INTRODUÇÃOEmissões otoacústicas representam as respostas que a cóclea emite em forma de energia acústica. O reconhecimento de que a cóclea não apenas recebe sons, mas também produz energia acústica, tem sido um dos maiores fatores para a elaboração de teorias em relação à função coclear.
Em 1948, Gold16propõe a existência de sistema mecânico positivo de feed-back localizado dentro da cóclea, o que aumentava o movimento da membrana basilar, consistindo de processo de transdução mecânico-elétrico acoplado a um processo de transdução elétrico - mecânico. E já prediz, nessa época, a presença da emissão otoacústica.
Kemp20 em 1978, é o primeiro pesquisador a comprovar que a energia era realmente emitida pela cóclea e que ela pode ser registrada como vibrações acústicas no meato acústico externo, usando-se métodos e equipamentos adequados. Elas estão associadas a processos não lineares presentes em cócleas normais, os quais aumentam a sensitividade e a seletividade de freqüências da orelha interna. Considera-se que a sua origem esteja associada aos processos mecânicos das células ciliadas externas, mediados através da ação das vias nervosas auditivas eferentes.
Desde sua descoberta, vários pesquisadores têm investigado este fenômeno como unia possível base para testagem clínica da função coclear.
A aplicação clínica usual da captação das emissões otoacústicas refere-se à avaliação da função coclear, como rastreamento para perdas auditivas em recém-nascidos e na monitorização da função auditiva, investigando a função coclear em indivíduos expostos a ruídos intensos e em pessoas que fazem uso de medicação ototóxica23. Em nosso meio, vários autores têm estudado a presença de emissões otoacústicas espontâneas e evocadas, principalmente em recém-nascidos de risco15, 24. Estudos diversos têm sido feitos em pacientes portadores de zumbidos, sem, contudo, se ter conseguido chegar a conclusões definitivas.
A função auditiva normal depende de mecanismos cocleares ativos e passivos.
Um processo ativo tem lugar no interior da cóclea, em resposta à estimulação sonora. Neste processo, ocorre a amplificação do som; e, ao que tudo indica, as células ciliadas externas têm uma participação essencial. A motilidade dessas células leva a um aumento e modulação da onda de deslocamento existente na membrana basilar, quando estimulada por um tom acústico.
Quando a cóclea é estimulada por um som, ocorre, a partir do movimento do estribo, o desenvolvimento de uma onda que se propaga através dos líquidos labirínticos, provocando uma movimentação da membrana basilar, e o conseqüente deslocamento das células ciliadas externas-inicialmente, em direção à membrana tectória. Devido à existência de diferenças de fases nos movimentos dessas duas membranas, os cílios se fletem, provocando a abertura de canais iônicos, de potássio, nos estereocíliós, fazendo a sua despolarização e criando uma mudança na polaridade das membranas das células ciliadas externas. Isto leva ao encurtamento e alongamento destas células e, de alguma forma, esse movimento está acoplado, retrogradamente, ao movimento da membrana basilar, podendo aumentá-lo. Componentes desse movimento, induzido pela alteração do comprimento das células ciliadas externas, poderiam participar, de alguma maneira, na formação das emissões otoacústicas6, 7, 8.
Ao contrário do que ocorre com as células ciliadas internas, as externas contêm proteínas, como actina, miosina, fibrina e tropomiosina, as quais tomam parte na contração muscular13.
É geralmente aceito que a movimentação das células ciliadas externas constitui-se em um "amplificador coclear" e que controla a sensitividade da cóclea10.
Evidências anatômicas e fisiológicas sustentam a função interdependente das duas orelhas coordenadas através das vias neurais eferentes, que ligam um lado do sistema auditivo ao outro, através dos componentes medial e lateral do sistema olivococlear, os quais podem ser distinguidos tanto de acordo com suas projeções quanto pela localização de seus corpos neuronais respectivos, nas regiões medial e lateral dó complexo olivar superior14, 28, 29.
O feixe olivococlear medial, que é composto de, aproximadamente, 80% de fibras nervosas cruzadas e 20% de fibras ipsilaterais, projeta suas terminações, com predominância, para a cóclea contralateral. Elas terminam abaixo das células ciliadas externas18. Esse feixe possui uma população de fibras relativamente espessas, mielinizadas, fazendo sinopses com estas células. Esses neurônios encontram-se, medianamente, ventralmente ou rostralmente, nas zonas periolivares e têm relação com o campo de projeção do núcleo coclear ventral contralateral29.
