ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2579 - Vol. 60 / Edição 3 / Período: Julho - Setembro de 1994
Seção: Artigos Originais Páginas: 174 a 176
Repercussão da Otite Média Crônica não Colesteatomatosa e sem Complicação Pregressa sobre a Audição Óssea.
Autor(es):
Heshiki, Zenshi*,
Tagliarini, José V.**
Javaroni, Afonso C.**

Palavras-chave: Otite média crônica simples, disacusia neurossensorial

Keywords: Chronic Otitis Media, sensorineural hearing loss.

Resumo: Muitas doenças sistêmicas e otológicas são incriminadas como causa de perdas auditivas do tipo neurossensorial. Este trabalho tem por objetivo demonstrar o efeito da otite média crônica sobre a audição neurossensorial Exames audiométricos de 80 pacientes foram analisados, procurando-se obter os níveis médios de audição óssea em várias freqüências. Os resultados mostraram que os ouvidos afetados com otite média crônica sem colesteatoma e sem complicação pregressa evidente apresentaram níveis médios de audição óssea piores, se comparados ao lado oposto, tidos como clinicamente normais, sem sinais de patologia otológica. Concluem que a otite média crônica, mesmo na ausência de antecedentes de complicação pregressa, pode causar perda auditiva neurossensorial. Verificaram que as perdas auditivas são maiores nas freqüências mais elevadas, confirmando os achados de outros autores.

Abstract: A large number of sistemic and otological diseases are incriminated as cause of sensorineural hearing loss. The objective of this subject is to show the effect of chronic otitis media on the sensorineural hearin gloss. The audiometry of 80 pacients was reviewed specially on the sensorineural level and there is evidency of hearing loss on the pathologic side, comparing with the normal lide, specially on high frequencies.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Em 1941, Hulka1 observou a existência de perda auditiva óssea em pacientes com otite média crônica (OMC) agudizada, admitindo a ação de dois fatores causais: a presença de uma toxina e o efeito mecânico sobre o ouvido interno. Em 1969, Holm & Kunzez contestaram as conclusões de Hulkat. Entretanto, Paparella & col 3 reafirmam a existência da perda auditiva óssea nos casos de otite média crônica e admitem a entrada de substâncias tóxicas através da janela redonda. Também English e col. 4 admitem a perda neurossensorial provocada pela otite média crônica, relacionando-a com a duração da doença e as crises de complicações. Em 1975, Heshikis, analisando portadores de obstrução crônica da trompa de Eustáquio com sonomanometria, verificou que a audição óssea é pior nos portadores de obstrução da tuba quando se compara com o lado sem obstrução. Oliveira & Bandeira 6 apresentam quatro casos de disacusia neurossensorial associada à disfunção da tuba. Nesse mesmo ano, Walby & col.7, estudando temporais de pacientes com otite média crônica e disacusia neurossensorial, não conseguiram constatar alterações estruturais significativas. Eimas & Kavanagh 8 preconizam estudar mais detalhadamente as crianças portadoras de otite média recorrente, tendo em vista a alta incidência de perda auditiva condutiva, particularmente na faixa de 3 - 5 anos de idade, com prejuízo na aquisição da linguagem e posteriormente no processo educacional. Esses autores não fazem referências à perda neurossensorial.

MATERIAL E MÉTODO

A revisão de 167 pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp), portadores de otite média crônica não colesteatomatosa e sem evidência de complicação pregressa, permitiu selecionar 80 casos com patologia unilateral. Estes pacientes foram submetidos aos testes audiométricos para avaliar a audição aérea e óssea, além dos exames clínicos, laboratoriais e radiológicos. Os resultados foram analisados e serão apresentados em forma de tabelas e gráficos:


TABELA I - DISTRIBUIÇÃO DE ACORDO COM A FAIXA ETÁRIA



TABELA II - NÍVEL MÉDIO DE AUDIÇÃO DE 80 PACIENTES COM OMC NÃO COLESTEATOMATOSA E SEM SINAIS DE COMPLICAÇÃO



TABELA III - COMPARAÇÃO DOS NÍVEIS DE AUDIÇÃO ÓSSEA ENTRE OS LADOS NORMAL E PATOLÓGICO




GRÁFICO I



GRÁFICO II


GRÁFICO III



DISCUSSÃO

A disacusia neurossensorial provocada pela otite média crônica, embora descrita em 1941 por Hulka 1, não mereceu a devida atenção dos autores. Naquela época, esse autor aventou a possibilidade da penetração de substâncias tóxicas ao nível do promontório para explicar a sua etiologia, ou distúrbio no mecanismo de transmissão do som ao nível do ouvido médio e interno.

Em 1970 Paparella e col. 3 estudaram 279 casos de otite média crônica com disacusia neurossensorial. Verificaram que em todas as faixas etárias a otite média crônica tem provocado distúrbio de audição e propuseram como causa a penetração de substâncias tóxicas pela janela da cóclea. English e co1.4, estudando 404 casos, verificaram que a perda auditiva neurossensorial é maior no grupo com duração mais prolongada da otite e naqueles que tiveram complicações durante a vigência da doença.

