INTRODUÇÃOAs cavidades nasais são sentinelas do trato respiratório inferior, apresentando como função principal o condicionamento do ar inspirado. A mucosa nasal, com sua submucosa apresentando vasculatura característica, principalmente nas conchas nasais, está adaptada para a homeostase e condicionamento do fluxo aéreo nasal3-5.
A obstrução nasal é uma das queixas Irais freqüentes em otorrinolaringologia e está associada a afecções inflamatórias crônicas nasossinusais, assim como a alterações estruturais do septo e da parede lateral do nariz. As rinites alérgicas, as reacionais, as eosinofílicas não alérgicas, quando não tratadas e/ ou descompensadas podem evoluir para a rinite crônica hipertrófica.
A rinite crônica hipertrófica é caracterizada histologicamente por processo inflamatório crônico, com hiperplasias fibrosa e glandular com deposição de colágeno na lamina basal sub-epitelial. Modificações dessa natureza, que afetam principalmente as conchas nasais, são irreversíveis e sem possibilidade de sucesso terapêutico clínico10-11. Das alterações estruturais, além das deformidades de septo nasal, as variações morfológicas das conchas inferior e média induzem à obstrução nasal crônica. A concha inferior medializada e as conchas médias bolhosa e a paradoxal são exemplos prevalentes de obstrução nasal de causa estrutural.
Atualmente, a cirurgia nasossinusal permite o tratamento simultâneo destas afecções, com o objetivo de otimizar a permeabilidade nasal. O desenvolvimento de instrumental cirúrgico nasossinusal evoluiu muito, principalmente a videoendoscopia e o microdebridador nasal, permitindo o acesso detalhado das estruturas nasais e técnicas de ressecado de tecidos mais elaboradas e precisas1-7-9. A turbinectomia das conchas nasais inferior e média é um dos procedimentos mais executados e ainda controverso quanto às complicações e aos resultados. Entre as complicações mais freqüentes, são citadas a hemorragia nasal, a formação de sinéquias e mesmo a sinusite maxilar crônica2-6-10-11.
É o objetivo deste trabalho expor nossa técnica cirúgica e experiência a curto prazo de turbinectomia das conchas inferior e média, com videoendoscopia e microdebridador, em pacientes portadores de obstrução nasal crônica que necessitaram desta cirurgia, em adição à cirurgia raso-sinusal.
MATERIAL E MÉTODOSForam analisados 41 pacientes, adultos, de ambos os sexos, submetidos à turbinectomia das conchas nasais inferiores e ou médias, associada ou não a outros procedimentos intranasais, cuja queixa básica era obstrução nasal crônica, no período de janeiro de 1999 a junho de 2000.
Os pacientes foram submetidos ao procedimento cirúrgico, sob anestesia geral e com complementando anestésica local, nas conchas nasais a serem ressecadas, com 1,8 a 2,5 ml de xylocaína a 2%, com norepinefrina a 1:200.000.
O endoscópio utilizado foi o de 4 mm, de 0° e ou 30°, acoplado à microcâmera Stortz Telecom SL NTSC, com monitor Sony HR Trinitron e fonte de luz Dyonics Dyobrite 3.000. O endoscópio a 0° permite campo de visão mais amplo em relação ao de 30°, facilitando o procedimento. A turbinectomia foi feita com o microdebridador Xomed XPS 2.000, com sonda de 4 mm, cortante. Este equipamento permite a irrigação com soro fisiológico e a aspiração do material ressecado e do sangue em tempo real, mantendo o campo da visão endoscópica limpo e claro. A turbinectomia do C.1. foi feita usualmente da direção caudal para a cefálica, em ambas as faces, medial e lateral, até atingir a porção óssea, que fica exposta. Dependendo do volume desta estrutura óssea, esta pode ser ressecada de forma precisa e criteriosa, com as tesouras anguladas. A turbinectomia do C.M. é feita de forra semelhante, até a origem aparente desta estrutura nas células etmoidais; desta forra, evita-se expor as células da bolha etmoidal e as células etmoidais posteriores, situadas posteriormente à lamela basal do etmoide. Eventuais pontos de hemorragia são controlados com eletrocoagulação.
