ISSN 1806-9312  
Quarta, 30 de Outubro de 2024
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2486 - Vol. 66 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 2000
Seção: Relato de Casos Páginas: 404 a 406
INJEÇÕES INTRATIMPÂNICAS DE GENTAMICINA NO TRATAMENTO DA DOENÇA DE MÉNIÈRE.
Autor(es):
Roberto A. Maia*,
Agnaldo Carlesse**,
Flávia L. Diniz**.

Palavras-chave: gentamicina, injeção intratimpânica, doença de Ménière

Keywords: gentamicin, intratympanic therapy, Ménière's disease

Resumo: A vertigem é, na maioria dos casos, o sintoma mais incapacitante dos pacientes com doença de Ménière. Várias medidas terapêuticas têm sido propostas: tratamentos clínicos nas fases iniciais e procedimentos cirúrgicos para pacientes de difícil controle clínico. A administração de gentamicina intratimpânica permite realizar uma "labirintectotnia química seletiva". Trata-se de uma opção de tratamento cuja relação custo/benefício é superior aos procedimentos cirúrgicos. Na paciente aqui descrita, pequenas doses (40 mg) de gentamicina são injetadas na orelha média em intervalos semanais, no total de quatro sessões. A função vestibular é monitorada através de provas calóricas, observando-se um decréscimo das respostas vestibulares. A audição é acompanhada por audiometrias seriadas; qualquer queda audiométrica leva a interrupção imediata do tratamento. Sendo a gentamicina mais vestibulotóxica do que cocleotóxica, é comum observar-se uma manutenção dos níveis auditivos, na maioria cios casos, ou até alguma pequena recuperação, como foi vista no caso descrito. A melhora da sintomatologia labiríntica, acompanhada a médio/longo prazo foi muito evidente na paciente apresentada. A injeção intratimpânica de gentamicina tem se mostrado segura, de simples realização (procedimento ambulatorial) e bastante eficaz no tratamento de quadros vertiginosos de pacientes com Ménière.

Abstract: Vertigo is the most disabling symptom for most patients with Meniere's disease. Many treatments have been proposed: conservative medical means in the initial phases of the disease and surgical procedures for intractable cases. The intratympanic injection of gentamicin can achieve "selective chemical labirinthectomy". This treatment can offers better risk/benefit outcome than others surgical procedures. Herein we report a patient which was treated with low doses (40 mg) of gentamicin injected in the middle ear, once a week during 4 weeks. Vestibular function was assessed with caloric tests; a reduction in caloric function was noted. Hearing was staged by periodic audiometric tests; treatment is immediately cut if any change occurs in hearing levels. As gentamicin is relatively more vestibulotoxic than cocleotoxic the hearing thresholds do not change in most cases or may be even better as observed in the reported patient. Our patient stated a relief in episodes of vertigo in longer follow-up. Intratympanic gentamicin is safe and simple (office procedure) that is very effective in controlling vertiginous episodes in patients with Ménière.

INTRODUÇÃO

A doença de Ménière, descrita em 1861, tem como características: vertigem, hipoacusia, zumbido e plenitude auricular. A vertigem é habitualmente o sintoma mais incapacitante; os pacientes apresentam comumente ataques recorrentes de vertigem, durante uma determinada época, para então passarem por um período assintomático, que pode durar meses ou até anos. Com a repetição das crises, a audição costuma se deteriorar progressivamente.

Várias medidas terapêuticas são propostas, dependendo da fase da doença. Nos períodos intercrises, preconiza-se o uso de diuréticos (clortalidona) associados a uma dieta com restrição de sal por tempo indeterminado. Já nas fases vertiginosas, conjuga-se medicação sedativa labiríntica associada ou não a ansiolíticos/ tranqüilizantes.

Estima-se que 95% dos pacientes são bem controlados com tratamento clínico conservador. Os 5% restantes são ditos intratáveis ou portadores de sintomas incapacitantes5. Estes pacientes são candidatos aos tratamentos cirúrgicos clássicos: descompressão de saco endolinfático, neurectomía do vestibular ou até labirintectomias. As injeções intratimpânicas de gentamicina surgiram como alternativa aos tratamentos cirúrgicos, cuja relação risco/ benefício tem se mostrado muito mais satisfatória.

