INTRODUÇÃOA obstrução nasal é uma queixa freqüente na clínica otorrinolaringológica diária. Em crianças, principalmente entre os quatro e 15 anos de idade9 encontramos como uma das causas principais a hipertrofia da tonsila faríngea (adenóide)8. O diagnóstico de tal afecção compreende a avaliação da história e exame físico dos pacientes, sendo por vezes necessária a complementação da investigação com exames subsidiários, dentre os quais se destacam os exames radiológicos1, 2, 3, 7, 12 e endoscópicos12.
Um aspecto importante a ser comentado é que os sintomas dos pacientes com hipertrofia de adenóide e a indicação de adenoidectomia por quadro obstrutivo baseiam-se no comprometimento da permeabilidade da parte nasal da faringe (rinofaringe) e não no tamanho absoluto da adenóide1 ,3, 6, 9.
A endoscopia nasal, tanto rígida quanto flexível, permite a visualização direta da parte nasal da faringe, proporcionando a avaliação do tamanho da adenóide e o comprometimento da via aérea pela primeira. No entanto, tal exame não é amplamente acessível, principalmente se considerarmos a realidade da saúde pública em nosso meio, e trata-se de exame invasivo, que pode ser traumático e de difícil realização em paciente não cooperativo2, 12. Já a avaliação radiológica é exame não invasivo, com acesso mais difundido e que permite avaliação objetiva das dimensões da adenóide e do comprometimento da via aérea1-12.
Dentre os exames radiológicos destacamos dois em especial: a radiografia de cavum e a tele-radiografia lateral de crânio. A radiografia de cavum é o exame mais utilizado pelos médicos para avaliação de pacientes com obstrução nasal, visando a avaliação da parte nasal da faringe. A tele-radiografia lateral de crânio é unia técnica radiológica utilizada há vários anos na odontologia para avaliação da oclusão dentária e das vias aéreas superiores, e que vem sendo utilizada nos últimos anos pelos otorrinolaringologistas na avaliação de pacientes com apnéia obstrutiva do sono. Além disto, diversos autores já mostraram que tal técnica permite a avaliação da vegetação adenóide e da parte nasal da faringe; porém, com a utilização de traçado cefalométrico, que elevou os custos do exame e gerou o aparecimento de vários métodos de avaliação3-10.
O objetivo de nosso estudo é comparar a tele-radiografia lateral de crânio, sem o traçado cefalométrico, com a radiografia de cavum em crianças com obstrução nasal, utilizando o método descrito por Cohen e Konak (1985) 1.
MATERIAL E MÉTODORealizou-se estudo prospectivo de 26 crianças atendidas na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), submetidas a anamnese e exame físico otorrinolaringológico completos, cuja queixa principal era de obstrução nasal e/ou respiração bucal com mais de três meses de duração, com idade entre três e 11 anos, no período de janeiro a agosto de 1999. A todos os pacientes solicitaram-se radiografia de cavum e tele-radiografia lateral de crânio, que eram realizados no mesmo dia. A radiografia de cavum foi realizada com o paciente em posição ereta, em perfil, com os raios dirigidos no nível do palato duro. A tele-radiografia lateral de crânio foi realizada com o paciente em posição ereta, em perfil, com a cabeça fixada pelo cefalostato no nível dos meatos acústicos externos.
A análise dos exames foi realizada por dois dos autores (CMYI e WEPAD) ao mesmo tempo, firmando uma única análise. Os exames tinham a identificação ocluída para a avaliação dos examinadores e a radiografia de cavum e a teleradiografia lateral de crânio de um dado paciente eram avaliadas em momentos distintos. Ambos os exames foram avaliados com relação a permeabilidade da via aérea da parte nasal da faringe, com base no método de Cohen e Konak1: 1+ - espessura da coluna aérea maior que a do palato mole (1 cm abaixo da porção superior); 2+ - espessura da coluna aérea menor que a do palato mole; porém, maior que a metade da espessura deste último; 3+ - espessura da coluna aérea menor que a metade da espessura do palato mole. Outro dado observado foi a rotação da cabeça do paciente no plano sagital, sendo considerado como "rodado" o exame cujos ramos da mandíbula apresentassem separação maior do que 3 mm.
A análise estatística foi realizada utilizando-se o Teste de Qui-Quadrado, com nível de significância de 5% (p<0,05).
RESULTADOSForam avaliadas 26 crianças, com idade média de 6,4 anos, com idade variando de três a 11 anos, sendo 16 do sexo feminino e 10 do masculino. A distribuição dos pacientes segundo a idade e sexo é apresentada na Figura 1.
A avaliação da via aérea segundo o grau de obstrução na radiografia de cavum e na tele-radiografia lateral de crânio é apresentada na Figura 2.
Houve concordância com relação a permeabilidade da via aérea na parte nasal da faringe entre as duas técnicas realizadas em 19 (73,1%) pacientes, sendo estatisticamente significativa (x2= 5,538; p<0,02) com relação aos 7 (26,9%) exames onde não ocorreu tal concordância.
Em 16 (61,5%) radiografias de cavum houve alteração no posicionamento do paciente, sendo considerado "rodado", no entanto não foi estatisticamente significativa (x2 - 1,385; 0,1<0,2); em 10 (38,5%) radiografias de cavum o posicionamento estava adequado. Na tele-radiografia lateral de crânio não houve alteração de posicionamento.
Nas Figuras 3 e 4 mostramos um exemplo de radiografia de cavum e tele-radiografia lateral de crânio, respectivamente, onde há coincidência na avaliação da coluna da parte nasal da faringe.
