ISSN 1806-9312  
Segunda, 29 de Abril de 2024
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2490 - Vol. 66 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 2000
Seção: Artigos Originais Páginas: 439 a 442
BAIXA DISCRIMINAÇÃO AUDITIVA EM AMBIENTE COMPETITIVO DE PACIENTES JOVENS COM AUDIOGRAMA NORMAL.
Autor(es):
Ari de Paula*,
José A. P. Oliveira**,
Natália M. Godoy***.

Palavras-chave: audiometria competitiva, discriminação auditiva, ambiente competitivo, ruído branco, monossílabos, hipoacusia

Keywords: audiometric threslhold, word recognition, noise induced hearing loss, back noise, intelligibility, hearing

Resumo: Introdução: Foram estudados seis pacientes com queixa de dificuldade auditiva, entre 14 e 35 anos de idade (média de 27,8), mas que apresentavam avaliação audiométrica convencional normal, inclusive discriminação de 100%. Material e métodos: Utilizamos uma metodologia desenvolvida para avaliação do índice de reconhecimento da fala no silêncio e perante um ruído competitivo (ruído branco) em uma cabina audiométrica, sem fone de ouvido, onde observamos o comportamento da dificuldade crescente em discriminar monossílabos de acordo com o aumento do ruído branco dentro da cabina. Resultados: Comparamos o resultado encontrado com 14 pacientes jovens normais e sem queixas, tendo sido mostrado que os seis pacientes estudados realmente apresentavam uma compreensão das palavras muito aquém da revelada pelos pacientes normais em ambiente competitivo, mesmo apresentando uma discriminação de 100% no silêncio. Conclusão: O presente estudo demonstra que o resultado normal de um audiograma convencional nem sempre traduz a realidade, sendo que devemos lançar mão deste tipo de avaliação para uma definição mais precisa das condições auditivas de um indivíduo.

Abstract: Introduction: Six patients between 14 and 35 years old (on avarage of 27,8) with normal audiologic level were studied. They declared that their quality in audition was not good, even though their conventional audiological level was a normal and the intelligibility 100%. Material and methods: We used a methodology developed to evaluate the audiologic level in silence and in the presence of a competitive noise (white noise) in an audiometric cabin without earphone where we could observe the increasing difficulty in discriminating monosyllables according to the rise of white noise into the cabin. Results: It has been showed, comparing the results found in the study with 14 normal patients with any complaint, that the six studied patients in fact, have a comprehension of the words far short of the normal ones in a competitive environment although they showed a 100% of discrimination in silence. Conclusion: The current study proves that a normal result of a conventional audiogram not always shows the reality so that we should use this kind of evaluation to a more accurate definition of an individual's audition condition.

INTRODUÇÃO

É muito comum na rotina diária de um consultório otorrinolaringológico a queixa de dificuldades auditivas, sendo que o exame audiológico básico é rotineiramente executado para descartar ou confirmar a procedência de tal queixa . Nesta situação, as curvas aérea e óssea devem ser feitas, além de imitanciometria, sendo que poderá completar este ciclo básico de avaliação audiológica a taxa do índice de reconhecimento da fala tanto para monossílabos quanto para dissílabos (Costa, Cruz e Oliveira, 1994; Lopes Filho, 1994). Há, porém, situações em que mesmo apresentando aos pacientes um exame considerado classicamente dentro da normalidade, estes ainda insistem em afirmar que principalmente em ambiente ruidoso há certa dificuldade de compreensão das palavras de interlocutor. Tal queixa é relativamente comum partindo de pacientes que apresentam determinado grau de perda auditiva, particularmente neurossensorial (Simonton, 1953; Anianson, 1979; Dubno, 1984); porém, raramente consideramos as mesmas queixas quando elas partem de pacientes jovens, e principalmente quando apresentam uma curva audiométrica dentro da normalidade. Ocorre que o exame é feito em unia cabina teoricamente anecóica; e, desta forma, não testamos a qualidade auditiva do paciente em um ambiente competitivo, com ruído constante ao redor, não podendo afirmar com certeza que nada de anormal ocorre com aquele indivíduo. Cooper (1971) afirma que "seria necessário aos audiologistas mensurar ambas as discriminações, em silêncio e perante um ruído para que se entenda os problemas do indivíduo com este tipo de queixa". Jokinen (1973) estudando 120 pessoas de várias faixas etárias, concluiu que a partir da quinta década se iniciariam as dificuldades significativas para compreensão das palavras frente a um ruído competitivo, fato este no entanto que Middelweerd (1990) não confirmou em seus estudos, pois procurou avaliar justamente indivíduos jovens que se queixavam de dificuldade de compreensão das palavras em ambiente ruidoso, encontrando 15 indivíduos com um prejuízo do índice de reconhecimento nestas condições incompatível com a idade. Elbaz (1992) também mostra este tipo de paciente em seus estudos. Como avaliação da presença de disfunção auditiva central em crianças, Pereira e Schochat (1997) abordam este tipo de teste que compara o reconhecimento da fala sem ruído competitivo e na presença de ruído competitivo, e medem então a função performance-intensidade para vocábulos monossilábicos ou sentenças.