O feixe olivococlear deixa o tronco cerebral como um componente da divisão inferior do nervo vestibular29. Na região do gânglio sacular, essas fibras abandonam o nervo sacular, formando a anastomose vestíbulo-coclear de Oort, e seguem um curso em direção apical, no interior do feixe espiral intra-ganglionar5, passando através da lâmina espiral óssea, radialmente ou em espiral. Depois de entrar no órgão de Corti, as fibras eferentes mediais chegam às células ciliadas externas, junto com as fibras radiais superiores do túnel (Figura 1)30.
Observa-se que o feixe medial faz sinapses com as células ciliadas externas. Através de sua atuação, tanto sons contralaterais quanto ipsilaterais afetam a atividade dessas células, pela liberação de transmissores químicos, por exemplo: Acetilcolina13.
Figura 1. Adaptado de Warr e colaboradores30, 1986 - Sistema olivococlear eferente.
NOEM: Núcleo olivococlear eferente medial; NOEL: Núcleo olivococlear eferente lateral; SOEM: Sistema olivococlear eferente luedial; SOEL: Sistema olivococlear eferente lateral; Dafer: dendritos aferentes; Fefer: fibras eferentes; CCI: células ciliadas internas; CCE: células ciliadas externas.
Assim, as fibras eferentes desempenham um importante papel no ajuste do mecanismo ativo, que envolve as células ciliadas externas4, 21.
O efeito eferente mais conhecido constitui-se na diminuição do potencial de ação do nervo auditivo. Esse potencial é produzido por descargas sincrônicas das fibras auditivas aferentes radiais, mielinizadas, que inervam as células ciliadas internas, sem contribuição das fibras auditivas aferentes espirais, não mielinizadas, que inervam as células ciliadas externas. Pode-se pensar, então, que o sistema eferente medial, que faz sinapse com estas células, aja sobre as descargas das fibras auditivas aferentes que inervam as células ciliadas internas. Uma explicação para esse fenômeno, observável em cobaias, pode ser que o sistema eferente medial exerce um efeito de depressão sobre o movimento da membrana basilar em resposta ao som11, 17.
Além do efeito inibitório sobre o potencial de ação do nervo auditivo, o sistema eferente pode também atuar nos potenciais cocleares. Ele provoca o aumento da amplitude do microfonismo coclear26. O microfonismo coclear é produzido por um movimento de freqüência sonora que muda a resistência dos estereocílios das células ciliadas externas, levando à criação de um fluxo elétrico corrente através destas células e da cóclea10. A estimulação eferente, pelo aumento da condutância basolateral destas células e pela sua hiperpolarização, aumenta este fluxo corrente e, portanto, aumenta o microfonismo coclear.
No ser humano, essa hiperpolarização nunca foi medida; imas, em vários sistemas ciliares não mamíferos, a estimulação eferente aumenta a condutância e hiperpolariza as células ciliadas externas13.
Numerosos estudos demonstram a supressão de emissões otoacústicas e a inibição da atividade elétrica do nervo auditivo em animais27, estimulando-se eletricamente as fibras nervosas ou os núcleos do sistema auditivo nervoso eferente - assim como é observada também a supressão das emissões transientes e espontâneas, em seres humanos, usando-se estimulação acústica contralateral1, 9.
O estudo das emissões otoacústicas pode ser feito para caracterizar se o acometimento é sensorial ou neural, levando-se em consideração cada lado isoladamente9.
A captação das emissões otoacústicas mostra-se útil, contudo, não apenas na análise da integridade das orelhas Individualmente. Pode também ser usada para avaliar interações entre elas, através do estudo da supressão destas emissões, seguindo-se a apresentação de estímulos adicionais à mesma orelha, a oposta ou as duas orelhas simultaneamente2, 23.
Nos indivíduos normais, a estimulação contralateral, através da atuação das vias nervosas auditivas eferentes, poderia provocar uma inibição das respostas cocleares, com a conseqüente diminuição da amplitude do registro das emissões otoacústicas19. No entanto, nos indivíduos portadores de doenças retrococleares, não deveria haver essa redução no registro das emissões3.
A partir destes dados, colocamos como objetivos deste trabalho os seguintes:
1) Comparar as EOAs transientes e produto de distorção obtidas em indivíduos normais, com e sem estimulação contralateral.
2) Compararas EOAs obtidas com estimulação contralateral em indivíduos normais e em pacientes com doenças retrococleares.