Figura 1. Distribuição dos pacientes segundo o sexo e a idade.
Figura 2. Avaliação da permeabilidade da parte nasal da faringe.
Figura 3. Radiografia de cavum - redução da coluna aérea da parte nasal da faringe 1+.
Figura 4. Tele-radiografia lateral de crânio - redução da coluna aérea da parte nasal da faringe 1+.
Nas Figuras 5 e 6 mostramos um exemplo de radiografia de cavum e tele-radiografia lateral de crânio, respectivamente, onde não há coincidência na avaliação da coluna ¡aérea da parte nasal da faringe.
DISCUSSÃOO estudo radiológico da parte nasal da faringe é importante como avaliação objetiva do tamanho da adenóide e da permeabilidade das vias aéreas9, 10. Paradise e colaboradores (1998) consideram a avaliação radiológica como padrão ouro por causa do acesso generalizado, sua objetividade, não invasibilidade e sua correlação com o volume de adenóide removido em cirurgias. Jeans e colaboradores (1981) comparam os achados cefalométricos com o volume de adenóide removido em cirurgia, encontrando correlação entre os mesmos6.
Figura 5. Radiografia de cavum - redução da coluna aérea da parte nasal da faringe 3+.
Figura 6. Tele-radiografia -lateral de crânio - redução da coluna aérea da parte nasal da faringe 2+.
Elwany (1987)3 e Kemaloglu e colaboradores (1999)7 compararam os achados clínicos com os cefalométricos, também encontrando correlação entre os mesmos. Nestes estudos; os autores excluíram pacientes com outras causas de obstrução nasal, como rinite, desvio septal e condições gerais não satisfatórias7. Cohen e colaboradores (1992) encontraram correlação entre a radiografia de cavum e os achados intraoperatórios em 85%, de seus pacientes2.
Existem alguns parâmetros descritos para a avaliação da via aérea e da adenóide em exames radiológicos, a maioria através de traçados cefalométricos. No entanto, tais métodos não são utilizados na prática clínica diária por apresentarem custos elevados, não estarem facilmente acessíveis e haver divergência entre os autores com relação aos diversos métodos descritos3.
Holmberg e Linder-Aronson (1979) encontraram correlação entre o tamanho da adenóide, a avaliação clínica realizada por otorrinolaringologista e a avaliação semi-quantitativa da tele-radiografia lateral de crânio5. Cohen e Konak (1985) avaliaram os métodos de análise da tele-radiografia lateral de crânio descrita por seis autores (Johannesson, Marau, Fujioka, Hilbert, Sorensen e Crepeau) e concluíram que tais métodos não são nem fáceis nem rápidos o suficiente para serem utilizados comumente, uma vez que envolvem traçados e medidas diversas nem sempre possíveis de serem realizados na dependência da qualidade da radiografia'. Assim, Cohen e Konak (1985) propuseram um método mais simples de avaliação, baseando-se na análise da coluna aérea da parte nasal da faringe1. Wornald e Prescott (1992) mostraram que a avaliação radiológica que melhor se correlacionava com os achados endoscópicos era a de Cohen e Konak11.
Em nosso estudo, avaliamos a radiografia de cavum e a telerradiografia lateral de crânio com base no método de Cohen e Konak. Encontramos que a avaliação da coluna aérea da parte nasal da faringe coincidiu em ambas as técnicas radiológicas em 72,1% dos casos. Verificamos que 61,5% das radiografias de cavum apresentavam alteração de posicionamento do paciente e que, apesar de não apresentar significado estatístico em relação aos exames com posicionamento correto, distoa da telerradiografia onde nenhum exame apresentou tal alteração. Isto ocorreu, pois, na tele-radiografia lateral de crânio o paciente encontra-se no momento do exame em posição ereta, com os dentes em oclusão, os lábios em repouso, com a cabeça fixada pelo cefalostato e por fixação a nível dos meatos acústicos externos. Tal fixação permite manter a cabeça fixada em posição reprodutível e impede a rotação cefálica no plano sagital4, 6, 7. Outro dado a ser comentado é que os custos da tele-radiografia lateral de crânio sem o traçado cefalométrico são menores ou similares aos da radiografia de cavum.
CONCLUSÕES1. A tele-radiografia lateral de crânio é um exame tão bom quanto a radiografia de cavum na avaliação da coluna aérea da parte nasal cia faringe em crianças;
2. A técnica da tele-radiografia lateral de crânio é superior a da radiografia de cavum, uma vez que o posicionamento da cabeça do paciente é sempre a mesma por estar fixa, evitando variações no plano sagital e transverso e permitindo análise mais segura da via aérea, sem artefatos produzidos pela rotação da cabeça, sendo dado este importante quando se trata de exame realizado em crianças que nem sempre mantêm o posicionamento desejado;
3. Por fim, com base nessas conclusões, propomos a utilização da tele-radiografia lateral de crânio, em lugar da radiografia de cavum, em crianças com obstrução nasal.
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* Médico Estagiário da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Dentista Assistente da Divisão de Odontologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica (Serviço do Professor Aroldo Miniti) e no Instituto de Radiologia (Serviço do Professor Giovanni G. Cerri), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Cláudio Márcio Yudi Ikino - Rua Las Palmas, 201 - Americanópolis 04339-000 São Paulo/ SP - Telefone: (0xx11) 5588-0714 - E-mail: claudioikino@hotmail.com
Artigo recebido em 9 de novembro de 1999. Artigo aceito em 19 de janeiro de 2000.