Em 1975 Heshiki 5, estudando a função da trompa de Eustáquio com a sonomanometria, verificou que a audição óssea é pior no grupo portador de obstrução da tuba, quando comparado com o grupo sem obstrução da mesma. Oliveira & Bandeira 6 publicaram 4 casos de disacusia neurossensorial associada à disfunção da tuba. No mesmo ano, Walby & cola, estudando 12 temporais de pacientes quem em vida eram portadores de disacusia neurossensorial, não conseguiram identificar alterações estruturais significativas. Concluíram que a perda se deve a distúrbios no mecanismo de transmissão do som. A tabela IV mostra os resultados dos estudos de alguns autores consultados e que pesquisaram o assunto.

Este estudo baseia-se em 80 casos de pacientes com otite média crônica unilateral, sem colesteatoma e sem sinais evidentes de complicação pregressa.

A tabela I e o gráfico correspondente mostram que a faixa etária média está em 23 anos, o que permite excluir a possibilidade da presbiacusia. A incidência maior ocorreu entre 11 e 20 anos. Como não relatam a existência de complicação pregressa evidente, os achados reforçam a idéia de English e col.4 de que a duração da doença pode ser um dos fatores causais da disacusia neurossensorial em otite média crônica, mas não explicam a menor incidência no grupo acima dessa faixa. O assunto requer um estudo planejado para tirar conclusões definitivas.

A análise da tabela II e o gráfico mostram claramente que o lado normal apresenta discreta alteração neurossensorial. Ao contrário, o lado patológico, além da perda auditiva condutiva, mostra também uma disacusia neurossensorial.

Para evidenciar o grau desta alteração, temos a tabela III e o gráfico correspondente. Nesta tabela, subtraímos os valores encontrados no lado normal daqueles registrados no lado patológico. Acreditamos que esta diferença é uma conseqüência causada pela doença, pois ocorreu no ouvido do mesmo paciente que tem um lado normal e o outro com otite média crônica.

Verifica-se que a diferença ocorre em todas as freqüências estudadas. A tabela mostra também que esta diferença é maior nas freqüências mais elevadas. Se comparados com os valores encontrados por Paparella e col.3 e Walby e col. 7, podemos afirmar que, embora em valores absolutos não sejam iguais, existe similaridade entre os dados obtidos pelos autores, inclusive com aumento nas freqüências mais agudas.


TABELA IV - NÍVEIS MÉDIOS DE AUDIÇÃO ÓSSEA EM PACIENTES COM 0. M. C. DE ACORDO COM ALGUNS AUTORES



CONCLUSÕES

O estudo audiométrico de 80 pacientes portadores de otite média crônica unilateral, sem colesteatoma e sem evidência clínica de complicação pregressa, nos permite afirmar que a disacusia neurossensorial está presente bilateralmente, mas em grau nitidamente maior do lado que apresenta a otite média crônica. A incidência é maior na faixa etária entre 11 a 20 anos, com aumento gradativo nas freqüências agudas. Existe grande probabilidade de que esta disacusia esteja ligada a distúrbios de função da trompa de Eustáquio, provavelmente pelo acúmulo de substâncias tóxicas ao nível do ouvido médio, e que seriam constantemente absorvidas, particularmente através das janelas labirínticas (coclear). Hulka 1 Paparella, Brady & Hoel 3, explicando incidência maior nas faixas etárias superiores e também perda mais acentuada nas freqüências agudas. Devemos lembrar que a otite média crônica geralmente está associada a distúrbios da trompa de Eustáquio, com efeitos deletérios cumulativos ao longo do tempo, e daí a maior incidência nos casos de doença de longa duração.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1. HULKA, J. H. - Bone conduction on changes in acute otitis media. Arch. Otolatyngol. 33: 333150 - 1941.
2. HOLM, V. A. & KUNZE, V. H. - Effect of chronic otitis media on language and speech development. Pediatrics 43: 833139 - 1969.
3. PAPARELLA, M. M., BRADY, D. R. & HOEL, R. - Sensorineural hearing loss in chronic otitis media and mastoiditis. T. A. A. 0. 0. 74. 108115 - 1970.
4. ENGLISH, G. M., NORTHERN, J. L. & FRIA, T. J. - Chronic otitis media as cause of sensorineural hearing loss. Arch. Otolatyngol. 98: 18122 - 1983.
5. HESHIKI, Z. - Influência do estado funcional da trompa de Eustáquio no mecanismo da audição. Rev. Brasil. Otordnolaringol. 41: 267171 - 1975.
6. OLIVEIRA, C. A. & BANDEIRA, F. A. S. - Surdez neurossensorial associada à otite média serosa. Rev. Brasil. Otorrinolaringol. 49: 20129 - 1983.
7. WALBY, A. P., BARRERA, A. & SCHUKNECHT, H. T. - Cochlear pathology in chronic suppurative otitis media. Annals Otol. Rhin. Latyngol. (supl.) 103: 3119 - 1983.
8. EIMAS, P. D. & KAVANAGH, J. F. - Otitis media, hearing loss and child development: a NCIHD Conferente Summaty. Public Health Report 101:




Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp - Os resultados preliminares foram apresentados no XXX Congresso Panamericano de ORL y dei Cabeza Y Cuello, em Puerto Vallarta (México) em 1986.

* Professor Titular da Unesp

** Ex-residentes da Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista.

Endereço para correspondência: Rua Domingos Soares de Barros, 210 - CEP 18603- 590 - Botucatu / SP Brasil. [Fax: (0149) 22-50551.

Artigo recebido em 30/09/93.

Artigo aceito em 16112/93.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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