ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2507 - Vol. 66 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 2000
Seção: Relato de Casos Páginas: 553 a 558
FÍSTULAS BUCOSSINUSAIS: CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS E CIRÚRGICAS SOBRE O TRATAMENTO, COM RELATO DE DOIS CASOS CLÍNICOS.
Autor(es):
Leo K. Neto*,
João A. C. Navarro**,
Marcos A. Torriani***,
Paulo M. Almeida****.

Palavras-chave: fístula bueossinusal, comunicação bueossinusal, extração dentária

Keywords: oroantral fistulae, oroantral comunication, tooth extraction

Resumo: O presente trabalho discute a origem, implicações e formas de tratamento para fístulas bucossinusais de origem odontogênica. Trata-se de lesão bastante freqüente, pois as extrações dentárias são procedimentos realizados em grande número na população brasileira. Foram relatados dois casos clínicos com diferentes abordagens cirúrgicas, mas que seguem um mesmo protocolo pré-operatório, que julgamos indispensável para o êxito cirúrgico.

Abstract: The present work discusses the origin, implications and treatment forms for oroantral fistulae of odontogenic origin. It is quite frequent lesion, because the dental extractions are procedures accomplished in great number in the Brazilian population. They were told two clinical cases with different surgical approachs, but that follow a same preoperative protocol, that judged indispensable for the surgical success.

INTRODUÇÃO

Os seios maxilares, segundo Figún e Garino, em 1989, são cavidades pneumáticas, integrantes dos seios paranasais, que em número par, em ambos lados da face, localizam-se nos ossos maxilares. São revestidos por mucosa de epitélio cilíndrico pseudo-estratificado ciliado. Têm por função aquecer o ar inspirado e servir como receptáculos de secreções provenientes tanto do seio frontal quanto dos seios etmoidais, promovendo, assim, a drenagem destas secreções para a cavidade nasal, através de um conduto estreito, o óstio maxilar (Figura 1). Porém, se a drenagem do seio maxilar for inadequada, Delbalso e Hall, em 1997, referem que pode haver acúmulo, em sua parte interna, de um meio favorável ao crescimento bacteriano. Por conseguinte, ocorre diminuição da aeração do seio maxilar, facilitando o crescimento de microorganismos patogênicos anaeróbios e bactérias microaerófilas.

O conhecimento destes detalhes e a dinâmica e função desta estrutura anatômica têm implicação diária para os cirurgiões dentistas já que Delbalso e Hall (1997) alertam a que de 10 a 15% das patologias dos seios maxilares apresentam origem dental, com freqüência associadas a abscessos de molares e pré-molares superiores, cujas raízes são intimamente relacionadas ao soalho do seio maxilar (Figura 2). Esta íntima relação do osso alveolar que aloja as raízes dos molares e pré-molares com o seio maxilar deve ser lembrada no momento da exodontia de algum elemento dentário destes grupos, uma vez que, por observação de Perri de Carvalho e colaboradores, em 1990, as fístulas bucossinusais têm origem mais freqüente como complicações pós-exodônticas dos molares superiores, seguidas de procedimentos cirúrgicos nos periápices de molares ou pré-molares superiores.

Para se definir o tratamento, cabe ressaltar que existe diferença entre o termo fístula bucossinusal, que já foi supracitado, de "comunicação bucossinusal". Esta, segundo Laskin, em 1985, normalmente, é de pequena amplitude e não causa ruptura da mucosa sinusal, passando muitas vezes sem ser notada pelos cirurgiões dentistas. Seu tratamento se dá pela própria manutenção do coágulo no interior do alvéolo após a exodontia. Porém, se no seio maxilar em que ocorrer uma comunicação bucossinusal-acidental apresentar uma sinusite maxilar crônica pré-existente, haverá grande probabilidade de formar um trajeto epitelializado, ao qual se chamará de fístula bucossinusal. Conceitualmente, Furtado e Guedes, em 1987 definem fístula (do latim = phistula / tubo, cânula) como canal estreito e profundo, ligado a foco de supuração ou necrótico, que se abre na superfície por orifício através do qual escoa líquido purulento ou gomoso. Para Gonty, em 1995, a epitelialização deste trajeto se dá ao redor de três semanas, não ocorrendo, portanto após este período, o fechamento espontâneo. Neste caso, o tratamento sempre será cirúrgico, mas para que se tenha sucesso na repetição na reparação da área cirurgicamente manipulada, o paciente deve estar livre de enfermidade, sistêmica bem como com o seio maxilar sem patologias e descongestinado.



Figura 1. Vista de crânio seco com remoção da parede anterior do seio maxilar e presença do óstio maxilar.



Figura 2. Vista de corte sagital em cadáver mostrando a íntima relação dos dentes posteriores superiores com soalho do seio maxilar.



