INTRODUÇÃO
O carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço é uma das neoplasias mais comuns, com taxas de mortalidade mundiais que atingem até 20/100 mil habitantes (Landis e colaboradores, 1998). No Brasil, as estimativas recentes disponíveis referem apenas o câncer de boca, com 8 mil casos novos em 1998 (Ministério da Saúde, 1998). Os dados epidemiológicos têm apontado para o fumo e a dieta como os principais fatores de transformação maligna nesse grupo, além das infecções virais e a susceptibilidade genética. (Gallo e colaboradores, 1996; Soresen e colaboradores, 1997; McKaig e colaboradores, 1998).
Entre os tumores de cabeça e pescoço, a cavidade oral apresenta-se como sítio de maior incidência, abrigando cerca de 30% dos casos e aproximadamente 6% do total de cânceres que afligem o organismo humano. Entre as neoplasias de cavidade oral, a de língua, com incidência equivalente a de lábio, representa de 20% a 50% do total de cânceres da região, com uma ocorrência de cerca de 5,5 mil casos novos por ano nos Estados Unidos (Mark,1998).
Shah e colaboradores (1990) inferem que o fator prognóstico mais importante em tumores de cabeça e pescoço é a presença de metástases cervical com decréscimo de aproximadamente 50% no tempo de sobrevida, quando existem nódulos cervicais comprometidos por doença metastática. Salientam que os mesmos estão presentes em aproximadamente 40% dos pacientes com carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço.
O tratamento das neoplasias de língua, quando existem nódulos cervicais clinicamente evidentes, é realizado com ressecção da lesão primária acompanhada de dissecção cervical. Entretanto, essa abordagem é discutível em casos sem indícios de metástases loco-regionais (NO), particularmente se a lesão primária puder ser ressecada sem a necessidade de acesso cervical (Byers, 1998).
O presente estudo tem como objetivo avaliar o índice de metástases loco- regionais, clinicamente ocultas de tumores de língua, T1 e T2 (UICC), em seus dois terços anteriores.
MATERIAL E MÉTODO
Nesse trabalho foi utilizada uma amostra de 20 pacientes, portadores de carcinoma espinocelular de língua, estádios T1 e T2 em sua porção intra-oral, sem evidência clínica de metástase cervical, atendidos pelo Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Base de São José do Rio Preto, entre julho de 1990 e junho de 1999. Trata-se de um estudo com análise de prontuários, com autorização dos pacientes, ou de seus familiares, em caso de óbito. Entre os pacientes, ha 10 que foram tratados com glossectomia parcial e 10 que foram submetidos à referida cirurgia associada a um esvaziamento cervical supra omo-hióideo, conduta clinico-cirúgica preconizada pelo serviço na época. Todos os pacientes foram acompanhados mensalmente no primeiro ano de pós-operatório, bimensalmente no segundo ano, a cada três meses no terceiro ano, a cada quatro meses no quarto ano e a cada cinco meses no quinto ano, respectivamente. Na evidência de nódulos, ou massas cervicais, foi solicitada punção aspirativa com agulha fina diagnóstico-histopatológica.
RESULTADOS
Dos vinte pacientes incluídos neste estudo, observou-se uma faixa etária média de 64,5 anos, com variação entre 46 e 81 anos no momento do diagnóstico. Indivíduos do sexo masculino compuseram 65% da amostra, com 13 pacientes, e os do sexo feminino, 35%, com sete pacientes.
Com relação aos hábitos, 85% dos pacientes eram tabagistas e fumaram por um período médio de 39,2 anos antes do diagnóstico. O etilismo foi revelado por 40% dos pacientes, cuja prática ocorreu em média por 33,5 anos antes da sintomatologia.
A queixa principal foi a de ferida na língua, referida por cerca de 90% dos pacientes, seguida de dor, por 40%, e odinofagia, por 15% - esses sintomas tiveram tempo médio de evolução de 2,3 meses, antes da consulta médica. No estadiamento, segundo a UICC, obteve-se 60% da amostra de estádio T2, 12 casos; e 40% no estadio T1, oito casos.
O tratamento desses pacientes consistiu em glossectomia parcial, associada a um esvaziamento cervical supra-omo-hióideo em 50% dos pacientes, e os demais foram tratados apenas com uma glossectomia parcial. Dos pacientes submetidos à dissecção cervical, apenas um apresentou um linfonodo comprometido por doença neoplásica, diagnóstico anátomo-patológico, situado na área II, ipsilateral à lesão. Entre os 10 pacientes tratados apenas com glossectomia parcial, quatro desenvolveram doença metastática cervical, clinicamente evidente, nódulo cervical palpável ao exame físico e com diagnóstico histopatológico, por meio de uma punção aspirativa por agulha fina em seu acompanhamento, sendo que o tempo médio para o diagnóstico desses nódulos foi de 15 meses após o tratamento inicial, e todos se manifestaram, na área II ipsilateral à lesão. Dos cinco pacientes que apresentaram metástases cervicais clinicamente ocultas, dois encontravam-se no estádio T1, e três no estádio T2.
