INTRODUÇÃOA polipose nasal é encontrada com freqüência na clínica otorrinolaringológica. É pouco provável que o especialista, valendo-se de uma boa iluminação, não identifique de imediato a massa poliposa na fossa nasal. Portanto, o diagnóstico é relativamente fácil pelas características clínicas apresentadas pelo pólipo: superfície lisa, brilhante, pouco endurecida e praticamente indolor ao toque. Habitualmente, com uma simples retração da mucosa nasal, pode se mesmo identificar a sua extensão e os pontos de implantação da massa poliposa.
Existe, no entanto, uma polipose nasossinusal bem menos freqüente que a clássica, discutida anteriormente: surge na infância, agravando-se progressivamente e obrigando o paciente a procurar tratamento, geralmente na adolescência. A massa poliposa ocupa habitualmente o complexo etmoidal, alargando a pirâmide óssea, levando muitos autores a denominar esta afecção de etmoidite deformante ou frog face. Além dos etmóides, as fossas nasais são ocupadas inteiramente por essas massas, que também acabam comprometendo os maxilares. Esta entidade clínica foi inicialmente descrita por Woakes em 1885, como relataram KELLERHALS & De UTHEMANN em 1979'.
Os paciente dificilmente se livram do problema respiratório, pois o tratamento cirúrgico bem conduzido, através de uma sinusectomia com remoção completa da massa poliplóide, deixa a cavidade nasal ampla e com predisposição à recidiva dos pólipos.
O presente estudo relata dois casos de polipose nasal recidivante desde a infância, com alargamento importante da pirâmide nasal, ressaltando as prováveis manifestações clínicas distintas e sua possível etiologia.
CASO CLÍNICO 1M . D. F., sexo masculino, com 17 anos de idade, natural de São Paulo, com história de obstrução nasal bilateral desde a infância, que piorou há um ano, com alargamento da pirâmide nasal, cefaléia frontal e dor em regiões maxilares e periorbitária, relata ser alérgico a pó e tinta e nega episódios de sangramento, febre ou perda de peso.
Ao exame físico, encontrava-se em bom estado geral, corado, hidratado e, à inspeção, observava-se alargamento importante de toda a pirâmide nasal (Fotos IA e 2A). À palpação, notavam-se linfonodos em cadeia cervical posterior, bilateralmente. À rinoscopia anterior, observavam-se múltiplos pólipos preenchendo toda a cavidade nasal, sem deformação septal. A tomografia computadorizada evidenciava preenchimento total das cavidades nasais e seios paranasais por uma massa homogênea não captante (Fotos 3A e 4A); não havia sinais de destruição óssea. Raio-X de tórax e ionograma normais; sódio no suor, negativo.
Foto 1A.
Foto 2A.
Foi realizada uma esfenoetmoidectomia transmaxilar bilateral, com a retirada de toda a massa poliplóide e mucosas hiperplasiadas.
O estudo anatomopatológico revelou processo inflamatório crônico, com hiperplasia da mucosa do seio paranasal, de modo a formar saliências poliplóides de tamanhos variados.
A Foto 5A mostra corte histológico do estroma da, mucosa nasal, com acentuado edema intersticial, célula linfomononucleares e vasos irregularmente dilatados; a Foto 6A apresenta corte histológico da mucosa nasal, com formação poliposa e estroma acentuadamente dissociado por edema e células inflamatórias, com aparente redução de glândulas.
Foto 3A.
Foto 4A.
Foto 5A.
Foto 6A.
A microscopia eletrônica de varredura mostra uma região de pólipo nasal onde houve preservação do epitélio respiratório, observando-se células ciliadas, com seus numerosos cílios (Foto 7A, seta), e células não ciliadas, com seus microvilos (Foto 8A, seta).