Isto reforça o posicionamento de vários autores (Cockerham e colaboradores (1976), Gonty (1995), Hori e colaboradores (1995), James (1980), Mion e Godoy Junior (1975), Perri de Carvalho e colaboradores (1990), Tideman e Samman (1995) e Whitney et al. (1980) que realizam no pré-operatório de cirurgias para correção de fístulas bucossinusais, irrigações intrassinusais.

Quanto à medicação, Mion e Godoy Júnior, em 1975, ressaltam que os seios paranasais oferecem maiores possibilidades para o emprego dos antibióticos com ação local (tópica), seja pela dificuldade do antibiótico atingir pelas vias oral e parenteral a mucosa destes seios, em nível terapêutico adequado, ou seja, pela maior eficácia do agente terapêutico atuando localmente, em elevada concentração e por maior tempo, junto à mucosa dessas cavidades.



Figura 3. Aspecto intrabucal do rebordo gengival, em região do primeiro molar superior direito, com presença de fístula bucossinusal.



Figura 4. RX de Waters apresentando velamento do seio maxilar D.



Figura 5. RX periapical do rebordo gengival da região de molares superiores demonstrando, através de material de contraste (gutapercha), a comunicação bucossinusal.



Figura 6. Cateterização com sonda uretral número 6, para realização das irrigações intrassinusais.



A fisiologia da mucosa rinossínusal tem elevada importância no mecanismo de defesa, especialmente o batimento ciliar, com papel saliente na eliminação da secreção. Assinala também que água comum ou destilada prontamente paralisa a ação ciliar; quando o cloreto de sódio é adicionado à água para fazer solução salina normal, a ação dos cílios é restaurada. O batimento ciliar sofre ação da mudança de ph; portanto, para que os medicamentos de emprego rinossinusais não se tornem anti-fisiológicos, devem ter ph entre 6 e 8,3. O veículo do medicamento deve ser aquoso, pois óleos causam interferência sobre os cílios, formando verdadeira camada que os cobre. Ainda, os óleos não são aceitáveis como veículo, porque as drogas que nele vão dissolvidas não atingem suficientemente a mucosa. A associação de um mucolítico é benéfica no momento da instilação intrassinusal de antibiótico, no sentido de liquefazer as secreções viscosas e reduzir a viscosidade, bem como de proporcionar uma maior penetrabilidade do antibiótico no nível da infecção. Estas informações balizam o manejo clínico pré-operatório dos casos clínicos expostos.

Após realização da manipulação pré-operatória, depara-se com a escolha da técnica cirúrgica a ser adotada nos casos. Esta escolha está diretamente ligada ao tamanho da lesão e ao defeito ósseo gerado pela mesma, afirmam Hanazawa e colaboradores, em 1995, e Gordon e Brown, em 1980. Portanto, os procedimentos cirúrgicos podem ser realizados a expensas de tecidos moles, próximos da região envolvida, ou às custas de tecido ósseo, realizando-se enxertos ou ostectomias do rebordo alveolar para facilitar a cicatrização da mucosa, por primeira intenção



Figura 7. Remoção cirúrgica com bisturi lâmina 15 da fístula bucossinusal.



Figura 8. Retalho da mucosa vestibular sendo tracionada para fechar a fístula bucossinusal.



Figura 9. Resultado pós-operatório de quatro meses de controle.



Figura 10. Remoção cirúrgica do trajeto fistuloso intrabucalmente, e demarcação com papel alumínio esterilizado da gengiva palatina, que será rotada para fechar a comunicação bucossinusal.



Saad Neto e Callestini, em 1985, referem que se podem utilizar retalhos vestibulares mucoperiostais, retalhos deslizantes da bochecha, retalho deslizante do palato, retalho palatino em forma de ilha, enxertos ósseos autógenos e enxertos de cartilagem.

APRESENTAÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS

Caso 1. Paciente do sexo feminino, com 26 anos de idade e história de extração dental em região de primeiro molar superior esquerdo há mais ou menos seis meses, em cujo local ainda não existia cicatrização completa (Figura 3). Referiu ainda apresentar freqüentes episódios de pansinusite, mais saída de secreções junto ao rebordo alveolar que havia sido submetido a extração dental. Realizou-se exame radiográfico extraoral com incidência de Waters (Figura 4), mais exame periapical intraoral (Figura 5), com introdução de cone de guta-percha pelo rebordo residual na altura do primeiro molar superior esquerdo, como complementação do diagnóstico clínico de fístula bucossinusal. Promoveu-se, então, a cateterização da fístula com sonda uretral-número 6 (Figura 6) para se possibilitar irrigações diárias com 500 ml de solução fisiológica aquecida, mais irrigação final com uma ampola de 150 mg de Rifamida. Durante as irrigações, pede-se ao paciente que incline bem a cabeça, para que haja um escoamento mais facilitado das soluções pela narina. Fizeram-se irrigações por duas semanas, e durante a primeira semana associou-se um descongestionante nasal por via sistêmica [Descongestionante (iodeto de isopropamida, cloridrato de fenilpropanolamina, meleato de clorfeniramina) - 1cp de 12/12 hs] para que na segunda semana se utilizasse antibioticoterapia sistêmica por 10 dias.



