REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Em 1941, Hulka1 observou a existência de perda auditiva óssea em pacientes com otite média crônica (OMC) agudizada, admitindo a ação de dois fatores causais: a presença de uma toxina e o efeito mecânico sobre o ouvido interno. Em 1969, Holm & Kunzez contestaram as conclusões de Hulkat. Entretanto, Paparella & col 3 reafirmam a existência da perda auditiva óssea nos casos de otite média crônica e admitem a entrada de substâncias tóxicas através da janela redonda. Também English e col. 4 admitem a perda neurossensorial provocada pela otite média crônica, relacionando-a com a duração da doença e as crises de complicações. Em 1975, Heshikis, analisando portadores de obstrução crônica da trompa de Eustáquio com sonomanometria, verificou que a audição óssea é pior nos portadores de obstrução da tuba quando se compara com o lado sem obstrução. Oliveira & Bandeira 6 apresentam quatro casos de disacusia neurossensorial associada à disfunção da tuba. Nesse mesmo ano, Walby & col.7, estudando temporais de pacientes com otite média crônica e disacusia neurossensorial, não conseguiram constatar alterações estruturais significativas. Eimas & Kavanagh 8 preconizam estudar mais detalhadamente as crianças portadoras de otite média recorrente, tendo em vista a alta incidência de perda auditiva condutiva, particularmente na faixa de 3 - 5 anos de idade, com prejuízo na aquisição da linguagem e posteriormente no processo educacional. Esses autores não fazem referências à perda neurossensorial.
MATERIAL E MÉTODOA revisão de 167 pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp), portadores de otite média crônica não colesteatomatosa e sem evidência de complicação pregressa, permitiu selecionar 80 casos com patologia unilateral. Estes pacientes foram submetidos aos testes audiométricos para avaliar a audição aérea e óssea, além dos exames clínicos, laboratoriais e radiológicos. Os resultados foram analisados e serão apresentados em forma de tabelas e gráficos:
TABELA I - DISTRIBUIÇÃO DE ACORDO COM A FAIXA ETÁRIA
TABELA II - NÍVEL MÉDIO DE AUDIÇÃO DE 80 PACIENTES COM OMC NÃO COLESTEATOMATOSA E SEM SINAIS DE COMPLICAÇÃO
TABELA III - COMPARAÇÃO DOS NÍVEIS DE AUDIÇÃO ÓSSEA ENTRE OS LADOS NORMAL E PATOLÓGICO
GRÁFICO I
GRÁFICO II
GRÁFICO III
DISCUSSÃOA disacusia neurossensorial provocada pela otite média crônica, embora descrita em 1941 por Hulka 1, não mereceu a devida atenção dos autores. Naquela época, esse autor aventou a possibilidade da penetração de substâncias tóxicas ao nível do promontório para explicar a sua etiologia, ou distúrbio no mecanismo de transmissão do som ao nível do ouvido médio e interno.
Em 1970 Paparella e col. 3 estudaram 279 casos de otite média crônica com disacusia neurossensorial. Verificaram que em todas as faixas etárias a otite média crônica tem provocado distúrbio de audição e propuseram como causa a penetração de substâncias tóxicas pela janela da cóclea. English e co1.4, estudando 404 casos, verificaram que a perda auditiva neurossensorial é maior no grupo com duração mais prolongada da otite e naqueles que tiveram complicações durante a vigência da doença.
Em 1975 Heshiki 5, estudando a função da trompa de Eustáquio com a sonomanometria, verificou que a audição óssea é pior no grupo portador de obstrução da tuba, quando comparado com o grupo sem obstrução da mesma. Oliveira & Bandeira 6 publicaram 4 casos de disacusia neurossensorial associada à disfunção da tuba. No mesmo ano, Walby & cola, estudando 12 temporais de pacientes quem em vida eram portadores de disacusia neurossensorial, não conseguiram identificar alterações estruturais significativas. Concluíram que a perda se deve a distúrbios no mecanismo de transmissão do som. A tabela IV mostra os resultados dos estudos de alguns autores consultados e que pesquisaram o assunto.
Este estudo baseia-se em 80 casos de pacientes com otite média crônica unilateral, sem colesteatoma e sem sinais evidentes de complicação pregressa.
A tabela I e o gráfico correspondente mostram que a faixa etária média está em 23 anos, o que permite excluir a possibilidade da presbiacusia. A incidência maior ocorreu entre 11 e 20 anos. Como não relatam a existência de complicação pregressa evidente, os achados reforçam a idéia de English e col.4 de que a duração da doença pode ser um dos fatores causais da disacusia neurossensorial em otite média crônica, mas não explicam a menor incidência no grupo acima dessa faixa. O assunto requer um estudo planejado para tirar conclusões definitivas.
