INTRODUÇÃOLaringomalácia é a anormalidade congênita mais comum da laringe, e sua causa é desconhecida. É, também, a mais freqüente causa de estridor na criança. Holinger descreveu que 59,8% das anormalidades congênitas laríngeas na infância que apresentam estridor são devidas à laringomalácia. Outros estudos mostram que, entre as anormalidades congênitas da laringe, a laringomalácia corresponde a 50% ou 75% dos casos. É, usualmente, benigna e auto-limitada; os sintomas aparecem, geralmente, dentro das duas primeiras semanas de vida, agravando-se na posição supina ou quando a criança está mamando, havendo piora até a proximidade dos seis meses de idade, quando estabiliza e começa a melhorar gradualmente. Na maioria, os pacientes estão livres dos sintomas por volta dos 18 a 24 meses de vida. No entanto, alguns poucos casos de laringomalácia severa têm maiores complicações e podem trazer risco de vida: estes incluem a obstrução das vias aéreas superiores, dificuldades de alimentação, déficit de crescimento, cor pulmonar e até mesmo morte.
Até recentemente, o tratamento de escolha para esses casos graves, com dispnéia intensa ou impossibilidade de mamar, era a traqueotomia. No entanto, novas alternativas cirúrgicas têm sido propostas. Os termos epiglotoplastia, remodelamento supraglótico, epiglotopexia anterior e ariepiglotoplastia têm sido usados para descrever os procedimentos cirúrgicos que excisam a obstrução dos tecidos supraglóticos. O exato local e extensão da ressecção são individualizados para cada paciente, de acordo com a anormalidade anatômica da obstrução. Vários relatos têm demonstrado melhora clínica após o tratamento cirúrgico. O objetivo deste relato é demonstrar a experiência conjunta no tratamento cirúrgico de laringomalácia severa nos Serviços de Otorrinolaringologia do HCU-UFU e da FMSJRP, onde já foram realizadas, nos últimos dois anos, 15 ariepiglotoplastias.
MATERIAL E MÉTODOTodos os 15 pacientes submetidos a ariepiglotoplastia estavam internados nos Serviços de Pediatria dos Hospitais de Clínicas das Faculdades de Medicina de Uberlândia e de São José do Rio Preto, com idade entre 1 e 3 anos, sendo 9 do sexo masculino e 6 do sexo feminino. Todos os pacientes foram antes examinados pelo neonatologista e submetidos aos exames estabelecidos no protocolo: exame físico, hemograma, RX de tórax, ECG e finalmente a fibrolaringoscopia. A técnica cirúrgica utilizada foi a ariepiglotoplastia: secção, com o auxílio de microtesoura de laringe, nas pregas ariepiglóticas, bilateralmente, na junção com as margens laterais da epiglote (Figura 1). Realizaram-se as intervenções sob anestesia geral, intubação endotraqueal, laringoscópio de suspensão, microscópio cirúrgico com angular reta, lente de 400 mm com aumento de 6x.
Figura 1. Esquema de laringomalácia, com pregas ariepiglóticas curtas sendo seccionadas com microtesoura de laringe.
Imediatamente após a secção bilateral das pregas ariepiglóticas, notamos elevação da epiglote. O sangramento foi mínimo, não havendo necessidade de cauterização. Todos os pacientes tiveram melhora significativa nas seguintes 48-72 h, após o quê seguiu-se a alta hospitalar, exceto em um caso, de paciente do sexo feminino, que foi a óbito por complicações cardio-pulmonares.
DISCUSSÃOA laringomalácia é condição caracterizada pela flacidez da epiglote e prolapso das cartilagens aritenóides para dentro da entrada laríngea durante a inspiração. Este termo foi usado pela primeira vez em 1942 por Jackson e Jackson5, refletindo a flacidez dos tecidos laríngeos supraglóticos, sem implicar em mecanismo fisiopatológico específico, o qual ainda permanece obscuro. Fatores anatômicos, histológicos e neurológicos podem todos contribuir com algum grau nessa patologia. As anormalidades anatômicas usualmente identificadas incluem:
TIPO 1: as cartilagens cunciformes são trazidas internamente durante a inspiração.