Figura 11. Retorno pós-operatório de três meses.



Após realizada esta manipulação clínica com irrigações intrassinusais, partiu-se para o fechamento cirúrgico da fístula bucossinusal. Em paciente submetida a anestesia por bloqueio do nervo alveolar superior posterior e médio, mais complementação terminal infiltrativa por palatino, realizou-se com bisturi lâmina 15 a remoção do trajeto fistuloso (Figura 7). Promoveu-se, com incisões relaxantes vestibulares, um retalho deslizante de mucosa proveniente do fundo de sulco vestibular (Figura 8), para que este retalho fosse suturado com pontos isolados e fio absorvível Vycril 4-0 à mucosa palatina, obliterando este trajeto fistuloso. Orientou-se a paciente a que evitasse qualquer hábito de sucção, ou bochechos, para não aumentar a pressão intrassinusal que forçasse a manutenção do retalho deslizado em posição. Controlou-se a paciente semanalmente com retorno final após quatro meses da intervenção (Figura 9).

Caso 2. Paciente do sexo feminino com 38 anos de idade relatou ter realizado extrações dentais há mais ou menos três meses, mas que na região posterior superior direita não havia cicatrização completa. Propôs-se o mesmo protocolo de irrigações intrasinusais e medicação sistêmica, conforme relato anterior. Concluído o período de manipulação clínica, planejou-se o fechamento cirúrgico da fístula bucossinusal. Tratando-se de uma fístula de pequenas dimensões e por a paciente ser portadora de prótese total superior, lançou-se mão de retalho de mucosa ceratinizada do palato. Paciente foi anestesiada por bloqueio do nervo palatino maior e infiltrativa terminal em fundo de sulco vestibular. Demarcou-se com papel laminado esterilizado a extensão do retalho a ser utilizado. Com bisturi número 3 e lâmina número 15, removeu-sé o trajeto fistuloso (Figura 10) e incisou-se supra-periostalmente a demarcação feita com papel alumínio. Dissecou-se a mucosa do periósteo, para que o osso maxilar tivesse cobertura de periósteo. Rodou-se, na forma de raquete o retalho mucoso em direção da fístula, promovendo-se a sutura a pontos isolados com fio reabsorvível (Vicryl 3-0). Foram dadas as mesmas orientações pós-operatórias como referido no caso anterior, e semanalmente houve acompanhamento. O retorno final foi com tês meses (Figura 11).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo-se em vista que as fístulas bucossinusais ocorrem na maioria das vezes em decorrência de complicações de extrações dentais, e que tal complicação compromete o funcionamento dos seios maxilares; e, por conseguinte, de todos os outros seios paranasais, os cirurgiões dentistas, otorrinolaringologistas e estomatologistas devem diagnosticar corretamante tal lesão e tratá-la de forma resolutiva. Para tal, é imperativo que não exista quadro de sinusite maxilar de origem odontogênica instalada. Deve se manipular clinicamente o seio maxilar comprometido, com irrigações que facilitem a drenagem das secreções do seio para cavidade nasal (complexo osteomeatal - COM) e promovam uma diminuição do edema da mucosa sinusal. O conhecimento da fisiologia sinusal é importante, pois deve se associar medicação de ação tópica mais de ação sistêmica. O tratamento cirúrgico é imprescindível, uma vez que após três semanas de comunicação da cavidade oral com a cavidade sinusal, não existe mais o fechamento espontâneo desta comunicação. O tamanho do defeito é um dos direcionadores da manobra cirúrgica que devera ser realizada. As orientações pós-operatórias seguidas a risca pelo paciente contribuem com uma grande parcela no sucesso dos casos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Professor de Anatomia de Cabeça e Pescoço da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, Santa Cruz do Sul/ RS.
** Professor Titular de Anatomia da Faculdade de Odontologia de Bauru - USP, Bauru/ SP.
*** Professor de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais da Universidade Federal de Pelotas - UFPel, Pelotas/ RS.
**** Médico Otorrinolaringologista.

Trabalho apresentado nas XXIX Jornadas Internacionales de la Asociación Odontológica Argentina. Endereço para correspondência: Universidade de Santa Cruz do Sul -UNISC /RS. Departamento de Odontologia e Enfermagem - Curso de Odontologia. Avenida Independência, 2293 - Caixa Postal 188 e 236 - 96815 -900 Santa Cruz do Sul/ RS. Fax (0xx51) 717-1855 - E-mail: kraether@unisc.com.br
Artigo recebido em 12 de novembro de 1999. Artigo aceito em 20 de julho de 2000.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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