INTRODUÇÃOOs implantes dentários representam um grande avanço na restauração estética e funcional dos dentes. Quando realizados na arcada dentária superior, podem trazer complicações nasossinusais, via de regra determinando sua remoção. Os implantes no primeiro e segundo molares podem projetar-se para o interior do seio maxilar, levando a sinusite infecciosa7, 10, enquanto que, na região anterior (incisivos e caninos), podem trazer complicações nasais. O adequado conhecimento da anatomia nasossinusal e o controle radiológico durante sua colocação são de fundamental importância na prevenção dessas complicações1.
O objetivo deste trabalho é apresentar um caso que houve exteriorização do implante dentário para as cavidades nasais, destacando a possibilidade de um tratamento conservador que preserve o implante.
REVISÃO DE LITERATURAAs primeiras referências aos implantes dentários datam do século III a.C., descritos em antigos textos chineses de medicina. Sushruta (600 a.C.) recomendava a recolocação de dentes traumaticamente avulsionados em jovens2. Enquanto isso, os maias foram provavelmente os primeiros a conhecer implantes aloplásticos, ostentando esta prioridade já no século VIII.
Os primeiros implantes endo-ósseos aloplásticos ocorreram no início do século XIX, na forma de parafusos, agulhas, lâminas e outras derivações. Os metais utilizados eram de ouro, prata e platina, considerados inadequados pela ionização resultante do contato com os fluidos bucais, levando à proliferação exagerada dos tecidos moles e inibição da osteogênese.
Metais mais inertes, como ligas metálicas de cromo, cobalto, níquel e tântalo, sofrem menos ionização e são mais tolerados pelos tecidos. Entre estes, o titânio mostra-se como um dos metais de melhor tolerabilidade pelos tecidos bucais, embora outros, como aço inoxidável, carbono vítreo, materiais cerâmicos e ligas metálicas porosas, também apresentem essas características.
Os vários tipos de implantes dentários, osseointegrados, são fixados de diferentes formas. Atualmente, os implantes osseointegrados destacam-se pela sua alta eficiência, sendo geralmente compostos de titânio, mais curtos e utilizados na sustentação de um único dente. A osseointregração é definida como unia conexão estrutural direta e funcional entre o osso vivo e a superfície de um implante, o que geralmente demora cerca de quatro a seis meses. Esse intervalo de tempo deve ser respeitado antes de atribuir carga ao mesmo2, 3.
Devido à proximidade anatômica dos dentes superiores com as cavidades nasais e paranasais, complicações otorrinolaringológicas por manipulação, extração dentária e, especialmente, por implantes dentários intra-ósseos, são freqüentes, tais como:
Figura 1. Implante metálico perfurando o assoalho da fossa nasal até o septo.
- Rinites infecciosas.
- Sinusites infecciosas.
- Osteomielite.
- Fístulas oroantrais.
- Fístulas oronasais.
- Reação de corpo estranho.
Outras complicações dos implantes dentários são raras, mas pode ocorrer lesão neural, perda óssea, infecção, lesão no dente adjacente e nas estruturas de suporte, além de perda prematura dos implantes e fratura óssea6. As perfurações iatrogênicas do seio maxilar têm sido consideradas, atualmente, como uma das causas mais freqüentes de sinusite fúngica, especialmente pelo Aspergilus4.
APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICOJ. R. S., com 43 anos de idade, do sexo feminino, branca. Refere ter procurado odontologista para colocação de implante dentário, há seis meses. Durante a cirurgia, teve dor e sangramento na fossa nasal e, desde então, vem apresentando secreção nasal bilateral, de aspecto purulento associado a epistaxes leves e recorrentes.
Ao exame otorrinolaringológico, observou-se presença dos implantes metálicos cruzando ambas as cavidades nasais nos seguintes locais:
- Do assoalho da fossa até o septo à direita (implante em agulha) (Figura 1).
- Do assoalho da fossa até o corneto inferior esquerdo (implante em parafuso).
- Da porção inferior do septo nasal em direção ao corneto inferior esquerdo (implante em agulha).
Figura 2. Raio-X dos seios da face demonstrando: dois implantes agulhados penetrando nas fossas nasais, atingindo o repto nasal e um implante em parafuso transfixando o palato.
A paciente apresentava prótese dentária fixa e bem adaptada.