TIPO 2: epiglote tubular exageradamente alongada em forma de Omega (Ç2), que se curva sobre si mesma.
TIPO 3: colapso interno das aritenóides.
TIPO 4: a epiglote desloca-se contra a parede posterior da faringe ou cordas vocais.
TIPO 5: pregas ariepiglóticas curtas.
TIPO 6: ângulo externo agudo da epiglote na entrada laríngea. Nos casos descritos, notamos, à fibrolaringoscopia pré-operatória, associações entre os tipos 1, 2, 3, 4, 5 e 6, com prevalência do tipo 5.
Em 1984, Belmont e Grundfast sugeriram que uma disfunção neuromuscular poderia liderar uma incoordenação muscular e, assim, haveria suporte inadequado para o arcabouço cartilagíneo'. Em 1995, Hui e cols. descreveram a expressão "laringomalácia neurastênica", em pacientes com paralisia cerebral que desenvolviam gradualmente durante a infância tardia estridor semelhante ao visto em laringomalacia do recém-nascido'.
Antes de 1980, a principal forma de tratamento para os casos severos era a traqueotomia. Hoje, o uso desta tem sido abandonado em razão da elevada morbidade, de 46,5%, e mortalidade variando de 1,4% a 10%9-I'. Anterior a esta década, somente casos isolados haviam sido relatados na literatura sobre as alternativas cirúrgicas. Em 1922, Iglauer realizou a primeira intervenção cirúrgica com sucesso na laringe supraglótica para laringomalãcia12. Em uma criança com cianose severa e episódios de apnéia, Iglauer amputou a epiglote redundante, aliviando os sintomas.
Cirurgia endoscópica para laringomalácia foi inicialmente realizada por Lane e cols., em 1984'3, excisando as porções laterais da epiglote e a cartilagem corniculada, junto com as extremidades das aritenóides, relatando melhora importante em um bebê de três meses de idade. Em 1987, Zalzal e COls.I4 realizaram procedimento similar em dez pacientes, havendo completa resolução dos sintomas em todos.
Em 1991, Jani e cols.18 descreveram trabalho em uma série de 12 pacientes com laringomalácia severa tratados com ariepiglotoplastia. Usando pinça e microtesoura laríngea, seccionaram a mucosa redundante da cartilagem aritenóide, junto, se necessário, com a cartilagem cuneiforme e porções da prega ariepiglótica, havendo melhora dos sintomas.
Quando tivemos conhecimento desta técnica, passamos a executa-la, a partir de 1993, e após a grande melhora que notamos nos três primeiros casos operados, tornamo-la rotina em nossos Serviços. Portanto, pacientes internados no berçário com diagnóstico de laringomalácia severa são submetidos a ariepiglotoplastia, desde que antes seja aplicado o protocolo criado, que confirma a doença.
Em nossa série, a técnica cirúrgica restringe-se às pregas ariepiglóticas, que são excisadas na junção com as margens laterais da epiglote, onde plano comparativamente menos irrigado pode ser encontrado. Desta forma, o contorno mais semelhante ao normal é restaurado na laringe, e o colapso inspiratório das estruturas supralgoticas é abolido, havendo melhora acentuada dos sintomas.
CONCLUSÃOA ariepiglotoplastia é método seguro e efetivo no tratamento da laringomalácia severa. Além disso, promove significativa melhora de sinais e sintomas, como a obstrução respiratória, dificuldade de alimentação e falha no crescimento, enquanto que, ao mesmo tempo, evita os problemas inerentes à traqueotomia. Podem ocorrer complicações, as quais, no entanto, são raras.
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* Professor Titular e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia cio Hospital das Clínicas de Uberlândia, da Universidade Federal de Uberlândia (HCU-UFU).
** Professor Doutor Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FMSJRP).
*** Acadêmico do 5- Ano do Curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas de Uberlândia, da Universidade Federal de Uberlândia (HCU-UFU) e da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FMSJRP). Endereço para correspondência: Hospital Santa Genoveva, Av. Vasconcelos Costa, 962 - Uberlândia /MG - CEP 38401-136 - Telefone: (034) 235-3268. Artigo recebido em 6 de maio de 1997. Artigo aceito em 30 de setembro de 1997.