, and granulation tissue. Closure of tympanic membraneperforations occured in some animals as a result of squamous epithelial cell migration in clots of organized effusion. Cholesteatomas were observed in 53,5% of the animals. The importante of these patterns of epithelial migration as related to otites media and the genesis of acquired cholesteatomas will be discussed.

INTRODUÇÃO

Colesteatoma (cole - colesterol; esteato - gordura; com tumor) é um tumor, originado do epitélio escamoso queratinizado da membrana timpânica e/ou conduto auditivo externo, porém sem a presença de colesterol ou gordura, cuja denominação mais adequada seria queratoma. Esta patologia tem sido classificada como congênita ou adquirida, geralmente presente no ouvido médio, mastóide e outras áreas do osso temporal.

As principais teorias etiopatogenéticas para os colesteatomas adquiridos, migração epitelial ou metaplasia epitelial têm sido sugeridas por inúmeros autores e geram controvérsia há mais de 100 anos. 1-15 A migração do epitélio escamoso estratificado ocorreria através de perfurações ou retrações da membrana timpânica 1-6 ou como projeções papilares do epitélio da parte flácida, através de soluções de continuidade da lâmina basal, na presença de inflamação crônica no ouvido médio 7-11. A metaplasia epitelial ocorreria secundariamente a reações inflamatórias crônicas, onde o epitélio cuboidal do ouvido médio se transformaria em epitélio escamoso 12-15

Controversas, estas teorias da etiopatogênese dos colesteatomas adquiridos levaram a inúmeros estudos experimentais, na tentativa de comprovação científica das mesmas e uma melhor compreensão da evolução dos colesteatomas. A intenção deste estudo, baseado na perfuração da membrana timpânica do chinchila e introdução de um irritante tecidual, é descrever as características encontradas para a migração epitelial, a sua origem, modo de crescimento do colesteatoma e sua relação com o processo inflamatório presente no ouvido médio destes animais. Espera-se que os resultados aqui obtidos possam levar a uma melhor compreensão entre a relação das otites médias/processo inflamatório e colesteatomas, em um modelo animal com resultados previsíveis e de experimentação passível de reprodução.

MATERIAL E MÉTODO

Um total de 15 animais adultos (Chinchila laniger), com peso médio de 500 gramas, foi usado neste estudo. Sob anestesia geral (pentobarbital sódico, 30 mg/kg) e com assepsia durante todo o procedimento, utilizou-se do acesso endomeatal com visão microscópica para realizar um pequena perfuração, envolvendo as três camadas da membrana timpânica do ouvido esquerdo. Através desta perfuração, foi introduzida uma membrana de colágeno modificada quimicamente, com uma extremidade no conduto auditivo externo (C. A. E.) e outra no ouvido médio, ao nível do promontório (figura 1). Os ouvidos direitos foram usados como controles.

A membrana de colágeno usada neste estudo é uma variação da formulação química usada para preparar uma membrana de biomaterial baseada em colágeno, usada em timpanoplastias experimentais no chinchila e descrita com detalhes em outra publicação 16. Durante as etapas de preparo dessa membrana, várias formulações foram experimentadas em animais, com o intuito de se conseguir um material que não resultasse em processo inflamatório excessivo e que ajudasse no processo cicatricial. Sob condições controladas e em concentração adequada, o processo inflamatório foi benéfico para a cicatrização 16. Entretanto, uma das formulações testadas (tabela I) resultou em uma migração celular intensa e formação de colesteatoma em vários animais 17, sendo utilizada neste estudo.

Todos os animais deste estudo foram avaliados periodicamente e sacrificados em intervalos de 8, 10 e 12 semanas após o procedimento (grupos de cinco animais). Usando-se anestesia profunda com pentobarbital e perfusão intracardíaca com formalina a 10%, os animais foram decapitados, os ossos temporais imersos em formalina - tampão, descalcificados em ácido tricloroacético a 5%, desidratados em séries graduadas de álcool, fixados em celoidina, e seccionados de inferior para superior em um micrótomo, com a espessura de 20g. A cada dez secções coronais, uma foi corada, usando-se hematoxilina e eosina.

As secções, após montadas, foram estudadas sob microscopia óptica e avaliadas quanto aos padrões da migração epitelial, localização, exfoliação de queratina, presença de processo inflamatório e sua relação com a migração epitelial, e os efeitos secundários do colesteatoma na bula timpânica.