OBJETIVOS

Avaliar a capacidade de compreensão de monossílabos em ambiente competitivo, em um grupo de seis pacientes com queixas de dificuldades auditivas, a despeito da avaliação audiométrica convencional normal.

Propor a inclusão, na rotina audiológica básica, de avaliação que possa quantificar o índice de reconhecimento da fala em ruído competitivo, e não somente no silêncio.

MATERIAIS E MÉTODO

Utilizando uma metodologia desenvolvida por De Paulo e Oliveira (1998) especialmente para estudar o comportamento do índice de reconhecimento da fala em ambiente silencioso e ambiente ruidoso, a partir de uma cabina audiométrica e um audiômetro normais, avaliamos seis pacientes jovens entre 14 e 35 anos de idade (com média de 27,8 anos) sem história de utilização de medicamentos ou produtos químicos ototóxicos, de exposição a ruídos industriais, de otites de repetição na infância e sem patologia otológica aparente, ou mesmo passado, com otoscopia normal, porém com queixa de dificuldade de compreensão das palavras em ambiente ruidoso, apesar de apresentarem uma curva aérea e óssea além da imitanciometria e índice de reconhecimento absolutamente dentro da normalidade. Tais pacientes foram submetidos a uma avaliação de monossílabos da tabela de Geraldo de Sá (1952), em um ambiente onde um ruído branco (chiado) era progressivamente aumentado, enquanto que o sinal emitido da fala permanecia constante, 40 dB acima da média entre 500 e 2.000 Hz do audiograma convencional. Desta forma, índice de reconhecimento caía até que se tornar-se nulo, produzindo assim um gráfico (Gráfico 1) com dados que poderiam ser comparados aos de um grupo de normais já previamente determinado no estudo realizado por De Paula e Oliveira (1998). Iniciamos cada exame com um ruído ambiental de 50 dB, de forma que a cada término de uma coluna da lista de monossílabos acrescíamos 5 dB em ruído, mantendo o mesmo sinal emitido, ou seja, a cada coluna de monossílabos o ruído ambiental aumentava e, conseqüentemente, a discriminação auditiva era prejudicada.

RESULTADOS

O Gráfico 1 mostra a posição de todos os pacientes do grupo experimental (linhas simples) em comparação com os normais ("N", linha cheia), onde se observa na linha horizontal a diferença em dB entre o sinal emitido contendo os monossílabos e o ruído produzido no ambiente; e, na vertical, a porcentagem do índice de reconhecimento encontrada em cada instante do exame. Observa-se que todos os pacientes estudados, normais ou não, encontram-se com o índice de reconhecimento da fala auditiva absolutamente dentro da normalidade em ambiente silencioso, ou seja, 100%; porém, ao serem submetidos a este tipo de teste, nota-se nítida diferença de performance, com um prejuízo muito maior da compreensão das palavras por parte dos pacientes do grupo experimental em comparação com a dos indivíduos aproximadamente da mesma faixa etária.