A análise da tabela II e o gráfico mostram claramente que o lado normal apresenta discreta alteração neurossensorial. Ao contrário, o lado patológico, além da perda auditiva condutiva, mostra também uma disacusia neurossensorial.
Para evidenciar o grau desta alteração, temos a tabela III e o gráfico correspondente. Nesta tabela, subtraímos os valores encontrados no lado normal daqueles registrados no lado patológico. Acreditamos que esta diferença é uma conseqüência causada pela doença, pois ocorreu no ouvido do mesmo paciente que tem um lado normal e o outro com otite média crônica.
Verifica-se que a diferença ocorre em todas as freqüências estudadas. A tabela mostra também que esta diferença é maior nas freqüências mais elevadas. Se comparados com os valores encontrados por Paparella e col.3 e Walby e col. 7, podemos afirmar que, embora em valores absolutos não sejam iguais, existe similaridade entre os dados obtidos pelos autores, inclusive com aumento nas freqüências mais agudas.
TABELA IV - NÍVEIS MÉDIOS DE AUDIÇÃO ÓSSEA EM PACIENTES COM 0. M. C. DE ACORDO COM ALGUNS AUTORES
CONCLUSÕESO estudo audiométrico de 80 pacientes portadores de otite média crônica unilateral, sem colesteatoma e sem evidência clínica de complicação pregressa, nos permite afirmar que a disacusia neurossensorial está presente bilateralmente, mas em grau nitidamente maior do lado que apresenta a otite média crônica. A incidência é maior na faixa etária entre 11 a 20 anos, com aumento gradativo nas freqüências agudas. Existe grande probabilidade de que esta disacusia esteja ligada a distúrbios de função da trompa de Eustáquio, provavelmente pelo acúmulo de substâncias tóxicas ao nível do ouvido médio, e que seriam constantemente absorvidas, particularmente através das janelas labirínticas (coclear). Hulka 1 Paparella, Brady & Hoel 3, explicando incidência maior nas faixas etárias superiores e também perda mais acentuada nas freqüências agudas. Devemos lembrar que a otite média crônica geralmente está associada a distúrbios da trompa de Eustáquio, com efeitos deletérios cumulativos ao longo do tempo, e daí a maior incidência nos casos de doença de longa duração.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA1. HULKA, J. H. - Bone conduction on changes in acute otitis media. Arch. Otolatyngol. 33: 333150 - 1941.
2. HOLM, V. A. & KUNZE, V. H. - Effect of chronic otitis media on language and speech development. Pediatrics 43: 833139 - 1969.
3. PAPARELLA, M. M., BRADY, D. R. & HOEL, R. - Sensorineural hearing loss in chronic otitis media and mastoiditis. T. A. A. 0. 0. 74. 108115 - 1970.
4. ENGLISH, G. M., NORTHERN, J. L. & FRIA, T. J. - Chronic otitis media as cause of sensorineural hearing loss. Arch. Otolatyngol. 98: 18122 - 1983.
5. HESHIKI, Z. - Influência do estado funcional da trompa de Eustáquio no mecanismo da audição. Rev. Brasil. Otordnolaringol. 41: 267171 - 1975.
6. OLIVEIRA, C. A. & BANDEIRA, F. A. S. - Surdez neurossensorial associada à otite média serosa. Rev. Brasil. Otorrinolaringol. 49: 20129 - 1983.
7. WALBY, A. P., BARRERA, A. & SCHUKNECHT, H. T. - Cochlear pathology in chronic suppurative otitis media. Annals Otol. Rhin. Latyngol. (supl.) 103: 3119 - 1983.
8. EIMAS, P. D. & KAVANAGH, J. F. - Otitis media, hearing loss and child development: a NCIHD Conferente Summaty. Public Health Report 101:
Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp - Os resultados preliminares foram apresentados no XXX Congresso Panamericano de ORL y dei Cabeza Y Cuello, em Puerto Vallarta (México) em 1986.
* Professor Titular da Unesp
** Ex-residentes da Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista.
Endereço para correspondência: Rua Domingos Soares de Barros, 210 - CEP 18603- 590 - Botucatu / SP Brasil. [Fax: (0149) 22-50551.
Artigo recebido em 30/09/93.
Artigo aceito em 16112/93.