Para evitar sinéquias entre a área turbina cruenta e o septo nasal, foi colocado em todos os casos o splint septal de Neiman, de silastic, fixo por ponto transfixante no septo nasal, na área do átrio, com mononáilon 4-0, com agulha de 1,95 cm, cortante. A tala nasal foi mantida até o décimo dia de pós-operatório, quando foi removida. O tamponamento nasal, anterior, foi feito de forma rotineira, com gaze de metro embebida em Omcylon AM®, creme, que foi retirado no segundo dia de pós-operatório, quando o paciente obteve alta hospitalar.
Nas três primeiras semanas de pós-operatório, foi recomendada ao paciente irrigação nasal com solução salina isotonica três a quatro vezes ao dia,- com o objetivo de evitar acúmulo de crostas hemáticas na cavidade nasal. A primeira visita pós-operatória de rotina foi agendada para o décimo dia, sendo feita a remoção da tala nasal de Neiman e remoção do excesso de crostas hemáticas.
RESULTADOSAs turbinectomias foram bilaterais e executadas complementando ou não outros procedimentos intranasais, em 41 pacientes portadores de obstrução nasal crônica. A distribuição dos procedimentos cirúrgicos está indicada na Tabela 1 e Gráficos 1 e 2.
Não ocorreram casos cirúrgicos de turbinectomias isoladas; elas foram bilaterais e associadas a outros procedimentos intranasais: 51% (21/41) a septoplastia, 32% (13/41) a cirurgia endoscópica nasossinusal técnica de Messerldinger e 17% (7/ 41) a ambos os procedimentos.
A maioria das turbinectomias foram realizados sobre as conchas nasais inferiores, em 63% (26/41) dos casos. As turbinectomias das conchas nasais inferiores foram em sua maioria associadas à septoplastia de Cotle-Guillèn, em 73% (19/26) dos casos. As turbinectomias das conchas nasais médias foram em sua maioria associadas à cirurgia endoscópica nasossinusal, técnica de Messerldinger, em 87% (13/15) dos casos.
TABELA 1 - Distribuição das turbinectomias com as cirurgias endonasais nos 41 pacientes portadores de obstrução nasal crônica.
Legenda: FESS: cirurgia endoscópica nasossinusal; C.I.: turbinectomia da concha nasal inferior; C.M.: turbinectomia da concha nasal média.
Gráfico 1. Tipos de turbinectomia realizados. N = 41: C.L: turbinectomia da concha nasal inferior; C.M.: turbinectomia da concha nasal média.
Gráfico 2. Procedimentos cirúrgicos associados. N = 41. Septo: septoplastias; FESS: cirurgia endoscópica nasossinusal.
A turbinectomia por via endoscópica e com microdebridador é feita em aproximadamente 15 minutos (para cada concha nasal) e a visão e controle sobre o campo operatório são precisos. O sangramento intraoperatório é mínimo.
Nesta casuística, não ocorreram casos de epistaxe pós-operatória no pós-operatório imediato e/ou tardio (considerando tardio até duas a três semanas após cirurgia). As sinéquias indesejáveis entre septo e corpo da concha nasal, média, ocorreram em 5% (2/41) dos casos. Estas sinéquias foram entre 2 e 3 mm de espessura por 5 mm de extensão - e foram posteriormente corrigidas.
Todos os pacientes aceitaram e fizeram a irrigação nasal salina isotônica - na maioria, três vezes ao dia. Na primeira consulta pós-operatória de rotina, constatou-se ser a obstrução nasal uma queixa freqüente e associada à formação de crostas hemáticas e fibrina no átrio nasal, no nível da sutura da tala septal de Neiman. Na remoção da tala, constatou-se que a maior parte das crostas hemáticas e fibrina encontrava-se aderente à mesma; e que a simples remoção da tala tomou ambas as fossas nasais pérvias, com alívio significativo da obstrução nasal. A formação de crostas nas conchas nasais submetidas á turbinectomia permaneceram parcialmente durante três a seis semanas, na fase de cicatrização. Após a sexta semana da cirurgia, a estrutura óssea das conchas nasais apresentou-se revestida com a mucosa nasal, macroscopicamente sadia.
DISCUSSÃOAs técnicas de turbinectomia remontam ao século 19, por Hartmann, em 1890, e os primeiros procedimentos foram turbinectomias parciais na cauda das conchas inferiores, que eram ressecadas com alça fria10-11. Atualmente, além da técnica convencional de turbinectomia com tesouras, existem outras técnicas, que dependem primordialmente do equipamento empregado, tais como o eletrocautério, o bisturi elétrico e eletrocoagulação, a radiofreqüência, o laser e o microdebridador1-6-7-9-10-11.