CASUÍSTICA E MÉTODONossa casuística consta de uni grupo de indivíduos com audição normal e outro de portadores de doença retrococlear, atendidos nos anos de 1997 e 1998.
Todos os indivíduos participantes deste estudo foram esclarecidos a respeito dos procedimentos a que seriam submetidos, bem como sobre os seus objetivos; após o quê, foi obtida a anuência de cada um dos examinados. Os estudos obedeceram às normas éticas estabelecidas e foram devidamente aprovados, antecipadamente, pela Comissão de Ética da FMUSP.
O primeiro grupo, constituído de 48 indivíduos, com faixa etária entre 18 e 27 anos, tinha audição normal e sem história pregressa de afecções otológicas, sendo 46 do sexo feminino e 2 do sexo masculino.
O segundo grupo foi composto de nove indivíduos, com faixa etária entre 33 e 76 anos, sendo quatro mulheres e cinco homens, todos tendo afecções retrococleares, localizadas no nível do nervo auditivo ou no tronca cerebral, até a altura do complexo olivar superior. Estes indivíduos tinham sido submetidos, anteriormente, ao exame clínico neurológico e avaliações por imagem, tanto através de tomografia computadorizada de crânio quanto por ressonância magnética.
Todos os indivíduos participantes do nosso estudo foram submetidos ao teste de captação das EOAs transientes e produto de distorção, sem e com estimulação contralateral, na seguinte ordem:
- EOAs transientes com click linear ou não-linear, sem estimulação contralateral.
- EOAs produto de distorção, sem estimulação contralateral.
- EOAs transientes com click linear ou não-linear, de acordo com a primeira pesquisa, usando-se estímulos contralaterais.
- EOAs produto de distorção, com estimulação contralateral.
Para o registro das emissões otoacústicas, foi utilizado o sistema Celesta 503 - Cochlear Emissions Analyser (Versão 3.xx), fabricado pela Madsen Eletronics.
O ruído supressor, de banda estreita, apresentado contralateralmente, foi gerado através de um audiômetro Madsen Eletronics, modelo 0B40, que possuía filtros sonoros, possibilitando-se a saída do ruído com intensidades mais efetivas em faixas de freqüências determinadas, de 125 Hz a 500 Hz; de 750 Hz a 3.000 Hz; de 4.000 Hz a 8.000 Hz. Permitiu-se, assim, a sua apresentação nas faixas mais específicas das freqüências testadas, quando foi realizado o exame para a detecção de supressão nas emissões otoacústicas produto de distorção.
Ao iniciar o exame, foi verificada sistematicamente a permeabilidade da sonda utilizada, para evitar possíveis bloqueios pré-existentes, como por exemplo, por cerume - o que poderia alterar o resultado do respectivo exame. Dessa mesma maneira, procurou-se sempre deixar o meato acústico externo limpo, evitando-se a produção de artefatos. Além disto, alguns cuidados adicionais foram tomados, pois a sonda contém delicado transdutor, não devendo ser dobrada, colocada em contato com líquidos ou danificada de qualquer forma.
Antes do início de cada etapa da captação das emissões, foi testado o ajustamento da sonda, com esta já colocada no meato acústico externo, para adequação das condições de sua estabilidade - recurso este possível com o equipamento utilizado. Esse procedimento permite otimizar a posição da sonda no meato acústico externo do indivíduo, obtendo-se, desta forma, medidas confiáveis e reproduzíveis.
Para a captação das emissões otoacústicas transientes, foram utilizados como estímulos sonoros clicks não-lineares, sendo três clicks de uma polaridade e um click de polaridade inversa, com amplitude três vezes maior do que a do primeiro click, de 100 m/seg de duração, com intensidade de 70 a 80 dBNPS, em um número total de 3.000 estímulos aceitos. Foram utilizados também em alguns indivíduos clicks lineares, sendo todos os estímulos de mesma polaridade, com largura do pulso de aproximadamente 100 m/seg, com intensidade de 60 dBNPS, na quantidade total de 3.000 estímulos aceitos.
A presença ou não da supressão foi verificada tanto com clicks lineares quanto com não-lineares. As freqüências abrangidas pelo estímulo estão compreendidas entre 500 Hz e 4.000 Hz. Os clicks apresentados como estímulos foram condensados.
Para a captação dos produtos de distorção, foram utilizados tons puros de freqüências diferentes, na relação f2/f1=1,22, para a região de 750 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz, 3.000 Hz, 4.000 Hz, 6.000 Hz e 8.000 Hz. Os tons puros, que eram de intensidade de 70 dBNPS, foram apresentados num número máximo total de 1.000 estímulos, mas que poderia ser menor, levando-se em consideração já se ter conseguido registros significativos da emissão otoacústica. A captação destas emissões foi obtida através da relação (2f1/f2).
