INTRODUÇÃOMuitos membros das sociedades mais desenvolvidas exibem desproporção entre o tamanho do maxilar e do dente. Esta desarmonia gerada pela incompatibilidade entre o espaço existente e o tamanho do dente favorece a inclusão ou retenção do dente no interior do tecido ósseo (Howe, 1960).
A presença de dente no trato naso-sinusal pode ser tanto por erupção ectópica quanto por resultado de uma mobilização devida à extração dentária ou trauma.
Pode ocorrer em uma variedade de locais, como órbita, cavidade nasal, seio maxilar, palato, condilo da mandibula e processo coronóide ou através da pele9, 3, 6.
O dente ectopicamente eruptado pode ser decíduo, permanente ou supernumerário, sendo este o mais comum6.
A incidência de dentes supernumerários varia de 0,1 a 1% da população; e, destes, apenas um pequena porcentagem desenvolve na região naso-sinusal3, 6, 11, 13.
Sua embriogênese não está clara, e alguns autores acreditam que existe possivelmente uma tendência familiar para sua ocorrência13.
A dor facial é um dos possíveis sintomas provocado pela presença de dente ectópico no trato naso-sinusal, cujo mecanismo discutiremos posteriormente.
APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICOPaciente M. L. P. A., do sexo feminino, com 49 anos de idade, procurou o Serviço de Otorrinolaringologia em 4/8/97 com queixa de dor facial há aproximadamente um ano, de localização naso-frontal direita, em peso, de intensidade e freqüência moderadas, geralmente aliviada por analgésico comum. Piora da dor nos últimos meses, agora com extensão também à região maxilar.
Ao exame de orofaringoscopia, apresentava ausência de todos os dentes que haviam sido extraídos previamente, não havendo história de possível deslocamento dentário. Restante do exame ORL, sem alterações.
Foi realizado RX de seios da face, constatando-se pequena imagem radiopaca junto ao ângulo látero-inferior de seio maxilar direito. Foi então solicitada tomografia computadorizada de seios da face nas incidências coronal e axial, que mostrou imagem ovalada de densidade óssea, com cerca de 15 x 4 mm localizada na parede póstero-ínfero-lateral de seio maxilar direito, estando parte projetado no seio e parte em fossa pterigopalatina, e sugestivo de dente ectópico.
Indicada remoção cirúrgica da lesão, esta foi feita em 19/3/98, cirurgia de Caldwell-Luc, sob anestesia geral, e remoção completa e inteira da peça, confirmando se tratar de um dente pré-molar, com 1,6 cm comprimento. Ato cirúrgico transcorreu sem complicações, com paciente recebendo alta hospitalar no dia seguinte ao da cirurgia.
Foto 1.
Paciente, já nos primeiros retornos no pós-operatório, informava não estar mais apresentando dor facial, sendo que após a última visita, oito meses depois da cirurgia, e mantendo-se assintomática, foi liberada.
O exame anatomo-patológico da peça cirúrgica, confirmou dente com características habituais.
DISCUSSÃOPor ser evento raro, a literatura não apresenta muitos trabalhos sobre este assunto, sendo que o mais completo foi realizado por Smith e colaboradores, que em 1979 apresentaram 27 casos bem documentados. Isto contribui para que exista algumas dúvidas sobre o assunto, sobretudo quanto a sua etiologia, para o quê algumas hipóteses têm sido colocadas, tais como: deslocamento dentário por trauma da cavidade oral ou cistos, distúrbio de desenvolvimento ou união incompleta, como na fenda palatina; infecção maxilar, seja odontogênica ou rinogênica; fatores genéticos; restrições de espaço devidas à excessiva dentição, dentes descíduos persistentes ou osso excepcionalmente denso9, 3.
Esta última hipótese (restrição de espaço) talvez seja a que melhor se aplicaria neste caso.
A história clínica e o exame físico descartam as outras possibilidades, inclusive a de descolamento por trauma, apesar de a paciente haver tido todos os dentes extraídos. Foram negadas pela paciente qualquer intercorrência ou complicação durante extrações; e, além do mais, no caso de deslocamento por trauma, os dentes mais comumente deslocados, por sua situação anatômica, são, pela ordem o 1° molar e o 2° molar4, 8, 12, 7.
Foto 2.
O dente ectópico removido neste caso era um pré molar localizado em território inervado pelo ramo maxilar do trigêmio (V par)5. Acreditamos que esta dor se deva muito mais a uma irritação ou distensão do periósteo do seio maxilar, do que a irritação da mucosa sinusal, a qual é pouco sensível ao estímulo da dor2.
Outros sintomas, como obstrução nasal, epistaxe, rinorréia e cacosmia, são mais comuns quando o dente ectópico tem localização intranasal. O dente ectópico intranasal ou intrasinusal pode ainda ser completamente assintomático, sendo apenas notado casualmente, durante exame clínico ou radiológico9, 3.
O diagnóstico deve ser confirmado por exame radiológico, sendo a tomografia computadorizada dos seios paranasais o exame mais adequado, não só para o diagnóstico, mas também para o manejo cirúrgico.
O diagnóstico diferencial deve ser feito com exostose, corpo estranho, antrolito, tumores e seqüestro ósseo9, 3, 10. A presença de dente incluso naso-sinusal pode levar a várias complicações, como sinusite crônica, aspergilose e fístula oroantral3.
Em todos os trabalhos por nós revisados, houve absoluta concordância quanto ao tratamento, que deve ser cirúrgico, sendo a cirurgia de Caldwell-Luc a melhor abordagem para remoção do dente ectópico.
COMENTÁRIOS FINAISDor facial e cefaléia são queixas bastante comuns na consulta otorrinolaringológica; e, talvez por isso, o risco de uma simplificação no diagnóstico causal seja maior, associando-se estes sintomas com patologias mais freqüentes como sinusite ou enxaqueca, o que, eventualmente, pode estar errado.
Foto 3.
Foto 4.
Ananmese bem feita e um exame otorrinolaringológico completo são importantes para se tentar evitar estes equívocos; e, assim, podermos diagnosticar e tratar outras causas menos freqüentes como impactação septal, distúrbio oclusivo ou de ATM, exostose e dentes ectópicos.
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* Coordenador do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Socor.
** Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Socor.
***Médica Estagiária do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Socor.
Trabalho realizado no Hospital Socor - Belo Horizonte/ MG.
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Artigo recebido em 1° de dezembro de 1999. Artigo aceito em 19 de janeiro de 2000.