Observou-se também a presença de patologias associadas, senda que a de maior incidência foi a hipertensão arterial, que se manifestou em 54% da amostra, seguida de diabetes melitus em 18%, depressão, doença de Parkinson e insuficiência renal crônica-incidiu em 9% da amostra cada uma delas.
DISCUSSÃO
O tumor de língua apresenta-se como uma das principais incidências do carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço. Em geral, atinge indivíduos acima dos 65 anos; porém, não poupa os que estão no auge de sua capacidade de trabalho. Ocorre com maior freqüência em indivíduos do sexo masculino, com aproximadamente 70% dos casos. Seus principais fatores de risco continuam apontando para o tabagismo e o etilismo.
A língua, por ser um órgão de drenagem linfática muito rica, apresenta altos índices de disseminação metastática de seus cânceres, mesmo em se tratando de lesões iniciais, que na maioria dos casos são subclínicas.
Neste estudo observou-se que quatro pacientes, dos 10 que foram tratados apenas de sua lesão primária, apresentaram metástases cervicais clinicamente evidentes em seu acompanhamento, em média 15 meses após o tratamento inicial. Dos 10 pacientes submetidos a glossectomia parcial mais esvaziamento supra omo-hiódeo, um apresentou um linfonodo comprometido pela doença após exame anátomopatológico do produto do esvaziamento cervical. Perfazendo, assim, cinco casos, 25% da amostra, que no exame físico inicial apresentavam pescoço N0; porém, com comprometimento linfonodal subclinico, todos na área II, ipsilateral à lesão.
Os resultados obtidos por esse estudo assemelham-se aos da literatura, onde Lydiatt e colaboradores (1993) mostra~ ratn em estudo de 156 pacientes portadores de lesões T1 e T2 de língua intra-oral que 20,4% dos casos N0 tornaram-se patologicamente positivos após a dissecção cervical. Hicks e colaboradores (1998), em estudo com 79 pacientes com diagnóstico semelhante, obtiveram um índice de 25% de pacientes NO que se tornaram N+ após a referida cirurgia.
Yen e colaboradores (1999), em estudo com 50 pacientes com lesões T1 e T2 de língua intra-oral, obtiveram os seguintes índices; 36 de metástase linfonodal subclínica, sendo a área II ipsilateral à lesão a mais comprometida, 34% de nódulos metastáticos positivos em pacientes que apresentavam tomografia e ultrassom normais, e 20% dos pacientes que apresentavam o exame de congelamento intra-operatório sem evidência de doença metastática no produto do esvaziamento cervical tornaram-se positivos para disseminação metastática após a análise dos cortes de parafina.
Haddadin e colaboradores (1999), em estudo de 226 pacientes com diagnóstico e estádio semelhante aos anteriores, obtiveram um índice de metástase oculta de 38%, uma taxa de sobrevida de 80,5% em cinco anos para os indivíduos tratados com ressecção da lesão primária mais esvaziamento supra-omohióideo; os tratados apenas com ressecção da lesão primária apresentaram uma sobrevida de 59,7% dos casos. Já os pacientes que foram submetidos ao esvaziamento cervical e/ou a radioterapia somente quando vieram apresentar metástases clinicamente evidentes tiveram uma sobrevida média de 44,8% em cinco anos. No estudo do referido autor, também se observou, nesse último grupo, um alto índice de disseminação extra capsular dos linfonodos comprometidos-justificando, assim, a necessidade de tratamento do pescoço de pacientes com essas lesões.
CONCLUSÃO
Os tumores de língua, mesmo em seus estádios iniciais, apresentaram um alto índice de metástases subclínicas, que devem ser tratadas, mesmo sem indícios de sua presença.
REFERÊNCIAS BIBLLIOGRÁFICAS
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* Médico contratado do Departamento de Otorrinolaringologia e Pós-Graduando em Nível Mestrado da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/ SP. ** Doutora em Biologia e Chefe do Departamento de Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/ SP. Doutor em Otorrinolaringologia, Diretor e Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/ SP. Instituição: Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Endereço para correspondência: Fernando Drimel Molina - Rua Tamoio, 51 - casa 4 - 15014-040 São José do Rio Preto /SP - Telefax: (0xx17) 231-4257. Artigo recebido em 24 de março de 2000. Artigo aceito em 13 de julho de 2000.
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