INTRODUÇÃOA fonação inspiratória, inalatória ou reversa é a produção da voz na inspiração, ou seja durante a entrada de ar nos pulmões, padrão inverso do habitual.
Timcke, Leden e Mooret10 comentam que a fonação inspiratória é de rara ocorrência durante a conversação, aparecendo em risadas, choros e outras manifestações emocionais. Eles observam que, durante a fonação inspiratória, as aritenóides não estão totalmente aproximadas, formando um triângulo posterior parecido com o que ocorre na fonação sussurrada. Em relação aos princípios aerodinâmicos, os autores diferenciam a fonação expiratória da inspiratória por dois fatores que se complementam: a sucção do efeito de Bernouilli e o efeito de fechamento produzido pela configuração anatômica das pregas vocais. A pressão de ar estática acima das pregas vocais, na fonação inspiratória, tende a forçar as pregas uma contra a outra. Ao contrário, na fonação expiratória, a pressão subglótica produz o efeito oposto, ou seja, a abertura das pregas vocais.
Atualmente, a fonação inspiratória é conhecida e utilizada principalmente por sua eficácia como técnica terapêutica2, como fonação compensatória de algumas alterações vocais e laríngeas6, tendo também já sido utilizada com objetivo de auxiliar no diagnóstico dos tumores do vestíbulo laríngeo, por análise radiológica7.
Mesmo com o advento das fibras óticas na clínica laringológica, proporcionando melhor visualização da laringe, é freqüente a dificuldade encontrada pelos otorrinolaringologistas para definir as lesões visualizadas durante o exame, seja por telescópio laríngeo ou por nasofibroscopia. O diagnóstico das lesões de massa deixa muitas dúvidas; as inflamações, os edemas, as reações contralaterais associadas a estas lesões podem mascarar uma lesão primária. A utilização da estroboscopia pode ser de grande auxílio, como é indicado na literatura3, 1, 8, mas, infelizmente, não é um recurso disponível a todos os médicos otorrinolaringologistas.
Portanto, o objetivo do presente trabalho é utilizar a fonação inspiratória durante o exame de laringe em pacientes com queixa de voz e lesões benignas das pregas vocais e verificar sua contribuição diagnóstica na identificação e caracterização destas lesões.
MATERIAL E MÉTODOForam examinados 31 indivíduos, portadores de lesão de massa e queixa vocal, na faixa etária de 23 a 52 anos.
Os indivíduos foram submetidos ao exame de laringe, realizado com telescópio rígido marca Machida, modelo LCY-32.70°, microcâmera marca Panassonic, sistema CCD, vídeo modelo Sony, gravado em NTSC e velocidade SP em fita magnética marca TDK.
TABELA 1 - Distribuição numérica e percentual da contribuição no diagnóstico otorrinolaringológico com o uso da fonação inspiratória ( N = 31).
Utilizou-se para anestesia tópica xylocaína spray a 10%. Seguiu-se o exame em duas etapas: primeiro convencionalmente, com a fonação expiratória das vogais "é" é "i", em freqüência e intensidade habituais da fala e, em seguida, o paciente foi orientado a realizar, três vezes consecutivas, a manobra da fonação inspiratória, ou seja: expirar o ar todo dos pulmões e inspirar emitindo as mesmas vogais, "é" e "i", sustentando-as por alguns segundos.
Em um estudo piloto a partir da análise das gravações em vídeo, comparando-se as duas emissões, observou-se que a fonação inspiratória possibilitava a visualização de estruturas não visíveis durante a expiratória, ou seja: presença ou ausência da expansão da camada superficial da lâmina própria e do ligamento vocal, a lesão mais ou menos evidenciada e a sua localização dentro das camadas da lâmina própria.
Um protocolo foi criado (Anexo I), para preenchimento dos dados das duas emissões, após análise visual das imagens gravadas. Este protocolo continha parâmetros comuns e complementares às duas fonações. Foram analisados os seguintes parâmetros: hipótese diagnóstica (considerando-se o tipo de lesão identificada), definição do diagnóstico (diagnóstico inalterado ou alterado; sendo este último reclassificado em definido ou modificado); localização da lesão nas camadas da mucosa (lesão superficial, profunda ou indefinida) e visualização do ligamento vocal (completa, parcial ou ausente).
RESULTADOSOs principais resultados encontram-se nas Tabelas de 1 a 4. A Tabela 1 apresenta a contribuição da fonação inspiratória no diagnóstico otorrinolaringológico, em que se evidencia o ganho da utilização dessa manobra, tanto na definição quanto na modificação do diagnóstico inicial, durante o exame convencional.