Posteriormente, foram novamente captadas essas emissões, mas com a apresentação concomitante de ruído de banda estreita à orelha contralateral. A intensidade do ruído foi com 5 a 10 dB, aproximadamente - acima do que os estímulos sonoros anteriores, mas abaixo do nível do reflexo do músculo estapédio da orelha correspondente.
Para o estudo das emissões otoacústicas produto de distorção, a saída do ruído foi obtida com intensidades mais efetivas, em faixas de freqüências determinadas, de 125 Hz a 500 Hz; de 750 Hz a 3.000 Hz; de 4.000 Hz a 8.000 Hz.
Os dados obtidos com a captação das emissões otoacústicas transientes e produto de distorção, tanto em indivíduos normais quanto em pacientes portadores de doenças retrococleares, foram devidamente medidos. Foram comparados os valores das amplitudes das emissões, em dBNPS, especificamente em relação às orelhas testadas e ás freqüências testadas e se foram obtidas com ou sem estimulação contralateral. A comparação entre as testagens com e sem estimulação contralateral foi feita para podermos conseguir a possível diferença entre as duas, o que nos indicaria se houve ou não supressão das emissões.
As variáveis foram representadas por média, desvio padrão e mediana. Devido à grande variabilidade dos dados e tamanho amostrais muito diferentes, foram utilizados testes não paramétricos.
RESULTADOSPodemos verificar que as supressões obtidas com estimulação contralateral foram muito variáveis; porém, na maioria das vezes, elas encontravam-se em valores de 1 a 3 dBNPS para emissões transientes e de 0,5 a 3 dBNPS para emissões produto de distorção.
Observa-se, a partir dos dados do Gráfico 1, que nos indivíduos normais houve a presença de supressão para as emissões otoacústicas transientes, em todas as freqüências, enquanto que no grupo com doença retrococlear houve intensificação destas emissões, na maioria das freqüências.
Gráfico 1. Comparação entre as diferenças com e sem estimulação contralateral encontradas nos registros das EOAS transientes dentro dos grupos normal e com doença retrococlear.
Gráfico 2. Comparação entre as diferenças com e sem estimulação contralateral encontradas nos registros das EOAS produto de distorção dentro dos grupos normal e com doença retrococlear.
Nos indivíduos normais, a média das diferenças para todas as freqüências nos mostrou a presença de supressão para as emissões otoacústicas produto de distorção (Gráfico 2).
Nos indivíduos com doença retrococlear, houve intensificação das emissões nas freqüências de 750 Hz, de 1.000. Hz, de 2.000 Hz e de 3.000 fiz, e supressão nas freqüências de 4.000 Hz, de 6.000 Hz e de 8.000 Hz, no caso das EOAs produto de distorção (Gráfico 2).
Quando comparadas as diferenças existentes nos valores das EOAs transientes, medidas nos indivíduos dos grupos normal e no com doença retrococlear, com e sem estimulação contralateral, usando-se ruído de banda estreita, foram observadas as seguintes características:
a) ao fazer-se a estimulação com click linear, houve diferença estatisticamente significativa nas regiões das freqüências de 1.000 Hz, de 1.500 Hz, de 2.000 Hz e de 3.000 Hz; e diferença marginalmente significativas na região da freqüência de 4.000 Hz;
b) com click não linear como estímulo, houve diferença estatisticamente significativa nas regiões das freqüências de 2.000 Hz e de 3.000 Hz; e diferença não significativa nas regiões das freqüências de 1.000 Hz, de 1.500 Hz e de 4.000 Hz (Gráfico 1).
Ao se estudar a variação dos valores das emissões otoacústicas transientes obtidos com e sem estimulação contralateral, em relação às várias freqüências, dentro do grupo normal, observou-se que houve diferença estatisticamente significativa, nas regiões das freqüências de 2.000 Hz e de 3.000 Hz; diferença marginalmente significativa na região 1.000 Hz e diferença não significativa nas regiões das freqüências de 1.500 Hz e 4.000 Hz (Gráfico 1).
No mesmo estudo das emissões transientes, quando analisados os indivíduos com doença retrococlear, observou-se que houve diferença marginalmente significativa nas regiões das freqüências de 3,000 Hz e diferença não-significante nas regiões das freqüências de 1.000 Hz, de 1.500 Hz, de 2.000 Hz e de 4.000 Hz (Gráfico 1).