No exame radiológico dos seios da face, foram visualizados: dois implantes agulhados penetrando nas fossas nasais, atingindo o septo nasal e um implante em parafuso transfixando o palato (Figura 2).
Foi proposto um tratamento conservador, removendo somente a porção exteriorizada do implante, objetivando a preservação e a fixação da prótese dentária. A cirurgia foi realizada sob anestesia geral e, após retração dos cornetos com vasoconstritor, foi possível uma boa vizualização dos implantes no interior das fossas nasais. Estes foram seccionados e desgastados com micromotor e broca de diamante, até próximo à sua emergência no osso maxilar, preservando a mucosa do assoalho nasal adjacente ao mesmo. Foi utilizada antibioticoterapia (cefalexina) por 10 dias.
No pós-operatório, a paciente evoluiu com regressão da sintomatologia. Não houve prejuízo da fixação do implante (Figura 3), ocorrendo boa epitelização da cavidade nasal, recobrindo os mesmos (Figura 4).
DISCUSSÃOA presença de um corpo estranho intra-nasal e/ou sinusal constitui uni reservatório de bactérias e, conseqüentemente, favorece infecções de repetição. O tratamento consiste na sua retirada, geralmente resultando na remoção do implante6.
Figura 3. Pós-operatório: observa-se que não houve prejuízo na fixação do implante.
Figura 4. Nota-se boa epitelização da cavidade nasal após remoção da porção dos implantes exteriorizados.
Em pacientes que apresentam uma camada óssea muito delgada na arcada dentária superior, alguns autores têm proposto a colocação de um enxerto ósseo sob o mucoperiósteo do seio maxilar, elevando seu assoalho previamente à colocação do implante dentário, com o objetivo de reduzir as fistulas oroantrais e outras complicações sinusais5, 8, 9, 11.
No caso apresentado, foram utilizados os implantes agulhados e o de parafuso, para fixação de uma prótese externa. Esses são normalmente de tântalo e fixam-se perfurando o tecido ósseo na sua profundidade. Na colocação, deve-se atentar para o comprimento (geralmente longos), direção e angulação, que devem ser adequados à zona de implantação.
Para evitar perfuração do assoalho da fossa nasal e seio maxilar, é necessária uma tomografia computadorizada, para avaliar a anatomia e determinar medidas da densidade óssea1.
Quando existem complicações maiores, como osteomielite e fístulas, há necessidade de remoção de todo o implante e debridamento cirúrgico do osso acometido. No caso apresentado, não foram identificadas estas complicações, sendo indicada a secção da porção intranasal do implante na tentativa de preservar a fixação da prótese.
Devido à resistência do material, utilizamos brocas diamantadas para seccioná-los, ocorrendo desgaste completo da broca durante o procedimento, inutilizando-a.
O implante foi desgastado até a emergência no osso, possibilitando que a mucosa nasal se regenerasse, cobrindo completamente o mesmo.
Alguns autores consideram a retirada apenas da porção exteriorizada do implante, preservando-se o mesmo, desde que haja uma perfeita fixação da prótese. Se houver instabilidade do implante e/ou complicações maiores, deve ser feita a remoção completa1.
COMENTÁRIOS FINAISNa colocação dos implantes dentários pode ocorrer sua exteriorização para cavidade nasal ou sinusal, proporcionando infecções. Na ausência de outras complicações maiores, pode-se tentar remover somente a porção exteriorizada do implante, preservando a sustentação da prótese, evitando sua remoção.
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* Professor Associado da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Professor Doutor da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Pós-Graduanda da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Médica Otorrinolaringologista da Clínica Otorhinus - São Paulo/ SP.
Trabalho realizado na Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e no Centro de Estudos Alexandre Médicis da Silveira, na Clínica Otorhinus. Apresentado na 11ª Reunião da Sociedade Brasileira de Otologia e 2° Encontro Brasileiro de Trabalhos Científicos em Otorrinolaringologia, de 2 a 6/11/1995, em Belo Horizonte /MG.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Ricardo F. Bento - Rua Pedroso Alvarenga, 1255, Conjt°. 22 - 04531-012 São Paulo /SP - Telefone: (0xx11) 3064-6556.
Artigo recebido em 9 de dezembro de 1999. Artigo aceito em 9 de fevereiro de 2000.