ISSN 1806-9312  
Quarta, 27 de Novembro de 2024
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2552 - Vol. 64 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 1998
Seção: Artigos Originais Páginas: 20 a 24
Reconstrução Tridimensional de Acessos Cirúrgicos para Neurimoma do Acústico, Utilizando imagens de Tomografia Computadorizada.
Autor(es):
Priscila Bogar *
Edson Amarotïníor **
Rícardo F. Bento ***
Atuído Mínítí ***

Palavras-chave: osso temporal, tomografia computadorizada, neuroma do acústico

Keywords: temporal bone, computadorized tomography, acoustic neuroma

Resumo: Os autores apresentam estudo preliminar sobre reconstrução tridimensional de superfície a partir de imagens de tomografia computadorizada. Para tal, foi realizada tomografia em osso temporal conservado em formol, antes e depois da confecção de acesso retrolabiríntico e translabiríntico. Os dados foram utilizados para reconstrução de imagens tridimensionais, com o intuito de visualização do conduto auditivo interno nos diferentes acessos e para o calculo da quantidade de osso removida em cada um.

Abstract: The authors present a prelimminar study of the temporal bone using surface rendering tridimensional imaging techniques applied to computerized tomography (CT) images. An anatomical specimen of the temporal bone was used to obtain scans before and after being operated according to two different techniques: translabirintic and retrolabirintic approaches. The data were used to produce tridimensional images in order to visualize the internal auditive conduct in the different surgical views obtained and to calculate the amount of bone tissue removed.

INTRODUÇÃO

A anatomia do osso temporal é das mais complexas do organismo. O apropriado conhecimento da anatomia do osso temporal só pode ser obtido pela compreensão das inter-relações espaciais de todas as suas estruturas. Contudo, a natureza compacta do osso temporal impede a visualização direta destas estruturas. A simples descrição por palavras ou figuras em duas dimensões é de difícil compreensão. Seu conhecimento tridimensional exige muitas horas em laboratório de dissecção, tanto por parte dos estudantes quanto dos cirurgiões otológicos. A tomografia computadorizada ajudou muito nesse conhecimento anatômico, principalmente no planejamento cirúrgico, detalhando com precisão relações anatômicas que antes eram somente vistas no ato cirúrgico. Mesmo com o uso rotineiro da CT no préoperatório, o cirurgião precisa tentar formar a imagem 3D olhando vários cortes tomográficos para planejamento cirúrgico. A reconstrução tridimensional computadorizada tem sido utilizada por vários autores para o aperfeiçoamento do conhecimento do osso temporal. Alguns autores fazem essas reconstruções a partir de cortes histológicos, buscando alterações de normalidade. Moreano et cols.1 encontraram deiscência de canal carotídeo no osso temporal em 7,7% de 1.000 ossos estudados. Os mesmos autores, em outro estudo, encontraram deiscência de nervo facial em 56% e persistência da artéria estapediana em 0,489/0. Takahashi e Sando2 estudaram 20 ossos com deiscências de nervo facial, encontrando 70% destas na região da janela oval. Em estudo posterior, analisaram as distâncias relacionadas com a cirurgia de estapedectomia3. Nakashima et cols.1 estudaram os diâmetros do nervo facial, canal de Falópio, e o espaço entre o nervo e o canal nos diversos segmentos em sete ossos temporais normais, para correlacionar com a fisiopatologia da paralisia de Bell estudaram a relação espacial do nervo facial com o anel timpânico e forâmen estilomastóideo em várias idades, com a finalidade de alertar o cirurgião para as diferenças do nervo facial nas diversas faixas etárias. Gasser et Cols.6 estudaram o desenvolvimento do nervo facial em embriões humanos. Matthew e Linthicum analisaram o plexo vascular do dueto endolinfático contribuindo para o entendimento da fisiologia deste observando 61 duetos e sacos endolinfáticos em pacientes com doença de Ménière e controles, verificaram que em pacientes com hidrops o diâmetro destes é menor. reconstruíram o gânglio de Scarpa a partir de cortes histológicos em sete ouvidos de diferentes faixas etárias, confirmando que seu volume não varia mas sua forma varia, de acordo com a idade realizaram estudos com reconstrução 3D de superfície a partir de tomografia computadorizada em pacientes com doença de Ménière e pacientes controle observando que em pacientes com hidrops apresentavam abertura externa do aqueduto vestibular menor em relação aos pacientes normais.

O objetivo deste trabalho é apresentar estudo preliminar de reconstrução 3D do osso temporal, para o estudo de vias de acesso cirúrgico para neuroma do acústico.