No eixo vertical encontra-se a porcentagem do índice de reconhecimento da fala, enquanto que na linha horizontal encontra-se a diferença entre o sinal emitido (40 dB acima da média entre 500 e 2.000 Hz encontrada no audiograma convencional para cada paciente) e o ruído ambiental reproduzido dentro da cabina, que era acrescido de 5 em 5 dB ao término de cada coluna ela tabela de monossílabos de Geraldo de Sá (1952). A linha cheia (N) representa a linha média dos pacientes normais; e a região hachurada, a faixa de normalidade destes pacientes (De Paula e Oliveira - 1998), sem qualquer queixa de dificuldade auditiva, com todos os exames convencionais dentro da normalidade. As linhas restantes representam os seis pacientes estudados, que apresentavam um audiograma normal, porém insistiam na queixa da dificuldade auditiva. Nota-se claramente que quanto maior o ruído no interior da cabina audiométrica, menor o índice de reconhecimento da fala encontrado em todos os pacientes; porém, as curvas dos seis pacientes estudados encontramse muito aquém da dos pacientes normais, apesar de apresentarem um índice de reconhecimento de 100% antes do início do exame, com a cabina ainda em silêncio.
Gráfico 1. Comportamento da discriminação auditiva em ambiente competitivo.




Enquanto que para a compreensão de 50% dos monossílabos o grupo dos normais necessitavam de 10 a 15 dB de diferença S-R (ruído ambiental 10 a 15 dB maior que o sinal), o grupo experimental já o atingia entre 0 a 5 dB em média de S-R. Para que o grupo de normais não compreendesse qualquer palavra era necessário um ruído ambiental entre 25 a 30 dB acima do sinal emitido, enquanto que, para a mesma situação, o grupo experimental anulava sua compreensão quando o ruído ambiental apresentava-se em uma faixa de apenas 15 dB de ruído acima do sinal emitido. Ou seja, a dificuldade de compreensão dos pacientes estudados em ambiente competitivo realmente foi maior que a encontrada em pacientes normais.

DISCUSSÃO

É uma constante no cotidiano das pessoas conviver em locais com um ruído ambiental que quase nunca é prejudicial a ponto de levar algum dano às células do órgão de Corti, mas que de alguma forma pode interferir na compreensão das palavras. Estas alterações são bem demonstradas em pacientes idosos (Dirks, 1982; Dubno, 1984; De Paula e Oliveira, 1998); porém, pouco se fala de jovens com audiogramas normais com esta dificuldade. O presente estudo confirma a razão de ser da preocupação destes autores, pois demonstra claramente um grupo de pacientes com audiograma dentro da normalidade comportando-se muito aquém em termos de índice de reconhecimento de monossílabos em ambiente ruidoso em comparação com um grupo de jovens aproximadamente da mesma faixa etária. Assim, segundo Jokinen (1973), "o uso de mascaramento em uma cabina audiométrica para avaliar o índice de reconhecimento da fala frente a um ruído é complexo comparado à bateria de testes audiológicos que rotineiramente fazemos; no entanto, no futuro será necessário em determinados grupos de pacientes revermos seu valor para o diagnóstico definitivo".

CONCLUSÃO

1.) O índice de reconhecimento da fala no silêncio não reflete o índice de reconhecimento da fala em ambiente competitivo.

2.) Entre as avaliações audiológicas existentes, deve se incluir a avaliação auditiva em ambiente com ruído competitivo, para determinar com maior precisão as dificuldades dos pacientes na compreensão das palavras.

3.) Devemos ficar atentos quando na anamnese o paciente refere uma dificuldade auditiva incompatível com a curva audiométrica encontrada na avaliação convencional; e, se possível, submetê-lo a uma avaliação mais detalhada como a apresentada neste trabalho.

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* Preceptor da Residência Médica da Santa Casa e Hospital Irmãos Penteado, de Campinas.
** Professor Doutor Chefe do Departamento de Otorrinolaringologia da Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto/ SP.
*** Fonoaudióloga do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa e Hospital Irmãos Penteado, de Campinas.

Instituição: Departamento de Otorrinolaringologia da Irmandade de Misericórdia de Campinas: Santa Casa e Hospital Irmãos Penteado.
Endereço para correspondência: Ari de Paula - Avenida Júlio de Mesquita, 960 - 18° andar - Cambuí- 13025-061 Campina, /SP.
Telefone: (0xx19) 236-8972 - Fax: (0xx19) 232-4478.
Artigo recebido em 20 de março de 2000. Artigo aceito em 31 de agosto de 2000.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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