Para se verificar a provável origem do epitélio escamoso encontrado na bula timpânica dos animais que desenvolveram colesteatoma, foram realizadas aferições com microrrégua graduada, observando-se a espessura média do epitélio escamoso e a camada de queratina nas regiões anterior e posterior do C. A. E. e da membrana timpânica. Os resultados obtidos foram comparados com os obtidos para as mesmas aferições na região da bula timpânica anterior. Além disto, uma relação entre a espessura média da camada epitelial e a da camada de queratina foi calculada. As lâminas selecionadas para tais aferições foram de cortes horizontais, três por animal, localizados entre a membrana da janela redonda e a secção meio - modiolar da cóclea.



FIGURA 1 - Presença de membrana de colágeno (M) parcialmente reabsorvida entre os bordos da perfuração timpânica (setas). Conduto auditivo externo (C), ouvido médio (OM), fluido (F). Animal do grupo 2, original x14.



FIGURA 2 - Presença de colesteatoma na bula timpânica. Observe a membrana timpânica ainda perfurada (seta). Conduto auditivo externo (C), ouvido médio (OM), tecido de granulação (T), fluido (F). Animal do grupo 1, original x14.



TABELA I - PROCEDIMENTOS UTILIZADOS NA PREPARAÇÃO DA MEMBRANA DE COLAGENO




FIGURA 3 - Amplificação da figura 2. Observe a presença de epitélio escamoso (setas). Membrana de colágeno (M), tecido de granulação (T). Animal do grupo 1, original x28.



FIGURA 4 - Amplificação da figura 3. Epitélio escamoso (setas) com camada de queratina aderida (Q), presente na região da bula timpânica. Queratina exfoliada (q). Animal do grupo 1, original x140,



FIGURA 5 - Presença de processo inflamatório crônico na região da bula timpânica. Observe a retração da membrana timpânica (cabeça de seta). Conduto auditivo externo (C), neoformação óssea (N), tecido de granulação (T), granuloma de colesterol (seta), cristais de colesterol (asterisco). Animal do grupo 2, original x14.



FIGURA 6 - Presença de erosão óssea nas paredes da cóclea (setas) em área com epitélio escamoso e tecido de granulação. Labirintite fibrosa (T), ouvido médio (OM), nervo coclear (NC). Animal do grupo 1, original x28.



RESULTADOS

A presença de epitélio escamoso estratificado e colesteatoma foi observada no ouvido médio de 8 animais (53,5% do total), predominantemente na bula timpânica anterior. Nestas, camadas de células escamosas, depósitos de queratina nas células superficiais, e camadas de queratina aderida e exfoliada foram claramente identificadas (figuras 2 e 3). Na região da bula timpânica anterior observou-se até mesmo exfoliação acentuada de queratina, mesmo na presença de um número relativamente pequeno de células escamosas (figura 4). Nenhuma alteração foi observada nos ouvidos direitos destes animais, usados como controles.

A espessura média (p m) para acamada de epitélio escamoso/ camada de queratina e a relação entre ambas foi de 37,6/8,7 e 4.3 e 41,2/9,5 e 4,3 respectivamente para as regiões anterior e posterior do C. A. E.; 20,5/2,3 e 8,9 e 24,9/1,6 e 15,5 respectivamente para as regiões anterior e posterior da
membrana timpânica; e 75,3/27,8 e 2,7 para a região da bula timpânica. Deve ser mencionado que apenas a camada de queratina ligada à camada celular foi medida, não se levando em consideração a espessura da camada de queratina exfoliada.

Colesteatomas observados neste animais ocorreram predominantemente na bula timpânica anterior, região onde se observou uma reação inflamatória mais intensa, caracterizada pela presença de tecido de granulação, neoformação óssea, erosão óssea e até mesmo formação de granulomas de colesterol, diferindo apenas nos graus de intensidade (figura 5). Em áreas com tecido de granulação e epitélio escamoso, observou-se ocasionalmente erosão das paredes da cóclea, com uma evidente ação osteoclástica (figuras 6 e 7).