A Tabela 2 apresenta os tipos de lesões encontradas, em ambos os modos de fonação, nos quais se pode perceber que a fonação inspiratória contribuiu na definição das chamadas massas das pregas vocais, ressaltando a presença dos cistos.
TABELA 2 - Tipos de lesões identificadas na fonação expiratória e inspiratória.
TABELA 3 - Localização da lesão na lâmina própria, em suas respectivas pregas vocais (PV) direita e esquerda, nos dois tipos de fonação.
TABELA 4 - Distribuição numérica e percentual da relação entre a localização da lesão e a visualização do ligamento vocal na fonação inspiratória.
A Tabela 3 mostra a contribuição da fonação inspiratória na localização da tesão nas camadas superficial ou profunda da lâmina própria, enquanto que a Tabela 4 evidencia a visualização do ligamento vocal nas duas emissões solicitadas ao paciente.
COMENTÁRIOSA utilização da fonação inspiratória, durante o exame de laringe revelou ser uma manobra simples, de aprendizado imediato e de fácil execução para o paciente, com grande potencialidade de melhorar o diagnóstico das chamadas lesões de massa das pregas vocais.
1A. Fonação Expiratória
1B. Fonação Inspiratória
CASO 1 - Fotos 1A e 1B: Na Fonação expiratória observa-se apenas uma irregularidade mal definida no 1/3 médio da prega vocal D, e a fonação inspiratória evidenciou um microcisto, localizado superficialmente na lâmina própria da prega vocal D.
Desta forma, analisando-se a contribuição da fonação inspiratória no diagnóstico otorrinolaringológico, os resultados mostram que este procedimento é de grande auxílio, pois em 90,32% dos casos o diagnóstico foi alterado, sendo que em apenas 9,67% não houve alteração do diagnóstico conferido na avaliação tradicional (Tabela 1). Nota-se também que dentro do diagnóstico alterado, em 60,71% dos casos houve melhor definição das lesões, ou seja, a fonação inspiratória forneceu dados importantes que definiram melhor uma suspeita anterior. Em 39,28% houve uma modificação total no diagnóstico conferido com a fonação expiratória, pois algumas lesões só puderam ser diagnosticadas durante a inspiração. Isto representa uma contribuição inquestionável, do momento em que o tratamento do paciente, particularmente quando da intervenção fonoaudiológica, tem sido cada vez mais específico e dependente dos dados obtidos na avaliação laríngea, comportamental vocal e acústica. O diagnóstico correto leva a um melhor tratamento, reduz o tempo de terapia e minimiza os custos envolvidos nesse processo, oferecendo melhor qualidade de atendimento ao paciente.
Em relação aos tipos de lesões encontradas nos dois modos de fonação (Tabela 2), pode-se notar, principalmente, que 11 cistos foram diagnosticados com a fonação inspiratória e 10 lesões de massa foram melhores definidas. Entre estes cistos diagnosticados, pode se observar no Caso 1 que, na fonação expiratória (Foto 1A), apenas se visualizava uma irregularidade mal definida, mas durante a fonação inspiratória (Foto 113) foi diagnosticado um microcisto. A diferenciação entre nódulos e cistos não pôde ser estabelecida, uma vez que o diagnóstico de nódulos foi muito pequena (dois casos), mas a conclusão de que tal manobra foi útil para o diagnóstico de cistos é inquestionável. Ainda nesta tabela, é interessante observar que dois sulcos diagnosticados durante a fonação inspiratória estavam mascarados pelas inflamações e edemas existentes no exame convencional, quando não puderam ser visualizados.
Quanto à localização das lesões na lâmina própria (Tabela 3), de 31 lesões consideradas indefinidas na fonação expiratória, 29 passaram a ser definidas com a manobra da fonação inspiratória realizada. Pode se afirmar que esta foi a maior contribuição ao diagnóstico, uma vez que, definindo-se a localização da lesão em superficial ou profunda, pode se estabelecer uma relação com o tipo de lesão em si, já que o desenvolvimento de tais alterações obedece a um critério de localização bastante específico nas diferentes camadas na lâmina própria, conforme relatado por alguns autores3, 8. Em relação aos cistos, como eles podem se apresentar tanto na camada superficial, quanto firmemente aderidos às camadas profundas, a manobra da fonação inspiratória é de grande auxílio no encaminhamento desse paciente, na decisão de uma intervenção cirúrgica e no prognóstico fonoaudiológico, no pré e pós-operatório.
Gray, Hirano e Sato5 descrevem a camada superficial da lâmina própria, como a mais definida, solta e maleável durante a vibração, podendo, porém, sofrer como conseqüência de algum tipo de inflamação, tumor ou cicatrização.