MATERIAL E MÉTODO

Foi utilizado o osso temporal esquerdo de cadáver sem alteração otoscópica, conservado em formol. A parte escamosa do mesmo foi fixada com cola de silicone em superfície plástica de 16 x 9 cm, a qual se ajusta de forma precisa a um recipiente, também plástico, medindo 16 x 9 x 10 cm. Este foi preenchido completamente com água, sendo a peça imersa na mesma. O resultado final é uma caixa preenchida de água, tendo em seu interior a peça, mantida imóvel pela sua parte escamosa, que se acha fixada à tampa do recipiente. Todo o conjunta foi fixado a um anteparo com ajuste preciso da posição no espaço, contendo as coordenadas numeradas nos eixos x e y (plano perpendicular à mesa do tomógrafo). O resultado final obtido permitiu que a posição da peça fosse mantida constante nas oportunidades em que foram efetuadas os exames.

Todos os exames foram realizados no mesmo tomógrafo, modelo CT-PACE plus (GE - USA), com espessura de 1mm, FOV de 9 cm, algoritmo de reconstrução de alta resolução espacial (bone), 120 Kv e 80 mA, com tempo de aquisição de cada imagem de 3 segundos. Os exames foram realizados em três etapas: antes de qualquer manipulação, após acesso retrolabiríntico e após acesso trans-labiríntico.

A peça, ainda fixa no plástico, foi brocada simulando a cirurgia via retrolabiríntica, com conservação da cadeia ossicular e labirinto. Foi removido o osso sobre a dura-máter da fossa posterior desde a porção posterior do seio sigmóide até o conduto auditivo interno anteriormente. Com a peça neste estágio, foram realizados novos cortes tomográficos. Com o segundo exame concluído, foi realizada a labirintectomia para simulação da via translabiríntica e então realizado o exame tomográfico final. Os exames foram arquivados em discos ópticos para posterior análise.

Para reconstrução tridimensional foi utilizado o software do próprio aparelho de tomografia, o qual promove reconstruções baseadas num limite de unidades Hounsfield, ajustado para visualização de tecido ósseo no presente estudo. Para o cálculo do volume de osso retirado por cirurgia, as imagens foram transferidas para um microcomputador via uma câmera CCD (Sony - Tokio, Japão) conectada à uma placa digitalizadora de imagens (Oculux TCX - Coreco, Canadá). O cálculo preciso do volume de osso retirado foi conseguido com a ajuda de um software de análise de imagens (Bioscan Optimas - v.401 - Aldus Corp., EUA), o qual permite a integração da área de cada imagem, para gerar o volume a partir da espessura representada e do número de imagens.



Figura 1. Vista lateral: P = ponta da mastóide, t = osso timpânico, Z = arco zigomático, seta = espinha suprameatal.



Figura 2. Vista posterior: CAI = conduto auditivo interno, DE _ dueto endolinfático, SS = seio sigmóide, PB = pares bulbares.



RESULTADOS

Os resultados obtidos com a reconstrução tridimensional proporcionaram a identificação dos principais pontos anatômicos utilizados como referência para o cirurgião durante brocagem do osso temporal. A capacidade de posicionar a imagem em qualquer ângulo de observação possibilitou a adequada correlação do exame com a posição encontrada pelo cirurgião, quando do posicionamento cirúrgico habitual. O campo cirúrgico de visão mostrado nos filmes da reconstrução tridimensional fornece a noção da relação única das estruturas do ouvido de cada paciente, o que é de grande utilidade para o ato cirúrgico.

As Figuras 1 e 2 correspondem à reconstrução de superfície antes do brqueamento: podemos notar precisamente os pontos de reparo na superfície do osso. As Figuras 3 e 4 mostram o acesso cirúrgico retrolabiríntico: podemos notar seus limites, como o bulbo da jugular, canal semicircular posterior e soalho da fossa média. Na visualização posterior (Figura 3) notamos o conduto auditivo interno aberto, sendo o fator limitante de sua abertura o canal semicircular posterior. As Figuras 4 e 5 nos permitem comparar o espaço que os acessos retro e translabiríntico oferecem.

O tempo médio para cada reconstrução foi de 140 segundos, aproximadamente 2 segundos por imagem do estudo, o que não inviabiliza esta técnica na rotina de exames, acrescentando somente um filme a mais na documentação do exame.

DISCUSSÃO

reconstrução tridimensional tem várias aplicações para o conhecimento anatômico e planejamento cirúrgico. Através de cortes histológicos se tem a vantagem de precisão de medidas e possibilidade de análise de partes moles.A reconstrução tridimensional através da tomografia computadorizada tem a vantagem de poder ser realizada em pacientes, enquanto que a histológica tem sua utilização somente em cadáver.