Nos animais do primeiro grupo (8 semanas de sobrevida) observou-se a presença de epitélio escamoso e formação de colesteatomas no ouvido médio de 3 dos 5 animais (60%), sendo que para o segundo (10 semanas de sobrevida) e terceiro grupos (12 semanas de sobrevida) esta incidência foi de 80% (4 em 5) e 20% (1 em 5), respectivamente. Nos animais do primeiro grupo observou-se uma reação inflamatória com predomínio de macrófagos, sendo observados ao redor da membrana de colágeno, ainda não totalmente reabsorvida (figura 8). Perfurações da membrana timpânica foram observadas em 80% destes animais. Nos animais do segundo grupo observou-se também a presença predominante de macrófagos, além de plasmócitos e linfócitos, com uma menor quantidade de membrana de colágeno. Perfurações da membrana timpânica foram observadas em 80% destes animais. Nos animais do terceiro grupo houve um predomínio de linfócitos com escasso material da membrana de colágeno ainda não reabsorvido (figura 9). Neste último grupo observou-se a presença de perfuração da membrana timpânica em apenas dois animais (40%), sendo que o único animal que desenvolveu colesteatoma neste grupo foi o que ainda apresentava uma quantidade significativa da membrana de colágeno e perfuração da membrana timpânica.

Além destes eventos celulares, observou-se a presença abundante de fluido no ouvido médio dos animais do primeiro grupo, diminuindo em quantidade para estar praticamente ausente nos animais do terceiro grupo. Em alguns dos animais observou-se uma celularidade intensa no fluido, estando o mesmo em processo de integração com o epitélio do ouvido médio e tecido de granulação, inclusive com vasos sangüíneos presentes (figuras 10 e 11). Nos animais do terceiro grupo, além da diminuição da quantidade de fluido e do número de células, observou-se ainda uma diminuição acentuada na quantidade da membrana de colágeno. Nestes, também foi observada uma menor incidência de colesteatomas e uma menor incidência de perfurações da membrana timpânica.

Entre os sete animais que não demonstraram a presença de epitélio escamoso e formação de colesteatoma (46,5% do total), apenas dois apresentavam perfurações na membrana timpânica e grande parte do material da membrana de colágeno já havia sido reabsorvida. Nos animais em que a progressão de epitélio escamoso para o ouvido médio e formação de colesteatomas (53,5% do total), observou-se que as células do epitélio escamoso pareciam migrar na superfície da membrana de colágeno, por retrações/perfurações da membrana timpânica, tecido de granulação e até mesmo sobre a efusão organizada (figuras 11 a 13).



FIGURA 7 - Amplificação da figura 6. Reabsorção óssea por ação de osteoclastos (setas). Tecido ósseo (O), tecido de granulação (T). Animal do grupo 2, original x280.



FIGURA 8 - Presença de macrófagos (setas) junto à membrana de colágeno (M). Fluido (F). Animal do grupo 2, original x140.



FIGURA 9 - Presença de linfócitos, vistos como pequenas células arredondadas, ao redor de restos da matriz da membrana de colágeno (G). Tecido de granulação (T). Animal do grupo 3, original x280.



FIGURA 10 - Presença de integração entre o fluido organizado (F) e o tecido de granulação ('1'). Observe a migração epitelial (seta maior) pelo bordo da perfuração timpânica. Vasos sangüíneos (setas menores, áreas de tecido de granulação e fluido organizado), ouvido médio (OM). Animal do grupo 1, original x28.



FIGURA 11 - Presença de migração epitelial (setas) sobre o fluido organizado (F). Observe área de transição (asterisco) entre o tecido de granulação (T) e o fluido organizado. Conduto auditivo externo (C). Animal do grupo 2, original x28.



FIGURA 12 - Migração epitelial (setas) sobre área contendo fluido (F), região da perfuração da membrana timpânica. Conduto auditivo externo (C), ouvido médio (OM), martelo (M). Animal do grupo 2, original x28.