A maioria destes equipamentos permite a ressecção das partes moles da concha nasal, proporcionando resultados satisfatórios a médio e longo prazos em 80% a 100% dos casos11. Uma das intercorrências mais temidas da turbinectomia é a hemorragia, geralmente da cauda do corneto inferior e proveniente da artéria turbinal inferior, com uma prevalência variável de 0,5% a 10%6-8-10-11-12.
A turbinectomia auxiliada por videoendoscopia e microdebridador foi proposta por Davis e Nishioka, em 19944. O microdebridador permite o corte e esmagamento dos tecidos, diminuindo o sangramento da extensa rede vascular da submucosa nasal durante o ato cirúrgico. A remoção de toda a submucosa inclui os espaços vasculares sinusóides, sem capacidade de contração, que potencialmente produzem hemorragia no pós-operatório. A exposição do esqueleto ósseo da concha permite sua mais precisa ressecção. A hemostasia final é feita com eletrocoagulação nos vasos mais calibrosos adjacentes à estrutura óssea da concha.
Na amostragem deste trabalho, as turbinectomias inferiores estiveram associadas às septoplastias em 73% dos casos, geralmente por hiperplasia da submucosa e associadas eventualmente a uma estrutura óssea da concha nasal inferior extremamente medializada. As turbinectomias médias estiveram associadas as cirurgias endoscópicas nasossinusais, com bloqueio ostiomeatal. Nestes casos, as alterações estruturais mais freqüentes foram a concha média bolhosa e/ou a concha média paradoxal. O trabalho do microdebridador foi sobre a face medial da concha nasal média, seguido de medialização da face lateral, estimulando, neste caso, a formação de sinéquia entre a concha média e o septo nasal, com o objetivo de ampliar a área livre do meato médio.
O procedimento cirúrgico é significativamente mais prolongado em sua execução, quando comparado com a turbinectomia clássica constituída da luxação medial da concha e a turbinectomia com as tesouras anguladas. Usualmente pela via endoscópica e com microdebridador é um trabalho mais lento, o que é compensado pela maior precisão da turbinectomia e hemostasia mais eficaz, diminuindo os riscos da temível hemorragia nasal pós-operatória.
A formação de fibrina e crostas hemáticas obstrui parcialmente as fossas nasais, sendo aliviadas pela irrigação salina isotônica. A manutenção da tala septal de Neiman até o décimo dia de pós-operatório evita a necessidade de curativos nasais pós-operatórios repetitivos e previne a formação de sinéquias entre o septo e as conchas nasais. Na nossa experiência, a retirada da tala septal de Neiman no décimo dia, com a remoção da fibrina e crostas hemáticas aderentes à mesma, alivia de forma permanente e significativa a obstrução nasal.
Nesta série não se observaram casos de hemorragia nasal no pós-operatório imediato, talvez devido ao pequeno número da amostra (N=41). É provável que esta técnica proporcione baixa prevalência desta complicação. As sinéquias entre septo e concha nasal média, indesejáveis, prevalentes em 5% (2/41) dos casos, formaram-se na área não coberta pela tala nasal. Foram removidas, entre o terceiro e sexto mês de pós-operatório, como procedimento ambulatorial, no consultório, sem intercorrências. A retirada tardia das sinéquias é vantajosa, pela redução significativa de sua vascularização após o terceiro mês de pós-operatório e pela sua menor incidência de recidiva.
CONCLUSÃOA turbinectomia auxiliada por via endoscópica e microdebridador permite um controle mais efetivo sobre as estruturas a serem removidas, facilitando: (1) a conservação parcial das conchas, aliviando o sintoma da obstrução nasal, sem interferir com a função respiratória; e (2) no controle da hemostasia, prevenindo as hemorragias pós-operatórias. Esta técnica proposta não invalida as existentes, observando que um bom resultado cirúrgico depende principalmente da indicação precisa do ato cirúrgico, assim como do bom senso durante sua execução.
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* Professor Adjunto da Clínica de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
** Professor Instrutor e Mestre em Otorrinolaringologia da Clínica de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
*** Pós-graduando da Clínica de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
Trabalho executado na Clínica de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
Artigo recebido em 7 de agosto de 2000. Artigo aceito em 14 de setembro de 2000.