INTRODUÇÃOAs proliferações pseudoneoplásicas da cabeça e do pescoço, embora pouco comuns, têm chamado a atenção não apenas pela possibilidade de simular neoplasia, mas também pelo alto potencial de recidiva e associação com outras doenças10. Dentre estas proliferações, destacam-se as fibromatoses, a fasciíte nodular e a miosite proliferativa10, por serem mais freqüentes e, algumas vezes, apresentarem um comportamento clínico maligno, confundindo-se com sarcomas. Recentemente, foi descrita uma entidade que está se tornando alvo de discussões, a lesão fibroinflamatória tumefativa (LFT) da cabeça e do pescoço4, 5, 6, 8, 10.
O termo lesão,fibroinflamatória tumefativa foi usado pela primeira vez em 1983 por Wold e Welland6, 8 descrevendo uma desordem fibroesclerosante, de comportamento clínico maligno, mas histologicamente benigno e acometendo indivíduos com idade entre 10 e 71 anos, com maior incidência entre a 5ª e a 6ª décadas de vida e nas regiões da cabeça e do pescoço5. Essa lesão representa um grupo de doenças que possuem histopatologia semelhante; entre elas, a tiroidite de Riedel, fibroses retroperitoneal e mediastinal, colangite esclerosante e pseudotumor de órbita4, 7, 10. A sua etiologia permanece obscura, o que gera uma diversidade terapêutica muito grande, incluindo desde altas doses de corticosteróides até cirurgia e radioterapia9.
Recentemente, presenciamos um caso de LFT do pescoço em criança com seis anos de idade com o diagnóstico clínico de sarcoma de partes moles cervical. Resolvemos publicá-lo tendo em vista sua raridade e chamar a atenção dos cirurgiões pela possibilidade desta lesão simular, clinicamente, neoplasia maligna.
APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICOCriança do sexo feminino, de cor branca, com seis anos de idade, com história de massa em triângulo posterior da região lateral esquerda do pescoço há 30 dias, de crescimento progressivo, pouco dolorosa e associada a linfonodopatia generalizada e febre. Há 10 dias, apresentou amigdalite purulenta que foi tratada com penicilina cristalina, com boa resolução do quadro. Ao exame físico, observou-se massa firme, não depressível, de 4,0 x 2,5 cm, dolorosa à palpação, com pouca mobilidade e aderida aos planos profundos. Exames laboratoriais - hemograma: leucocitose, aumento de segmentados, monocitose e velocidade de hemossedimentação elevada; sorologias para citomegalovírus, rubéola e mononucleose não sugestivas de infecção aguda; rotina de urina sem alterações. Radiografia de tórax sem alterações; ultra-sonografias abdominal e pélvica normais e cervical mostrando aumento de partes da região lateral esquerda e linfonodos de volume aumentado localizados em cadeias carotídeas inferior e superior bilateralmente, cervical posterior à esquerda e submandibular à direita, entre 0,8 e 2,1 cm de diâmetro.
Em vista desses resultados, foi sugerida biópsia a céu aberto, para esclarecimento diagnóstico. Durante o ato cirúrgico, observou-se massa branco-acinzentada, com aspecto de tecido fibrótico, circundando e infiltrando posteriormente o esternocleidomastóideo, sendo difícil a ressecção. Foi realizada biópsia excisional da massa e de um linfonodo, para estudo, anatomopatológico.
Exame anatomopatológico
Macroscopia
Estrutura nodular de formato oval pesando 5g e medindo 3 x 2 x 2 cm, apresentando superfície externa discretamente lobulada, de coloração róseo-amarelada, de consistência elástica. A superfície de corte demonstra tecido de aspecto estriado, de tonalidade branco-acinzentada, brilhante, de consistência macia contendo nódulo de formato oval medindo 1,1 x 0,6 x 0,6 cm, de tonalidade cinza, de consistência mole, com aspecto de linfonodo.
Microscopia
Tecido fibromuscular apresentando intenso infiltrado inflamatório composto por linfócitos, plasmócitos e eosinófilos ao lado de proliferação fibroblástica difusa sem atipias (Figura 1), com necrose de gordura e depósitos intensos de colágeno que permeiam e causam atrofia de fibras musculares (Figura 2). Em maior detalhe do processo fibroinflamatório, as células inflamatórias permeiam o tecido conjuntivo fibroso colagenizado (Figura 3). Não foram observadas figuras de mitose. Em meio ao processo, nota-se linfonodo com hiperplasia folicular reativa.