Quando se procedeu à comparação entre as diferenças existentes nos valores das emissões otoacústicas produto de distorção, nos indivíduos do grupo normal e no com doença retrococlear, com e sem estimulação contralateral, usando-se ruído de banda estreita, observou-se que houve diferença estatisticamente significativa, nas regiões das freqüências de 750 Hz, de 1.000 Hz e de 2.000 Hz; diferença marginalmente significante na região da freqüência de 3.000 Hz e diferença não significativa nas regiões das freqüências de 4.000 Hz, de 6.000 Hz e de 8.000 Hz (Gráfico 2).
DISCUSSÃOEmissões otoacústicas evocadas são respostas mecânicas ativas que surgem na cõclea, as quais fornecem informações acerca da integridade dos mecanismos receptores cocleares pré-sinápticos20.
Além disto, pode ser considerado, em hipótese, que são obtidas emissões otoacústicas normais quando o comprometimento auditivo for exclusivamente neural.
Além das aplicações clínicas já comentadas, surge atualmente a possibilidade de uma nova utilização para os testes de emissão otoacústica, considerando-se a análise de sua supressão, ao apresentarmos, concomitantemente, um ruído à orelha contralateral.
Procuramos, neste trabalho, detectar as características normais da supressão das emissões otoacústicas, usando-se estímulos contralaterais, com ruído de banda estreita.
Tentamos entender também o mecanismo de sua formação, tal como a participação do sistema auditivo nervoso eferente; além de fazer a análise comparativa dos estímulos utilizados, clicks lineares e não lineares, tons puros de duas freqüências próximas, fl e f2; assim como tentar verificar as situações externas que possam interferir com esta captação e comparar esses achados com os encontrados nos pacientes portadores de doenças retrococleares, com a finalidade de delinear possíveis aplicações clínicas para essa técnica de exame.
Apesar do sistema olivococlear já ter sido, inicialmente, descrito há várias décadas14, 28, o seu estudo tem merecido maior atenção nos últimos anos. A fisiologia do sistema olivococlear medial eferente envolve interações de sons contralaterais em respostas ipsilaterais evocados por estímulo sonoro. Esse fato seria em decorrência da existência de neurônios excitáveis hinauralmente, os quais possuem representação coclear bilateral. Essa estimulação provoca alterações na resistência das membranas das células ciliadas externas, modulando os seus potenciais5, 17. Daí, a possibilidade de supressão das emissões, tanto por estimulação ipsilateral quanto contralateral22. Apesar dessas evidências já muito bem documentadas na literatura, as dúvidas acerca do funcionamento do sistema eferente auditivo ainda são muito grandes29.
Usamos a estimulação contralateral pára estudar a possível atividade do sistema eferente medial e os seus efeitos produzidos nas emissões otoacústicas, assim como tem sido feito por outros autores2, 3, 9.
Em nosso trabalho, obtivemos uma supressão das emissões transientes, tanto originárias por estimulação com click linear quanto por não linear. Isso poderia significar uma diminuição da movimentação das células ciliadas externas, em conseqüência do aumento da condutância nestas células, com a sua conseqüente hiperpolarização, levando à diminuição do movimento da membrana basilar, como observado por outros autores10. Essa atividade eferente ocorreria pela mediação dos neurotransmissores existentes nas terminações eferentes junto à base das células ciliadas externas, principalmente a acetilcolina12, 21.
As diferenças encontradas nas amplitudes das emissões otoacústicas, com e sem estimulação contralateral, foram muito variáveis, mesmo nos indivíduos normais, indo de uma supressão equivalente a 7 dBNPS até aumentos de 6,5 dBNPS, para emissões otoacústicas transientes ou; para as emissões produto de distorção, os valores variaram desde uma supressão de 13 dBNPS até um aumento de 11 dBNPS. Porém, na grande maioria das vezes, a supressão encontrava-se em valores de até 2 a 3 dBNPS, para as emissões otoacústicas transientes, nas faixas de freqüências até 2.000 Hz; de menos de 1 dBNPS, nas freqüências acima da 2.000 Hz; e entre 1 e 3 dBNPS, nas freqüências de 750 Hz e de 1.000 Hz, para as emissões produto de distorção.
