ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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2506 - Vol. 66 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 2000
Seção: Relato de Casos Páginas: 547 a 550
CANTOTOMIA LATERAL: TRATAMENTO SIMPLES PARA UMA COMPLICAÇÃO GRAVE DE CIRURGIA MICRO-ENDOSCÓPICA NASO-SINUSAL.
Autor(es):
Roberto E. S. Guimarães*,
Celso G. Becker*,
Helena M. G. Becker**,
Cleiton D. L. Silva***,
Daniel V. Abreu***,
Cícero A. F. Júnior***.

Palavras-chave: cirurgia endoscópica dos seios da face; complicações orbitárias; descompressão orbitária; cantotomia lateral

Keywords: functional endoscopic sinus surgery; orbital complications; orbital decompression; lateral canthotomy

Resumo: A cirurgia microendoscópica naso-sinusal pode resultar em complicações maiores e menores. Entre estas, as complicações orbitárias - incluindo o hematoma e o enfisema orbitário - são as mais temidas. Um caso de enfisema orbitário tratado com sucesso via cantotomia lateral é apresentado. A patogênese destas complicações potencialmente graves é discutida e um algoritmo de tratamento é proposto. Este caso demonstra que a cantotomia lateral é um procedimento rápido e seguro para reduzir a pressão intra-ocular.

Abstract: Micro-endoscopic sinus surgery can result in both minor and major complications. Orbital complications - including orbital hematoma and orbital enphysema - are, among these, the most feared. A case of orbital enphysema successfully treated by lateral canthotomy is presented. The pathogenesis-of these potencially serious complications are discussed. A sequencial treatment algorithm is presented. This case demonstrate that lateral canthotomy constitutes a safe and fast surgical procedure to decrease intra-orbital pressure.

INTRODUÇÃO

A cirurgia micro-endoscópica dos seios da face tornou-se uma importante aquisição para o tratamento cirúrgico das sinusopatias crônicas. Sua aceitação é resultado do trabalho pioneiro conduzido pelos professores Messerklinger, da Áustria, e Wigand, da Alemanha. O acesso endoscópico foi, na seqüência, popularizado por Stamberger, na Europa, e Kennedy, nos Estados Unidos. O sucesso desta técnica encorajou o uso da mesma por cirurgiões neófitos. Alguns encontraram taxas expressivas de complicações.

Entre as complicações, as orbitárias são extremamente graves, podendo incluir danos à musculatura extra-ocular, enfisema orbitário, hemorragia orbitária, dano ao dueto nasolacrimal e lesão direta ao nervo optico.

Discutiremos no presente artigo uma técnica segura, fácil e eficiente de descompressão orbitária: a cantotomia lateral. Apresentamos ainda um algoritmo de tratamento do hematoma orbitário, bem como a eficiência da técnica empregada em um caso de enfisema orbitário.

RELATO DE CASO

M. E. M., com 24 de idade, do sexo masculino, melanodérmico, portador de polipose nasossinusal extensa. Internado para submeter-se à cirurgia micro-endoscópica nasossinusal. Realizadas antrostomia maxilar bilateral, sinusotomia esfenoidal bilateral e etmoidectomia parcial bilateral. Durante a etmoidectomia anterior direita, houve ruptura acidental da lâmina papirácea, com exposição de gordura orbitária. Realizado tamponamento anterior, com dedo de luva e gaze.

Uma hora após o término da cirurgia, evoluiu rapidamente com proptose à direita e limitação da motricidade ocular, sendo submetido imediatamente à cantotomia lateral sob sedação e anestesia local com Xylocaína 2%, com vasoconstritor. Após o procedimento, houve saída de grande quantidade de ar da órbita, com regressão da proptose.

Duas horas após a cantotomia lateral, foi submetido à TC de órbita que evidenciou ainda pequena quantidade de ar medial e lateralmente ao globo ocular. Todavia, sem comprometimento de gordura retro-bulbar ou nervo óptico, sem sinais de hematoma. Não houve comprometimento da acuidade visual ou da motricidade ocular. Persistiu no pós-operatório imediato com equimose de conjuntiva e edema palpebral.

