INTRODUÇÃOA epistaxe é considerada emergência otorrinolaringológica comum e a maioria dos casos não necessita de visita médica. A literatura refere que 60% da população adulta experimentam pelo menos um episódio de epistaxe e 5 a 10% requerem a atenção do otorrinolaringologista'. Estes casos podem ser verdadeiros desafios, mesmo para profissionais experientes.
Na maioria dos casos, o sangramento origina-se na área septal anterior e pode ser controlado com tamponamento nasal ou cauterização, química ou elétrica. O sangramento posterior é mais comum em idosos e, para estes casos, há inúmeras condutas correntes na literatura, as quais incluem tamponamento nasal, cauterização via endoscópica, embolização e ligadura arteriais (artéria maxilar interna, etmoidais e/ou carótida externa)',3.
MATERIAL E MÉTODOOs registros de 145 pacientes com epistaxe foram revisados retrospectivamente: todos foram internados no Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, entre janeiro de 1990 e dezembro 1994. A hospitalização foi necessária devido à repercussão clínica do sangramento ou outra patologia associada que necessitasse intervenção médica ou cirúrgica (casos que não necessitaram hospitalização não foram incluídos).
Vários fatores de relevância epidemiológica foram analisados: idade, sexo, trauma nasal, local do sangramento, severidade do quadro, concentração de hemoglobina, tempo de internação, pressão sangüínea e incidência de fumantes e etilistas.
O tratamento estabelecido (tamponamento nasal anterior ou anteroposterior, ligadura ou embolização arteriais) e sua eficiência foram analisados, bem como as complicações dele decorrentes.
Gráfico 1 - Fatores assiciados.
Gráfico 2 - Severidade do sangramento
Gráfico 3 - Distribuição de pacientes por faixa etária.
RESULTADOSA maioria dos pacientes foi do sexo masculino, na proporção de 1,5 para 1 mulher. A faixa etária prevalente ficou entre a sexta e a sétima décadas da vida (Gráfico 1) e o ponto de sangramento, geralmente, originou-se na região septal posterior (7,27%). A maioria dos casos foi considerada de caráter severo e refratária ao tratamento (Gráfico 2).
O fator que mais contribuiu foi a hipertensão (61,1%). Outros foram: uso de tabaco (28,7), álcool (25,9%) e trauma (9,2%) (.Gráfico 3).
O tempo de hospitalização médio foi de quatro dias,sendo que a maioria dos pacientes (68,6%') apresentava nível de hemoglobina menor que 11g/dl.
O tratamento de escolha, e que se tornou efetivo na maioria dos casos, foi o conservador, com tamponamento nasal: 46,1% dos pacientes foram submetidos ao tamponamento anterior; e 53,9%, ao tamponamento posterior. Um paciente (0,8%) foi submetido à ligadura da artéria maxilar interna, via transantral, e outro à embolização deste vaso. Houve necessidade de transfusão em 24,8% dos casos. Os pacientes só usaram antimicrobianos quando permaneceram com tampão por mais de 72 horas, Houve necessidade de eletrocauterização de ponto sangrante específico em 4,1% dos pacientes.
Mesmo sem uso de antibióticos, na maioria dos casos não se observaram complicações infecciosas.
Os tampões anteriores foram deixados por 48 horas, e os posteriores por cerca de 3 a 5 dias. A complicação de maior gravidade ocorreu em um paciente que desenvolveu perfuração septal.
DISCUSSÃOA epistaxe é emergência comum na prática do otorrinolaringologista, ocorrendo com maior freqüência em pacientes idosos' e do sexo masculino.
O fator clínico mais freqüentemente associado é a hipertensão arterial, ao lado de outros, como o alcoolismo, tabagismo, uso de antiinflamatórios e desvio septal.
A maioria dos casos resolve-se espontaneamente, e só 6% necessitam de intervenção médica.
Os locais mais freqüentemente afetados pela epistaxe refratária são: a região abaixo do corneto inferior, próximo ao soalho nasal e a região do septo nasal, na junção do terço anterior com os dois terços posteriores 14.
O tratamento de escolha na epistaxe refratária é controverso. O tampão, geralmente, é o mais utilizado (por ser de baixo custo, facilmente disponível e eficaz). Em nosso estudo, 98% dos pacientes foram tratados com êxito por este método. A literatura assinala taxa de insucesso bem maior, de 26 a 52%'.
São citadas várias complicações da dor, desconforto, obstrução nasal e sinusal, disfunção tubária, hipoxia, arritmia cardíaca, aspiração, sepsis e apnéia do sono.
Como complicação, além de dor e desconforto, observamos um paciente que desenvolveu perfuração septal. A cauterização sob endoscopia5 tem sido preconizada também nos casos de epistaxe refratária. Está indicada, principalmente, nos casos associados a discrasias sangüíneas, na impossibilidade de tratamento clínico, em pacientes candidatos á ligadura arterial, em sangramento pós-operatório, em anormalidade anatômica nasal, que não permita tamponamento, e na intolerância ao tampão. Tivemos oportunidade de usa-la em 4,2% dos casos, com êxito considerável.
As ligaduras arteriais e embolizações são reservadas aos casos refratários às medidas conservadoras e/ou que receberam três ou mais unidades de transfusão.