As respostas foram consideradas consistentes quando a taxa de reprodutibilidade das respostas estava acima de 70%. Nos indivíduos normais, a média das diferenças para todas as freqüências nos mostrou a presença de supressão para as emissões otoacústicas transientes Nos indivíduos com doença retrococlear, houve intensificação das emissões, na maioria das freqüências no caso destes tipos de emissões.
Observamos que a estimulação contralateral, provavelmente através da estimulação eferente, diminui as emissões otoacústicas produto de distorção, mas algumas vezes aumenta-as, o que está de acordo com observações da literatura 21,. Esta inibição é maior para tons de freqüências baixas e diminui à medida que a freqüência aumenta26.
Podemos observar uma nítida supressão das emissões otoacústicas transientes com o uso de estimulação contralateral com ruído de banda estreita. A verificação dessa supressão foi mais nítida quando usamos como estímulo o click linear do que quando usamos o click não linear. Ao se usar o click linear, pudemos observar uma supressão estatisticamente significativa das emissões captadas, praticamente em todas as freqüências. Com o uso de clicks não lineares, a supressão significativa ficou mais evidente nas regiões das freqüências de 2.000 Hz e de 3.000 Hz, como já tem sido verificado por outros autores.
A captação das EOAs transientes com click não linear é desejável, quando procuramos saber se á função coclear é normal, em aplicações clínicas comuns, com o intuito de reduzir artefatos dos estímulos e eliminar a participação da orelha média, que é linear no seu desempenho, ao mesmo tempo que se consegue a captação das emissões de forma quantificável. Contudo, o uso de conjuntos de clicks não lineares afeta a verdadeira amplitude das emissões e, assim, torna a quantificação absoluta do efeito da supressão difícil. Dessa forma, com a finalidade do estudo da supressão, o uso de clicks lineares é tanto desejável quanto possível, porque a medida efetuada, na realidade, é a da diferença das emissões otoacústicas obtidas com e sem estimulação contralateral, conforme foi confirmado por outros autores1, 19. Eles também começaram a realizar seus testes de supressão com click não linear, para depois adotar o click linear como opção mais desejável. Como os valores da supressão, habitualmente, são muito pequenos, os testes com clicks lineares tornam mais fácil a visualização da supressão.
Ao comparar a supressão existente nas emissões otoacústica transientes, originadas por clicks lineares, entre o grupo normal e o com afecções retrococleares, verificamos que essa era significativa nas regiões de freqüências entre 1.000 Hz e - 3.000 Hz; e, quando o estímulo era click não linear, as diferenças mostravam-se significativas nas regiões de freqüências de 2.000 e de 3.000 Hz. Em outro trabalho, é mostrado que o efeito de supressão não é dependente da perda auditiva9. De toda maneira, as perdas auditivas acima de 4.000 Hz não são importantes, uma vez que as emissões otoacústicas transientes medidas acima de 4.000 Hz são muito pequenas, em decorrência de que a faixa de freqüência do click está compreendida entre 1.000 Hz e 4.000 Hz.
Usamos para estudar a supressão com estimulação contralateral ruídos de banda estreita, por acreditarmos serem estes mais efetivos no processo da supressão, por apresentarem seletividade de freqüências, conforme é constatado em trabalho comparativo usando-se ruídos de banda larga, de banda estreita e tons puros1.
Em nosso trabalho, verificamos que as emissões otoacústicas produto de distorção sofriam a ação desse efeito de supressão, ao utilizar ruído contralateral, mas que essa supressão era mais nítida nas regiões das freqüências de 750 Hz, de 1.000 Hz e de 2.000 Hz - praticamente não existindo nas regiões correspondentes às freqüências mais altas, como de 4.000 Hz, 6.040 Hz e 8.000 Ha. Para as emissões produto de distorção, os valores absolutos médios da supressão encontravam-se entre 1 e 3 dB nas freqüências de 750 Hz, 1.000 Hz e de 2.000 Hz. A supressão para emissões produto de distorção também apresentava variações muito grandes nas testagens realizadas entre os vários indivíduos normais.
CONCLUSÃONeste trabalho, constatamos o efeito supressivo constante das emissões otoacústicas ocasionado por estimulação sonora contralateral, tanto transientes quanto produto de distorção, em indivíduos com audição normal. Ao contrário, quando testamos os pacientes com doenças retrococleares, as emissões otoacústicas poderiam tanto apresentar, em algumas situações, supressão, quanta em outras situações não se modificaram, como também poderiam apresentar uma intensificação em suas amplitudes.