2A. Fonação Expiratória
2B. Fonação Inspiratória
CASO 2 - Fotos 2A e 2B: A fonação expiratória mostra uma lesão com aspecto polipóide na prega vocal E, suspeita de ser a alteração mais importante, com coaptação incompleta e fenda dupla. A fonação inspiratória revela que a lesão da prega vocal E corresponde à uma coleção mixomatosa localizada na lâmina própria, sem processos cicatriciais, pois ocorre boa expansão da mesma, com exposição completa do ligamento vocal que se apresenta uniforme. Já na prega vocal D, nota-se que não ocorre expansão da lâmina própria, sem individualizar o ligamento vocal. Observa-se uma nodulação no 1/3 médio do mesmo e, a presença de vasculodisgenesia. Este achado demonstra que a lesão mais importante do caso está na prega vocal D e não na prega vocal E, como se suspeitava pela fonação expiratória.
Isto pôde ser observado quando, durante a fonação inspiratória, as lesões mais rígidas impossibilitavam uma boa expansão da camada superficial da lâmina própria e, conseqüentemente, limitavam ou impediam a visualização da linha do ligamento vocal (Caso 2 - Fotos 2A e 2B e Caso 3 - Fotos 3A e 3B).
Quanto melhor a vibração das pregas vocais, melhor a qualidade vocal. Sato e Hirano9 afirmam que a região mais importante para o padrão vibratório das pregas vocais é a cobertura, que consiste em epitélio e camada superficial da lâmina própria, camada intermediária e profunda. Com a força da fonação inspiratória, é possível observar como estas estruturas se comportam, o que não ocorre durante O exame convencional. Nota-se que quando há integridade de mucosa pode se observar, por transparência, a expansão de sua camada superficial e a exposição do ligamento vocal, ou seja, de sita camada intermediária e profunda. Durante a fonação inspiratória, é possível observar o desprendimento da camada superficial sobre as camadas mais internas. Ao contrário, quando há uma rigidez de mucosa, este efeito tende a não ocorrer, porque o tecido torna-se mais rígido, como afirmaram Colton e Casper4.
Pode-se observar (Tabela 4) que, quando a lesão é de localização superficial, a visualização do ligamento é melhor, ou seja, total em 86,1%, parcial erre 8,32% e ausente em 5,54% dos casos; já quando a lesão é na camada mais profunda a visualização do ligamento é prejudicada, pois em 50% dos casos ele não foi visualizado, em 45,83% foi visualizado apenas parcialmente e em 4,16% foi visualizado totalmente.
Não foi possível estabelecer uma relação entre os tipos de lesões, a expansão da lâmina própria e a visualização do ligamento vocal, pois nem todas as lesões foram definidas em categorias específicas, e muitas delas permaneceram como lesões de massa, irregularidades de mucosa ou edemas. Porém, foi possível dizer que, quanto menor o comprometimento da lâmina própria, maior é a possibilidade de expansão da mesma e, conseqüentemente melhor exposição do ligamento vocal. Nos casos de edemas, quanto maiores eram, maior era a expansão da camada superficial da lâmina própria visualizada. Quando as lesões eram mais rígidas, mais aderidas as camadas internas, a expansão da lâmina própria e visualização do ligamento diminuíam ou não ocorriam.
Portanto, a fonação inspiratória auxilia a definir melhor a lesão quanto à sua localização nas camadas da lâmina própria da prega vocal e, assim, leva a uma hipótese diagnostica mais precisa. O diagnóstico diferencial entre nódulos, pólipos, cistos nem sempre pôde ser realizado, mas as informações adicionais sobre a lesão deram mais sustentação à hipótese diagnostica.
3A. Fonação Expiratória
3B. Fonação Inspiratória
CASO 3 - Fotos 3A e 3B: Na fonação expiratória observa-se uma irregularidade de bordas livres no 1/3 médio de ambas as pregas vocais, sendo mais puntiforme à direita. A fonação inspiratória revela uma expansão normal da lâmina própria à E, com perfeita exposição do ligamento vocal, que se apresenta arqueado. Já na prega vocal D, não ocorre nenhuma expansão da lâmina própria, o que sugere grande comprometimento da mesma.
CONCLUSÃODa utilização da fonação inspiratória na avaliação laringoscópica de pacientes com queixa vocal e portadores de lesão benigna da cobertura da prega vocal, pode se concluir que a fonação inspiratória:
1. acrescentou informações relevantes no diagnóstico, definindo, alterando ou revelando lesões de massa;
2. contribuiu na identificação das lesões de massa e de suas características específicas;
3. possibilitou localizar a lesão quanto às camadas da lâmina própria da prega vocal; e
4. demonstrou que, quando há integridade da cobertura da lâmina própria da prega vocal, acorre a expansão da mesma e a visualização do ligamento vocal.
REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. ABITIBOL, J. -Atlas of laser voice surgery. San Diego, Singular, 1995.
2. BEHLAU, M. & PONTES, P. - Avaliação e tratamento das disfonias. São Paulo, Lovise,1995.
p. BOUCHAYER, M. & CORNUT, G. - Instrumental microscopy of benign lesions of vocal folds. In: FORD, C. N. & BLESS M. D. Phonosurgery assessment of management of voice disorders. New York, Raven,1991. p.143-165.
4. COLTON, H. R. & CASPER, J. K. - Compreendendo os problemas de voz uma perspectiva fisiológica ao diagnóstico e ao tratamento. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996.
5. GRAY, S.; HIRANO, M.; SATO, K. - Molecular e cellular structure of vocal fold tissue. In TITZE, I. R. - Vocal fold physiology, San Diego, Singular, 1993.
6. HARRISON, G. A.; TROUGHEAR, R. H.; DAVIS, P.J.; WINKWORTH, A.L. - inspiratory speech asa management option for spastic dysfonia. Ann.Otol. Rbinol. Laryngol., 101: 375-382, 1992.
7. LEHMANN,K. H.; Reverse phonation : A new manouver of examining the larynx. Radiology, 84: 215 -21, 1965.
8. SATALOFF, R.T. - Professional voice: the science and art of clinical care 2ª ed. Singular, San Diego,1997.
9. SATO, K. & HIRANO M. - Age-related changes of elastics fibers in the superficial layer of the lamina propria of vocal folcis. Ann. Otol. Rhinol. Laryngol., 106.- 44-8, 1997.
10. TIMCKE R.; LEDEN, H.; MOORE, P. - Laryngeal vibrations: measurements of the glottic wave. Arch. Otololaryngol., 68: 119, 1958
ANEXO I - Protocolo utilizado no exame de laringe para pesquisa da Utilização da Fonação Inspiratória na Caracterização das Lesões Benignas da Laringe.Fita:__________ Caso:__________ Sexo:__________ idade:__________
FONAÇÃO EXPIRATÓRIA:
1- Lesão das PPVV: ( ) PVD - HD_________________________________________________
( ) PVE - HD_________________________________________________
2- Severidade da lesão: ( ) +D ( ) + E ( ) simétrico
3- Localização da lesão na lâmina própria: PVD ( ) superficial ( ) profunda ( ) indefinida
PVE ( ) superficial ( ) profunda ( ) indefinida
4- Fenda ( ) sim ( ) não Tipo:_____________________________________
FONAÇÃO INSPIRATÓRIA:
1- Diagnóstico: ( ) alterado ( ) inalterado
2-Diagnóstico Alterado: ( ) definido ( ) modificado
3- Lesão das PPVV ( ) PVD - HD_________________________________________________
( ) PVE - HD_________________________________________________
4- Severidade da lesão: ( ) +D ( ) + E ( ) simétrico
5- Localização da lesão na lâmina própria:PVD ( ) superficial ( ) profunda ( ) indefinida
PVE ( ) superficial ( ) profunda ( ) indefinida
6-Fenda: ( ) sim ( ) não Tipo:___________________________________________
7- Expansão da lâmina própria: PVD ( ) sim não ( )
PVE ( ) sim não ( )
8- Visualização da linha do ligamento: PVD ( ) sim ( ) não
( ) completa
( ) parcial
PVE ( ) sim ( ) não
( ) completa
( ) parcial
obs.:_______________________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
* Fonoaudióloga Especialista em Voz com Curso no Centro de Estudos da Voz - CEV.
** Fonoaudióloga, Especialista em Voz, Doutora em Distúrbio da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo, Diretora do Centro de Estudos da Voz - CEV.
*** Médico Otorrinolaringologista, Doutor em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela Universidade Federal de São Paulo. Chefe do Setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo, Francisco Morato de Oliveira.
**** Fonoaudióloga, Especialista em Voz com Curso no Centro de Estudos da Voz - CEV.
Versão preliminar apresentada no The Voice Foundation Congress 27th. Annual Symposium: Care of the Professional Voice - Philadelphia - 1998. Versão integral apresentada e premiada como melhor Tema Livre no I Congresso Triológico de Otorrinolaringologia e 5° Congresso Brasileiro de Laringologia e Voz.
Endereço para correspondência: Rua dos Estados Unidos da Venezuela, 78 - Santos/ SP. Telefones: (0xx13) 261-3434 e 222-1543 Fax: (0xx13) 219-8725.
E-mail: valente@iron.com.br
Artigo recebido em 21 de julho de 2000. Artigo aceito em 22 de agosto de 2000.