O paciente evoluiu bem no pós-operatório imediato; porém, após um mês, observavam-se pequenos pólipos ao nível de ambos os meatos médios, que foram retirados com anestesia local, recidivando, no entanto, após três meses. Com o crescimento da massa poliplóide, fez-se necessária uma nova cirurgia, cerca de 18 meses após a primeira, jogando, então, além da remoção de todos os pólipos
presentes ao nível das cavidades nasais, maxilares, etmoidais e esfenoidais, optou-se também por realizar-se uma rinoplastia redutora, através de osteotomias laterais, com a finalidade não somente estética, mas também visando reduzir-se a área da cavidade nasal.
CASO CLÍNICO 2F. L. S., 14 anos de idade, do sexo masculino, natural de São Paulo, com história de obstrução nasal há pelo menos cinco anos, progressiva, pior em fossa nasal esquerda, sem sangramentos, febre ou emagrecimento. Refere duas cirurgias, através de incisão sub labial esquerda, com diagnóstico de polipose nasal, em 1990 e 1992, com melhora temporária e retorno dos sintomas obstrutivos há um ano.
Ao exame físico, apresentava-se em bom estado geral, sem linfonodos palpáveis, observando-se alargamento da pirâmide nasal (Foto 1B) e, à rinoscopia anterior, notavam-se massas poliplóides múltiplas em ambas as fossas nasais (Foto 2B).
Foto 7A.
Foto 8A.
Foto 1B.
Foto 2B.
A tomografia computadorizada evidenciava preenchimento de toda a cavidade nasal, notadamente alargada, bem como dos antros maxilares e labirintos etmoidais, por uma massa homogênea, não captante, sem sinais de destruição óssea (Fotos 3B e 4B).
O paciente foi submetido a uma pansinusectomia através da técnica do degloving, retirando-se toda a massa poliposa e mucosas hiperplasiadas.
O estudo anatomopatológico do material mostrava saliências poliposas, glândulas dilatadas e císticas, além de edema acentuado e infiltrado linfoplasmocitário no córion (Fotos 5B e 6B).
À microscopia eletrônica de varredura, notavam-se diversas células cilíndricas ciliadas com diminuição acentuada do número de seus cílios (Foto 713, seta). Observamos ainda, em algumas regiões, a presença de metaplasia para epitélio pavimentoso (Foto 8B, seta).
O paciente evoluiu bem no pós-operatório imediato apresentando, porém, três meses após, pequena formação poliplóide em fossa nasal esquerda, que foi retirada com anestesia local. Não apresentou, então, outra recidiva durante mais 18 meses de acompanhamento.
DISCUSSÃOA presença de pólipos nasais na infância pode ser considerada uma ocorrência rara, cuja incidência é cerca de d vezes menor que nos adultos, estando associada a problemas alérgicos, fibrose cística ou com a síndrome de Kartagener. Habitualmente, crianças atópicas não apresentam pólipos nasais antes dos cinco anos de idade', quando, então, a incidência dos mesmos começa a aumentar e as infecções sinusais recorrentes passam a ser a etiologia principal. Devido ao fato de que são poucas as crianças que apresentam pólipos nasais, são raros os casos publicados na literatura.
Foto 3B
Foto 4B
Foto 5B
Foto 6B
Inicialmente descrita por Woakes em 1885 como uma etmoidite necrosante devida aos pólipos nasais, com alargamento nasal, esta síndrome teve sua definição posteriormen:e ampliada por KELLERHALS & De UTHEMANNI, que a ela acrescentaram a presença de bronquiectasia, aplasia do seio frontal e discrinia.
A discrinia, segundo estes autores, seria responsável por todas as características clínicas desta afecção, por levar a sinusites de repetição, com aplasia cio seio frontal e formação poliposa, devido à estagnação de muco, que bloquearia os óstios sinusais. Por ação mecânica, o crescimento progressivo dos pólipos nasais acarretaria uma deformidade no esqueleto nasal, com alargamento da pirâmide nasal. No trato respiratório inferior, esta evolução conduziria à formação de bronquiectasias.