Com esta verificação, sugerimos que a captação das emissões otoacústicas, com estimulação contralateral, pode vir a ser útil, juntamente com outros procedimentos - um método eficaz para diagnóstico de lesões retrococleares.
Contudo, o efeito de supressão foi pequeno, implicando a necessidade de que a metodologia e o protocolo do teste devem ser confiáveis, para poderem ser repetidos, se o objetivo for o de ser utilizado como ferramental clínico no auxílio do diagnóstico destas lesões.
Atualmente, a origem coclear das emissões otoacústicas está bem documentada; e é, geralmente, aceita. Contudo, muitas questões permanecem em relação a elas, e somente um entendimento mais completo irá fornecer as respostas necessárias. Além do quê também é muito importante a compreensão do controle neural sobre o seu aparecimento.
A estimulação contralateral serve de base para se avaliar a presença e valores das emissões otoacústicas, como método de estudo, provavelmente, dos efeitos do sistema auditivo eferente, principalmente de seu feixe medial.
O sistema nervoso auditivo eferente pode ter uma participação importante na fisiologia coclear, a qual necessitará de pesquisas futuras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. BERLIN, C. I .; HOOD, L. J.; CECOLA, R. P.; JACKSON, D. F. e SZABO, P. - Does type I afferent neuro-dysfunction reveal itself through lack of efferent suppression? Hear. Res, 65, p. 4050, 1993.
2. BERLIN, C. I.; HOOD, L. J.; HURLEY, A. E.; WEN, H.; KEMP; D. T. - Binaural noise supresses linear click-evoked otoacoustic emissions more than ipsilateral or contralateral noise. Hear. Res., 87, p. 96-103, 1995.
3. BERLIN, C. I. -Advanced concepts in ABR and otoacoustic emissions. In: ANNUAL MEETING OF NORTH AMERICAN ACADEMY OF OTOLARYNGOLOGY - HEAD AND NECK SURGERY, 100th, Washington, 1996. Abstracts. Washington, 1996. - p,1-24,
4. BOBBIN, R. P. - Chemical receptors on outer hair cells and their molecular mechanisms. In: BERLIN, C. L., ed. Hair Cell sand Hearing Aids. San Diego, Singular Publishing Group, Inc.,1996. p. 29-55.
5. BROWN, M. C. - Morphology and response properties of single olivocochear efferents in the guinea pig. Hear. Res.; 40, p. 93-110, 1989.
6. BROWNELL, W. E. - Cochlear transduction: an integrative model and review. Hear. Res., 6, p. 335-60, 1982.
7. BROWNELL, W. E. - Observations on a motile response in isolated outer hair cells. In: WEBSTER, W. R.; AITKEN, L. M., eds. Mechanisms of bearing. Monash University Press, 1983. p. 510.
8. BROWNELL, W. E.; BADER, C. R.; BERTRAND, D.; RIBAUPIERRE, Y. - Evoked mechanical response of isolated cochlear outer hair cells. Science, 227, p. 194-6, 1985.
9. COLLET, L.; KEMP, D. T. E.; VEUILLET, E.; DUCLAUX, R.; MO-ULIN, A. E. MORGON, A. - Effect of contralateral auditory stimuly on active cochlear micro-mechanical properties in human subjects. Hear. Res., 43, p. 251- 62, 1990.
10. DALLOS, P. - Outer hair cells: the inside story. Am. Otol. Rhinol. Laryngol., 106, p. 16-22, 1997.
11. DOLAN, D. F.; NUTTAL, A. L.-Basilar membrane movement evoked by sound is altered by electrical stimulation of crossed olivocochlear bundle. Assoc. Res. Otolaryngol., Abstr., p.1789, 1994.
12. EYBALLIN, M. -Neurotransmitters and neuromodulators of the mammalian cochlea. Physiol. Ver., 73, p. 309-73, 1993.
13. FLOCK, A.; FLOCK, B.; UNFENDAHL, M. -Mechanisms of movement in outer hair cells and a possible structural basis. Arch. Otorhinolaryngol, 243, p. 83-90, 1986.
14. GALAMBOS, R. - Suppression of auditory activity by stimulation of ef?erent fibers to the cochlea. f. Neurophysiol., 19, p. 424-37, 1956.
15. GATTAZ, G.; CERRUTI, V. Q. - O uso do registro de emissões otoacústicas evocadas para triagem auditiva em neonatos de risco para deficiência auditiva. Rev. Paulista de Pediatria., 12, p. 291-4, 1994.