Três meses após o procedimento, o paciente encontra-se assintomático do ponto de vista sinusal e orbitário, sem seqüelas funcionais.

DISCUSSÃO

A anatomia orbitária apresenta áreas potencialmente perigosas para o cirurgião.



Figura 1. TC de órbita em corte axial realizada duas horas após a cantotomia lateral, evidenciando enfisema orbitário residual.



O risco torna-se maior diante de fatores como hipertensão, deiscência da lâmina papirácea, polipose extensa, cirurgia prévia, incapacidade de visualizar o óstio maxilar e uso crônico de esteróides. As estruturas de risco incluem a lâmina papirácea, dueto naso-lacrimal, artéria etmoidal anterior e posterior, gordura orbitária, músculos retomedial e oblíquo superior e nervo óptico1, 3, 4.

Uma revisão de literatura de 1980 a 1999 revela apenas poucos relatos de complicações orbitárias secundárias à cirurgia micro-endoscópica dos seios da face3, 4, 6. A maior de todas as séries (8.000 pacientes) relatada por Stammberger e Hawke não apresentou complicações orbitárias. Contudo, incidências maiores foram relatadas em séries menores; dentre estas, Stankiewicz (1989) observou cinco hemorragias orbitárias em 300 pacientes. Levine (1990), por sua vez, descreveu três hemorragias orbitárias entre 250 pacientes. Vleming e colaboradores (1992), em 592 pacientes, encontraram duas hemorragias orbitárias e uma lesão do dueto naso-lacrimal.

Entre as complicações orbitárias, a hemorragia é a mais freqüentemente observada6, 5. Pode ser determinada pela lesão inadvertida das artérias etmoidais anterior e posterior, com retração para o interior da órbita, lesão da lâmina papirácea com entrada de sangue sob pressão proveniente da fossa nasal.

Os sinais clínicos da hemorragia/ hematoma orbitária incluem: proptose, quemose, edema, limitação da motricidade ocular e midríase. Estes sinais podem surgir rapidamente, ainda no per-operatório ou lentamente ao longo de 48 horas1, 3, 2. Pode haver redução da acuidade visual, seguida pela perda da reatividade pupilar e reflexo pupilar consensual;. Tal evento ocorre em função de a cavidade orbitária apresentar limites rígidos e que o aumento do conteúdo (hemorragia) determina compressão das estruturas orbitárias e conseqüente proptose.


 
Figuras 2 e 3. Anatomia orbitária evidenciando o ligamento cantal lateral e a técnica da cantotomia lateral.



O mecanismo fisiopatológico que determina a perda visual ainda não é completamente compreendido, mas provavelmente é devido à pressão direta sobre o nervo óptico pelo hematoma, suplantando a pressão arterial para a perfusão de tecidos moles, como o nervo óptico e a retina3. Uma vez que estes não toleram isquemia por períodos maiores que 2-3 horas, o seu diagnóstico e manejo devem ser rápidos3, 2. Em essência, O problema resulta de um aumento do conteúdo (sangue ou ar) no interior de uma cavidade fixa (órbita), com conseqüente aumento na pressão intra-orbitária. Portanto, o tratamento deve objetivar: drenagem do hematoma ou expansão do volume orbitário.

A cantotomia lateral e a cantólise inferior são advogadas como uma forma rápida e segura de permitir uma expansão anterior do globo orbitário da ordem de 4-5 mm, reduzindo a pressão intra-orbitária3, 2, 7.

Técnica: a cantotomia é -realizada através da introdução de um dos ramos de uma tesoura na extremidade lateral da órbita com secção do ligamento cantal lateral e a pele subjacente. Caso não seja suficiente, pode ser realizada uma cantólise inferior, que é a extensão inferior da incisão seccionando a inserção do ligamento cantal lateral3, 2, 6,7.

Este procedimento simples freqüentemente é o único necessário para reduzir a pressão intra-orbitária; contudo, não sendo suficiente, deve se proceder a uma descompressão orbitária via etmoidectomia externa ou endo-nasal1, 3.