Diagnóstico: Produto de exérese de "tumor em região cervical esquerda": lesão fibroinflamatória tumefativa do pescoço.
Após a cirurgia, não foi prescrita medicação específica e a paciente, acompanhada clinicamente há 20 semanas, não apresenta evidências de recidiva em avaliação com tomografia computadorizada. Queixa-se apenas de diminuição de sensibilidade de pequena porção do lóbulo do pavilhão auricular esquerdo.
DISCUSSÃOTrata-se de relato de LFT acometendo o pescoço de criança com seis anos de idade. O diagnóstico foi baseado nos achados clínicos e no exame histopatológico do material colhido por biópsia excisional a céu abertos. As LFT mostram-se, macroscopicamente, como massas firmes, branco-acinzentadas, de textura homogênea e, histologicamente, apresentam tecido conjuntivo fibroso permeado por proliferação fibroblástica, linfócitos e polimorfonucleares10, compatível com o quadro observado no presente caso e demonstrado nas Figuras 1, 2 e 3.
Figura 1. Infiltrado inflamatório intenso ao lado de proliferação fibroblástica difusa que envolve tecido gorduroso (HE, 100x).
Figura 2. Tecido conjuntivo fibroso colagenizado que circunda e causa atrofia de fibras musculares esqueléticas (HE, 100x).
O trato sinusal é o local mais freqüentemente acometido pela LFT, seguido pela região cervical, topografia do caso em questão, e glândulas parótidas5. Mandíbula, língua e face são sítios menos comuns de acometimento5. Há raros relatos da lesão ocorrendo em regiões diferentes da cabeça e pescoço.
A idade de apresentação nos 23 casos relatados na literatura variava entre 10 e 71 anos, sendo que, na maioria dos pacientes, a lesão foi diagnosticada durante a quinta e a sexta décadas de vida5. Ao que nos consta, no presente relato tem-se a apresentação mais jovem da LFT, em criança com seis anos de idade, tendo em vista que apenas três casos ocorreram em indivíduos com menos de 16 anos é mais de 10 anos1, 3, 8.
Embora histologicamente benignas, as LFT podem apresentar comportamento clínico maligno, com crescimento rápido, invasão de estruturas adjacentes e, algumas vezes, refratárias à terapêutica medicamentosa e/ou cirúrgica4, 6, 8, 9, 10. Não obstante, quando acometem indivíduos jovens, principalmente crianças, podem simular neoplasias de grande importância clínica, em virtude do péssimo prognóstico, como linfoma de alto grau, rabdomiossarcoma, fibrossarcoma, sarcoma de Ewing, neuroblastoma, sarcoma osteogênico, sarcoma sinovial e hemangiopericitoma, entre outros2, 11. Por esta razão, os cirurgiões devem estar atentos e levantar a possibilidade de LFT antes de submeter seus pacientes jovens a tratamentos radicais. Muitas vezes, a cirurgia excisional3, 5, 9, associada ou não ao uso contínuo de 10 a 20 mg de prednisona por dia durante longos períodos4, pode resolver a maioria dos casos de LFT, dispensando-se outras terapêuticas mais agressivas e possibilitando maior conforto para o paciente e seus familiares.
Figura 3. Detalhe do processo fibroinflamatório mostrando tecido conjuntivo fibroso colagenizado, permeado por linfócitos, plasmócitos e eosinófilos (HE, 400x).
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* Médico Patologista da Associação de Combate ao Câncer do Brasil Central e Professor Adjunto de Endocrinologia da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM).
** Acadêmico (a) de Medicina da FMTM.
*** Médico Cirurgião e Professor Auxiliar da Disciplina de Cirurgia Pediátrica da FMTM.
Endereço para correspondência: Dr. Marcus Aurelho de Lima - Disciplina de Endocrinologia do Hospital Escola - Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro - Rua Getúlio Guarita, 130 - Abadia - 38025-440 Uberaba/ MG - Brasil - Telefone: (0xx34) 318-5292 / 5258 - Fax: (0xx34) 312-6640 - E-mail: lima@mednet.com.br
Artigo recebido em 4 de outubro de 1999. Artigo aceito em 30 de maio de 2000.