16. GOLD, T. -The physical basis of the action of the cochlea. Proc. R. Soc. Lond. Biol. Sci., 135, p. 492-8, 1948 APUD BROWNELL, W.E. Outer hair cell electromotility and otoacoustic emissions. In: BERLIN, C.L, ed. Hair Cell sand Hearing Aids, San Diego, Singular Publishing Group, Inc., 1996. p. 3-27.
17. GUINAN, J. J. JR. -Physiology of olivocochlear efferents. In: DALLOS, P.; POPPER, A.N.; FAY, R. R. eds. The cochlea. New York, Springer-Verlag Inc., 1996. p. 435 - 502.
18. GUINAN, J. J. JR.; WARR, W. B.; NORRIS, B. E.-Differential olivocochlear projections from lateral versus medial zones of the-superior olivary complex. J Comp. Neurol., 221, p. 358-70, 1983.
19. HOOD, L. J.; BERLIN, C. L; HURLEY, A.; WEN, H.-Suppression of Otoacoustic Emissions in normal hearing individuals. In: BERLIN, CA., ed. Hair Cell sand Hearing Aids. Singular Publishing Group, Inc., San Diego, 1996- p. 57-72.
20. KEMP, D. T. -Stimulated acoustic emissions from the human auditory system. J. Acoust. Soc. Am.; v. 64, 1386-91, 1978.
21. KURC, M.; DODANE, V.; PINTO, D. S.; KACHAR, B. - Presynaptic localization of G protein isoforms in the efferent verve terminals of the mamallian cochlea. Hear. Res., 116, p. 19, 1998.
22. LIBERMAN, M. C. - Rapid assesment of sound-evoked olivocochlear feed-back: suppression of compound action potentials by contralateral sound. Hear. Res., 38, p. 47-56, 1989.
23. LONSBURY-MARTIN, B. L; MARTIN, G. K.; MCCOY, M. J.; WHITEHEAD, M. L. - New approaches to the evaluation of the auditory system and a current analysis of otoacustic emissions. Otolaryng. - Head Neck Surg., 112, p. 50-63,1995. Supplement 1.
24. LOPES FILHO, O.; CARLOS, R. C.; ROSSI, H. J. Z.; ECKLEY, C. A.; GALLACI, C. B. - Emissões otoacústicas espontâneas em recém-nascidos de risco. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 63, p. 567-73, 1997.
25. MOULIN, A.; COLLET, L.; DUCLAUX, R - Contralateral auditory stimulation alters acoustic distortion products in humans. Hear. Res.; 65, p. 193-210, 1993
26. MOUNTAIN, D. C.; GEISLER, C. D.; HU13BAND, A. E. - Stimulation of efferentes, alters the cochlear microphonic and the sound induced resistance changes measured in scala media of the guinea pig. Hear. Res., 3, p. 231-40, 1980.
27. PUEL, J. L.; REBBILARD, G. - Effect of contralateral sound stimulation on the distortion product 2 F1-F2. Evidence that the medial efferent system is involved. J Acoust. - Soc. Am, 87, p1630-5, 1990.
28. RASMUSSEN, G. L. - The olivary peduncle and other fiber projections of the superior olivary complex. J. Comp. Neurol., 84, p. 141-219, 1946.
29. WARR, W. B. -Organization of olivocochlear efferent systems in mammals. In: WEBSTER, D.B.; POPPER, A N.; FAY, R.R. eds. The mammalian auditory pathways. Neuroanatomy. New York, Spring Verlag Inc., 1992. p. 410-48.
30. WARR, W. B.; GUINAN, J. J. JR.; WHITE, J. S. - Organization of the efferente fibers: the lateral and medial olivocochlear systems. In: ALTSCHULER, R. A.; HOFFMAN, D. W.; BOBBIN, R. P. eds. Neurobiology of hearing: The Cochlea, New York, Raven Press, 1986. p. 333-48.
* Professor Doutor da Pontifícia Universidade católica de São Paulo.
** Professora Doutora do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Professor Doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Publicação parcial da tese apresentada à Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no ano de 1999, para obtenção do título de Doutor em Medicina.
Trabalho realizado no Instituto de Otorrinolaringologia de São Paulo (Setor de Otorrinolaringologia do Hospital dos Defeitos da Face).
Endereço para correspondência: Avenida Adolfo Pinheiro, 2464 - Conj 82 - Alto da Boa Vista - 04734-004 São Paulo/ SP -Telefone/Fax: (0xx11) 246-2581.
Artigo recebido em 5 de abril de 2000. Artigo aceito em 14 de setembro de 2000.