DISCUSSÃO

Uma linha inédita de pesquisa e experimentação animal em otites médias, desenvolvida por um de nós (MVG), utilizando biomateriais de colágeno e ácido polilático, além de microesferas de látex, resultou em publicações inéditas nessa área da otorrinolaringologia 16-24

Em um estudo recente 17 tivemos a oportunidade de demonstrar um novo modelo animal experimental, baseado na migração de epitélio escamoso através de perfurações da membrana timpânica do chinchila. A migração do epitélio do conduto auditivo externo e/ou membrana timpânica foi observada nesse estudo, levando à formação de colesteatomas no ouvido médio de chinchilas. Esse resultado, associado a observações clínicas em pacientes humanos, é sugestivo e concordante com a teoria da migração epitelial como causa dos colesteatomas adquiridos do ouvido médio. Estudos sobre os padrões de citoqueratina dos colesteatomas realmente sugerem uma origem migratória para os mesmos27-30. Nesses estudos demonstrou-se uma semelhança entre os padrões encontrados para os colesteatomas e o epitélio do conduto auditivo externo e membrana timpânica, diferente dos padrões encontrados para o epitélio do ouvido médio.

O resultado encontrado em nosso estudo para a relação entre a espessura da camada celular e a espessura da camada de queratina foi menor para as áreas onde ocorreu migração epitelial (2.7) do que em comparação às regiões anterior e posterior do C. A. E. (4.3 e 4.3 respectivamente) e às regiões anterior e posterior da membrana timpânica (8.9 e 15.5 respectivamente). Além desta menor relação, a espessura média das camadas de células escamosas e de queratina onde ocorreu a migração celular e formação de colesteatomas (bula timpânica) foi algo maior do que as do C. A. E. e consideravelmente maior do que as da membrana timpânica. Estes resultados são sugestivos de uma migração epitelial com provável origem no conduto auditivo externo, devido a uma maior semelhança entre a espessura média das camadas celular e de queratina e a relação entre estas, encontradas para o C. A. E. e bula timpânica. A relação entre camada celular/camada de queratina encontrada para as áreas de migração epitelial (2.7) e a espessura média destas camadas (75.3 gm e 27.8 gm) é sugestiva de uma hiperproliferação celular e uma deposição acentuada de queratina, como observado na figura 3.

A migração de epitélio escamoso estratificado "epitelizando" a cavidade do ouvido médio, em substituição de seu epitélio cuboidal, com retenção de queratina e debris epitelial, talvez seja a principal característica dos colesteatomas adquiridos. Além de perfurações ou retrações da membrana timpânica, inflamação crônica na cavidade do ouvido médio, mastóide e tuba auditiva também se associa ao quadro clínico dos colesteatomas. Fluido em diferentes estágios de organização e tecido de granulação com intensa atividade celular são também observados. Na presença destes fatores inflamatórios crônicos, existiria então um estímulo para a migração celular e eventual proliferação quando no ouvido médio. Este estímulo para a migração epitelial tem sua importância corroborada indiretamente, em estudos em pacientes humanos em que não se observou uma hiperproliferação generalizada da epiderme em pacientes com colesteatomas 31 ou alterações nos padrões de migração epitelial no ouvido são de pacientes com colesteatoma unilateral32.

Em estudos experimentais, em que a migração epitelial foi facilitada por ligadura do conduto auditivo externo33,34 ou estimulada quimicamente no conduto auditivo externo 35 e no ouvido médio34,36-43 observou-se migração epitelial até mesmo na ausência de perfurações da membrana timpânica. Nesses estudos não houve uma perfuração intencional da membrana timpânica e colesteatomas foram observados em apenas alguns animais.

Em nosso estudo, além da perfuração intencional da membrana timpânica, na tentativa de mimetizar o que ocorre em humanos, observou-se a formação de colesteatomas em mais da metade dos animais. O fenômeno inflamatório causado pela presença da membrana de colágeno serviu não só como um estímulo para a migração epitelial, bem como serviu atualmente de "ponte" para as células escamosas. Além desta "ponte", observou-se uma organização do fluido no ouvido médio, servindo como via de progressão para o tecido de granulação e também como "ponte" para a migração de células escamosas. A associação destes fatores, perfuração da membrana timpânica e inflamação no ouvido médio, serviu como estímulo à migração epitelial. A presença da membrana de colágeno e o fluida organizado/tecido de granulação serviram como o elo entre estes dois fatores, para que as células escamosas pudessem progredir e substituir o epitélio cuboidal do ouvido médio. Uma vez no ouvido médio, ocorreria uma proliferação celular associada ao processo inflamatório, com conseqüente formação de colesteatoma.