A artéria maxilar pode ser ligada pela via transantral u transoral8. Caso não se interrompa o sangramento, as artérias etmoidais anteriores e/ou posteriores devem ser cgadas. O insucesso das ligaduras varia entre 8 e 54%em 47% dos casos ocorrem complicações que incluem:
fístula óroantral, perfuração septal, disfunção do nervo infraorbitário, oftalmoplegia, cegueira e infarto agudo do miocárdio. Em um caso usamos, com sucesso, a ligadura da artéria maxilar interna.
A embolização deste vaso também pode ser feita em casos refratários e o foi, com sucesso, em um caso. Outros tratamentos para epistaxe refratária incluem: injeção de soro fisiológico no forame palatino maior, crioterapia e septoplastia".
O tempo de hospitalização no estudo foi, em média, de quatro dias (semelhante ao de outros estudos). Observamos taxa de sucesso elevada com o tratamento conservador, e sempre preconizamos insistir neste antes de optar por táticas cirúrgicas. O tampão mais efetivo, nos casos refratários, geralmente, é o anteroposterior, usado nos casos de falha com o tampão anterior. O tempo médio de permanência fica em torno de três a cinco dias. Preconizamos o uso de antimicrobianos nos casos de permanência por mais de 72 horas, fato este justificado em nosso estudo pela baixa incidência de complicações infecciosas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. SMALL, M.; MURRAY, J. AND MARAN, A. - A Study of Patients with Epistaxis Requiring Admission to Hospital. Health Buli, 4P. 24- 28, 1982.
2. STRAUSS, M.; SCHAITKIN, B.; HOUCK, J. - Epistaxis: Medical Versus Surgical Therapy: A Comparison of Efficacy, Complications, and Economic Considerations. Laringoscope, 97 1392-1395, 1987
3. SHAW, C.; MARK, W.; WETMORE, S. - Epistaxis: A Comparison of Treatment. Otolaryngology - Head and Neck Surgery, 109. 60-65, 1993.
4. JACKSON, K.; JACKSON, R. - Factors Associated with Active, Refractory Epistaxis. Arch. Otolaryngol. Head Neck Surg., 114: 862-865, 1988.
5. STICKNEY, K.; MAKIELSKI, K.; WEYMULLER, E. - Rigid Endoscopy for the Control of Epistaxis. Arch. Otolaryngol. Head and Neck Surg., 118: 966-967, 1992.
6. LARSEN, K.; JUUI, A. - Arterial Blood Gases and Pneumatic Nasal Packing in Epistaxis. Laringoscope, 92: 586-587, 1982. 7. CANNON, R. - Effective Treatment Protocol for Posterior Epistaxis : A 10-Year Experience. Otolaryngology-Headand Neck Surgery, 109 (4): 722-725, 1993.
8. STEPNICK, D.; MANIGUA, A.; BOLD, E.; MANIGUA, V. - Intraoral-Extramaxillary Sinus Approach for Ligation of the Maxillary Artery: An Anatomic Study with Clinical Correlation. Laryngoscope, 100: 1.166-1.170, 1990.
9. LANDER, M.; TERRY, O. - The Posterior Ethmoid Artery in Severe Epistaxis. Otolaryngology- Head and Neck Surgery, 106 (1); 101-103, 1992.
10. JUSELIUS, H. - Epistaxis: A Clinical Study of 1.724 Pacients. J. Laryngol. Otol.; 88: 317-327,1974.
11. Mc DONALD T. J.; PEARSON B. W. - Follow up on Maxillary Artery Ligation for Epistaxis. Arch. Otolaryngol., 106: 635-638, 1980.
12. HICKS, J.; VITEK, G. - Transarterial Embolization to Control Posterior Epistaxis. Larìngoscope, 99: 1.027-1.029, 1989.
13. BHARADWAY, V. K.; NOVOTNY, G. M. - Greater Palatine
Canal Injection: An Alternative to the Posterior Nasal Packing and Arterial Ligation in Epistaxis. J. -Otolaryngol., 15 (2): 9499, 1986.
14. HICKS, J. N.; NORRIS, J. W. - Office Treatment by Cryotherapy for Severe Posterior Epistaxis-Update. Laryngoscope, 93:876-879, 1983.
15. CUMBERWORTH, V. L.; NAROLA, A. A.; BRADLEY, P. J. - Prospective Study of Two Management Strategies for Epistaxis. J. Roy Coll. Surg. Edinburgb, 36 259-260, 1991.
* Médica Pós-graduanda do Departamento de Otorrinolaringologia da Universidade de Brasília.
** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Médico Assistente e Pós-graduando do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Médico Pós-graduando do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
***** Médicos Residentes do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Este estudo foi realizado pelo Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Apresentado como trabalho pôster durante a 991 Reunião da Academia Americana de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço (New Orleans - USA) em 1995. Endereço para correspondência: Richard Louis Voegels - Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 61 andar - sala 6002 CEP 05403-000 - São Paulo /SP, Brasil - Telefax: (011) 280-0299. Artigo recebido em 27 de agosto de 1997. Artigo aceito em 23 de setembro de 1997.