O termo etmoidite necrosante empregado por Woakes no século passado é, a nosso ver, inadequado, por não representar as alterações histopatológicas que na verdade ocorrem nessa doença, que são o intenso edema no córion e a grande dilatação de suas glândulas, não sendo observado qualquer grau de necrose. Julgamos, portanto, que o termo mais apropriado seria uma etmoidite deformante, devido ao alargamento dos seios etmoidais que a polipose acarreta.
Foto 7B
Foto 8B
Embora alguns autores refiram uma possível origem hereditária para esta afecção, a sua verdadeira etiologia permanece ainda desconhecida'.
Em nossos pacientes, não encontramos qualquer história familiar desta síndrome, e ambos não apresentavam o quadro clínico completo descrito por KELLERHALS & De UTHEMANNI, pois não acusavam bronquiectasias. No entanto, devido à grande similaridade de sinais e sintomas, acreditamos serem compatíveis com uma variação na apresentação clínica da síndrome de Woakes, uma vez que a ausência de um ou outro sinal clínico não excluiria este diagnóstico, cujo paciente não apresentava aplasia de seios frontais.
Parece-nos mais ou menos intuitivo que, se diminui a área exposta da cavidade nasal, poder-se-ia diminuir as recidivas dos pólipos, pois a natureza tenta sempre preencher os espaços vazios. Portanto, além dos aspectos estéticos envolvidos com a deformidade nasal que esta afecção acarreta, e que por si só já justificariam a indicação de uma plástica nasal, cremos que osteotomias nasais, visando reduzir a cavidade nasal, devam também ser incluídas como uma forma de tratamento, o que foi realizado no paciente do Caso Clínico 1.
CONCLUSÃOA síndrome de Woakes é uma entidade clínica rara, cujos pólipos tendem a recidivar com freqüência. Os pacientes, portanto, devem ser submetidos a cirurgias nasossinusais extensas, muitas vezes associadas a osteotomias nasais, visando diminuir o tamanho da cavidade nasal, com o objetivo de reduzir a recidiva dos pólipos.
AGRADECIMENTOSOs autores agradecem ao Prof. Dr. Bruno Kónig Júnior, Professor Titular do Departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, pela realização da microscopia eletrônica de varredura, e ao Prof. Dr. Ivo Bussoloti Filho, Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo, pela documentação fotográfica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1- KELLERHALS, B.; UTHEMANN, B. - Woakes' Syndrome: The problems of infantile nasal polyps. Int. J. Pediatr. Otorhinolaryngol., 1: 79-85, 1979.
2- FALLIERS, C. J. - Familial coincidence of asthma, aspirin intolerance and nasal polyps. Ann. Allergy, 32: 65-9, 1974. 3- CAPLIN, I. Are nasal polyps an allergic phenomenon - Ann. Allergy, 29: 631-34, 1971.
4- ABBUD-NEME, F.; REYNOSO, V. M.; REISS, E. D. - Woake's syndrome. A case report in a teenager. Int, J. Pediatr. Otorhinolaryngol., 12:327-33, 1987.
5- BOUCHE, J.; FRECHE, C. H.; CHEVALIER, J. - A propor d'un cas récent, opéré, de maladie de Woakes. Ann. OtoLaryng. (Paris), 83: 443-5, 1966.
* Doutorando do Curso de Pós-graduação do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
** Chefe de Clínica do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e Professor Adjunto de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
*** Professor Assistente Doutor do Departamento de Ciências Patológicas da Santa Casa de São Paulo.
**** Pós-Graduanda (Mestrado) do Curso de Pós-graduação do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
Trabalho apresentado, na forma de painel, no VI Congresso Brasileiro de Rinologia e Cirurgia Estética da Face e XIV International Symposium on Infection and Allergy of the Nose (ISIAN), realizados em Salvador (BA), no período de 7 a 9 de setembro de 1995.
Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo. Endereço para correspondência: Rua Dr. Cesário Mota Junior,112 - CEP: 01277-900 - São Paulo /SP. Artigo recebido em 16 de junho de 1997. Artigo aceito em 27 de agosto de 1997.