A erosão óssea em processos inflamatórios crônicos ocorre até mesmo em ouvidos sem colesteatoma, certamente relacionada à ação enzimática presente nos tecidos de granulação. Em nosso estudo, foi ocasionalmente observada erosão óssea em áreas de tecido de granulação, observando-se também uma clara reabsorção óssea osteoclástica. Nestes animais observou - se uma progressão do epitélio escamoso nesta região, sugestiva também da via facilitadora que é o tecido de granulação para migração epitelial .
Os resultados obtidos demonstraram uma presença mais freqüente de colesteatomas nos dois primeiros grupos de animais (60% e 80%, respectivamente) do que no terceiro grupo (20%). Além destes resultados, observou-se que o processo inflamatório diminuiu acentuadamente (e. g. fluido, celularidade) com o prolongamento da sobrevida dos animais, houve absorção quase completa da membrana de colágeno, e apenas dois animais no terceiro grupo (12 semanas) apresentavam perfuração da membrana timpânica. Neste último grupo, o único animal que desenvolveu migração epitelial e formação de colesteatoma apresentava ainda perfuração da membrana timpânica e a presença de grandes quantidades da membrana de colágeno ainda não reabsorvida. Estes resultados demonstram com clareza a importância do processo inflamatório como estímulo para a migração epitelial e proliferação celular. Em humanos, tal observação é plenamente corroborada por observações clínicas, em que ocorre diminuição da atividade do colesteatoma com o controle do processo inflamatório/infeccioso. Resultados semelhantes são observados em experimentos animais 35



FIGURA 13 - Migração epitelial fechando a perfuração da membrana timpânica (cabeça de seta), sobre remanescente da membrana de colágeno (seta). Conduto auditivo externo (C), ouvido médio (OM), martelo (M). Animal do grupo 3, original x28.



CONCLUSÃO.

Os resultados obtidos neste estudo sugerem que a migração de células escamosas é o principal fator envolvido na gênese dos colesteatomas adquiridos, corroborando a teoria da migração epitelial. A presença de fenômenos inflamatórios crônicos na cavidade do ouvido médio, mastóide e tuba auditiva, associada a perfurações ou retrações da membrana timpânica, é um fator fundamental para estimular a migração epitelial. Os padrões de migração epitelial encontrados neste estudo sugerem a necessidade de uma "ponte" entre as células escamosas e o ouvido médio, aqui demonstrada como sendo a membrana de colágeno, o fluido organizado ou o tecido de granulação. O tecido de granulação foi observado como integrado, ou talvez originado de uma organização do fluido presente no ouvido médio.

Este modelo animal demonstrou-se adequado ao estudo dos colesteatomas adquiridos, pela sua simplicidade de execução e pelos resultados obtidos. Outros estudos animais já em andamento reportarão sobre este assunto, sobre a gênese do tecido de granulação e seu envolvimento nos processos inflamatórios crônicos do ouvido médio e mastóide. Os resultados obtidos nestes estudos experimentais podem levar a uma melhor compreensão sobre os fenômenos envolvidos na gênese dos colesteatomas, sua relação com as otites médias, e a métodos alternativos mais eficazes para o seu tratamento.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer à Sra. Carolyn Sherydan pelo apoio técnico, às Sras. Noriko Morizono e Sherry Lamey por prepararem os ossos temporais, e ao Sr. Edmundo Gomide pelo preparo das fotografias. Agradecimentos também aos Profs. Arndt Duvall e Michael Paparella por permitirem o uso de seus laboratórios.

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1 - Departamento de Otolaringologia da Universidade de Minnesota, Minneapolis, Estados Unidos;

2 - Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia, Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro;

3 - Hospital Santa Lúcia, Uberaba, MG, Brasil;

4 - Audia Chile;

5 - Clínica Las Condes, Santiago, Chile.

Estes estudos foram apoiados em parte pela 3M Minnesota, peta verba SP50DC-00133 do "National Institute of Deafness and Other Communicative Disorders", Estados Unidos, e Audia Chile, Santiago, Chile.

Endereço para correspondência: Dr. Marcelo M. Hueb, Hospital Santa Lúcia, Av. Santos Dumont, 409, 38060-600, Uberaba, MG, Brasil.

Artigo recebido em 18 de janeiro de 1994. Artigo aceito em 24 de fevereiro de 1994.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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