Alguns autores sugerem como medida inicial diante de uma hemorragia orbitária o uso de manitol, acetazolamida e dexámetasona em doses elevadas; observando-se a acuidade visual, motricidade e tensão ocular por um período de 90 minutos, para só então, diante da falência destes, proceder o tratamento cirúrgico3. Contudo, estas medidas não tratam o mecanismo fisiopatológico primário, que é o aumento da pressão intra-orbitária devido à uma hemorragia. Portanto, no nosso entender, a cantotomia lateral deve ser o passo inicial da descompressão orbitária, uma vez reconhecida a proptose, tendo em vista que se pode perder um tempo precioso com medidas clínicas.

Sugere-se o seguinte algoritmo para manejo da hemorragia intra-orbitária:

1) manter o olho sob vigilância durante o procedimento cirúrgico, estando atento para sinais como: proptose, equimose, midríase e aumento da tensão ocular;

2) evitar o tamponamento nasal após exposição da gordura orbitária (isto pode precipitar o hematoma orbitário deve se tentar medidas locais para controlar o sangramento, como: uso de vasoconstritores, cautério e agentes hemostáticos locais - exemplo gelfoam);

3) uma vez reconhecida a proptose:

o remover o tamponamento,

o realizar cantotomia lateral / cantólise inferior.

Alcançadas visão estável, redução da proptose e motricidade preservada ? TC / RNM + observação cuidadosa. Se houve persistência ou aumento da proptose e / ou deterioração visual ? descompressão orbitária.

No pós-operatório é de fundamental importância o suporte de um oftalmologista, com vistas a minimizar a morbidade pós-cirúrgica.

CONCLUSÃO

A hemorragia ou enfisema orbitários são complicações raras, porém graves, da cirurgia micro-endoscópica dos seios da face. O conhecimento da anatomia e da fisiopatologia do processo torna o cirurgião apto a reconhecer rapidamente esta complicação. A cantotomia lateral representa uma forma rápida, segura e simples de proporcionar uma descompressão orbitária, com o objetivo de minorar seqüelas permanentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. COREY, J. P. - Orbital complications in functional endoscopic sinus surgery. Otolaryngol Head Neck Surg., 109: 814-20, 1993
2. PELAUSA, E. O. - Orbital complications of functional sinus surgery. J. Otolaryngol., 24: 154-59, 1995
3. SAUSSEZ, S. - Lateral canthotomy : a simple and safe procedure for orbital haemorrhage secondary to endoscopic sinus surgery. Rhinology, 36: 37-39, 1998
4. STANIMBERGER, H. (1991) - Special endoscopic anatomy of the lateral nasal wall and ethmoidal tissues. In: H Stammberger (Ed). Functional endoscopic sinus surgery. The Messenklinger technic. B.C. Decker, Philadelphia pp 49-88
5. STAMMBERGER, H. (1993) - Postoperative problems and complications. In: H. Stammberger, M. Hawke (Eds) Essentials of endoscopic sinus surgery. Mosby Year Books, St Louis pp 199-208
6. THOMPSON, R. F. - Orbital haemorrhage during ethmoid sinus surgery. Otolaryngol. Head Neck Surg., 102: 45-50, 1990.
7. YUNG, C. - Efficacy of lateral canthotomy and cantholysis in orbital haemorrhage. Ophthalmic. Plast. Reconstr. Surg., 10: 137-41, 1994.




* Professor Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da FM-UFMG.
** Professor Auxiliar de Ensino do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da FM-UFMG.
*** Médico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da FM-UFMG.

Trabalho realizado pelo Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da FM-UFMG.
Trabalho apresentado no 1° Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, realizado de 13 a 18 de novembro de 1999, em São Paulo/ SP.

Endereço para correspondência: Dr. Roberto E. S. Guimarães - Rua Levindo Lopes, 191 - Savassi - 30140-170 Belo Horizonte/ MG - Telefone/Fax: (0xx31) 281-4604.
Artigo recebido em 12 de novembro de 1999. Artigo aceito em 16 de dezembro de 1999.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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