Existem basicamente cinco vias de acesso para a exerese do neurinoma do acústico: subocciptal, fossa média, translabiríntica e retrolabiríntica. A via subocciptal é realizada somente por neurocirurgiões, não sendo objeto de estudo para o nosso trabalho. A via fossa média é indicada em raros casos e está praticamente abandonada, já que a via retrolabiríntica dá melhores resultados quanto à audição. A via translabiríntica foi primeiramente descrita por Panse em 1904"; porém, esta foi logo abandonada, por não haver material cirúrgico adequado para sua realização. Somente em 1962 é que House" retomou esta via, com baixos índices de mortalidade e morbidade. Esta via tem as vantagens de observação do nervo facial desde o início da cirurgia, apresentando portanto baixos índices de paralisia facial pósoperatória, e possibilidade de exerese de grandes tumores. A sua grande desvantagem é a não preservação da audição. Hitselberger & Pulec, em 1971", descreveram a via retrolabiríntica para neurectomia vestibular. Desde então, esta via também está sendo utilizada para a exerese do neurinoma do acústico, já que há possibilidade de preservação da audição.




Figura 3. Vista posterior, acesso retrolabiríntico: cai = conduto auditivo interno, asterisco = projeção do canal semicircular posterior.




Atualmente, com o advento da ressonância magnética, temos a possibilidade de diagnosticar tumores intracanaliculares de até 2 mm, sendo a sensibilidade/especificidade deste método ao redor de 98/99% (REF). Nestes casos, a audição e discriminação vocal estão muitas vezes preservadas, sendo a via retrolabiríntico uma excelente opção. A cirurgia para neurinoma do acústico requer um conhecimento anatômico preciso por parte do cirurgião. A escolha da via cirúrgica requer, além de outros fatores, a viabilidade anatômica daquele paciente, principalmente em se tratando do acesso retrolabiríntico. Neste acesso, a exerese do tumor se dá em espaço entre a duramáter da fossa posterior e seio sigmóide, canal semicircular posterior, duramáter da fossa média e bulbo da jugular. A angulação necessária à visualização do conduto auditivo interno e, portanto, ao tumor depende basicamente do espaço entre o canal semicircular posterior e o seio sigmóide. Em estudo anterior de 115 casos de cirurgia de neuroma do acústico, encontramos dificuldades geri-operatórias em 37 casos (32,17%), sendo que foi observado bulbo jugular protuso em quatro (10,81%), e seio sigmóide protuso em 28 (75,67%)1'. Por estes índices, vemos que o seio sigmóide é fator limitante para a exposição do ângulo ponto cerebelar. Logicamente é realizado o broqueamento de todo o osso sobre o seio sigmóide e duramáter anterior e posterior a este, o que permite o afastamento da fossa posterior para obtenção da angulação. Mas, mesmo assim, em alguns casos, esta angulação não é suficiente para visualização do fundo do conduto auditivo interno. O grande problema é falarmos ao paciente que sua audição ode ser preservada, e que somente durante a cirurgia poderemos ter certeza quanto a isso. A reconstrução 3D do osso temporal poderá no futuro simular esta cirurgia; assim sendo, o cirurgião já vai conhecer de antemão as dificuldades que irá encontrar no intra-operatório daquele paciente. Através da continuação deste estudo, estaremos abrindo, una nova perspectiva no planejamento cirúrgico. Ë possível realizar previamente a cirurgia no computador, já sentindo as dificuldades que serão encontradas. E, no futuro, fazer o treinamento de alunos através deste processo. Este dado pode refletir-se numa previsão do tempo cirúrgico, o qual pode ser mais preciso se associarmos o cálculo ao grau de dificuldade de acesso mostrado nas imagens de reconstrução tridimensional. Esta análise, o impacto das imagens tridimensionais no tempo cirúrgico, é objeto de um estudo em andamento realizado por este grupo.



Figura 4. Posicionamento cirúrgico, via retrolabiríntico: A = acesso, M = ponta da mastóide, z = arco zigomático, t = osso timpânico, c = conduto auditivo externo, p = canal semicircular posterior, f = soalho da fossa média, i = bulbo da jugular, asterisco = canal de Falópio, seta = bigorna.




Figura 5. Posicionamento cirúrgico, via translabiríntica:
A= acesso, M = ponta da mastóide, z = arco zigomático, t = osso timpânico, c = conduto auditivo externo, f = soalho da fossa média, j = bulbo da jugular, asterisco = canal de Falópio.




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* Doutora em Otorrinolaringologia pela FMUSP, Médica Assistente da Disciplina de Clínica ORL do HC da FMUSP.
** Médico Preceptor da Disciplina de Radiologia da FMUSP.
*** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
*** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.

Trabalho realizado nas Disciplinas de Otorrinolaringologia e Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e LIM - 32. Endereço para correspondência: Priscila Bogar, Rua Gaivota, 916 - apto 73 - São Paulo /SP - CEP: 04522-032 - Telefone e Fax (011) 448-6151, e-mail: pl@ogargibm.net.

Artigo recebido em 13 de maio de 1997. Artigo aceito em 22 de julho de 1997.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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