O uso intratimpânico da gentamicina foi descrito por Schuknecht em 19576. Alguns autores, como Odkvist4, demonstraram que a gentamicina produz uma labirintectomia química seletiva, visto que é mais tóxica para o vestíbulo que para a cóclea. Quando aplicada na orelha média em baixas doses, e em intervalos de tempo relativamente prolongados, produz uma redução parcial da função vestibular e não uma ablação desta função1. Esta abordagem mais conservadora no uso da gentamicina minimiza o risco de perda auditiva pela droga e propicia um controle dos sintomas vestibulares na maioria dos pacientes.

O presente estudo tem por objetivo esclarecer as indicações do uso da gentamicina intratimpânica, apresentar o método de realização do procedimento e demonstrar os resultados pela apresentação de um caso submetido a este tratamento.

MATERIAL E MÉTODO

Indicações e exames de controle

São candidatos a esta terapêutica os pacientes portadores de doença de Ménière unilateral cujos tratamentos clínicos tenham se mostrados insatisfatórios.

Uma avaliação otoneurológica completa, incluindo limiares auditivos audiométricos e provas calóricas com eletronistagmografia, deve ser realizada antes e após o tratamento. Após cada infiltração de gentamicina, realiza-sé uma audiometria para monitorizar uma eventual ototoxicidade coclear.

Técnica de administração

O paciente é posicionado em decúbito dorsal, com a cabeça lateralizada, mantendo o ouvido sob visão de microscópio cirúrgico. A membrana timpânica é anestesiada com algodão embebido em fenol no quadrante póstero-inferior. Em uma seringa de 1 ml (tuberculina) é colocada a solução de gentamicina na concentração de 40 mg/ml para a injeção do volume total de 1 ml. Para a administração da gentamicina é utilizada uma agulha de 25 G 3 1/2 (agulha de punção lombar). Após a infiltração da gentamicina por punção no quadrante anestesiado, o paciente é mantido, na mesma posição por aproximadamente 30 min. Desta forma, procura se obter uma maior concentração do medicamento sobre a janela redonda, com a conseqüente difusão para o ouvido interno.

O protocolo aqui estabelecido pressupõe uma injeção semanal, no total de quatro sessões. Este protocolo deve ser modificado para cada paciente em função das reações e resultados obtidos. Perdas auditivas constatadas na audiometria indicam a interrupção imediata do tratamento. A sintomatologia vestibular deve ser analisada com cautela: é comum a presença de tonturas nos primeiros dias após a injeção intratimpânica, mas a persistência de tonturas relevantes indica a presença de doença em atividade e, portanto, a continuidade do tratamento; após algumas sessões de tratamento, o paciente deve estar assintomático, podendo se interromper então o tratamento.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

Paciente do sexo feminino, com 46 anos de idade.

Em 1993, iniciou com quadro de crises de tonturas rotatórias severas com periodicidade semestral. Concomitantemente, apresentou zumbido e hipoacusia progressiva em ouvido esquerdo. Após tratamento medicamentoso durante quatro anos, ineficaz na prevenção das crises, optou-se pela descompressão do saco endolinfático esquerdo em cirurgia realizada em 1997. Dois meses após a cirurgia, a paciente voltou a apresentar crises de tonturas que persistiram de forma bimestral durante o ano de 1997. Em janeiro de 1998, foi realizada a primeira injeção intratimpânica de gentamicina. No total, foram feitas quatro injeções em intervalos de uma a duas semanas, finalizando em março de 1998. A partir da terceira infiltração, não ocorreram mais tonturas; e em um ano e meio de acompanhamento já ocorrido, houve remissão total da sintomatologia vertiginosa. A avaliação otoneurológica pré e pós-tratamento demonstrou, nesta paciente, discreta melhora dos níveis auditivos e redução da função vestibular pós-tratamento evidenciada pela prova calórica.

RESULTADOS

Prova calórica do ouvido esquerdo:

Respostas pré-tratamento
- 44°C = 6°/seg
- 30°C = 30°/seg

Respostas pós tratamento
- 44°C = 4°/seg
- 30°C = 10°/seg

Exame Audiológico do ouvido esquerdo:

Limiar auditivo aéreo/ósseo pré tratamento
250    500    1.000    2.000    4.000    6.000    8.000    Hz
75       70       75       65       60       55       5       dB

Limiar auditivo aéreo/ósseo pós tratamento
250    500    1.000    2.000    4.000    6.000    8.000    Hz
50       50       45       45       40       45       50       dB

DISCUSSÃO

As indicações para a labirintectomia química através das injeções intratimpânicas de gentamicina são semelhantes às - indicações de uma labirintectomia cirúrgica. O paciente ideal é aquele que apresenta crises labirínticas freqüentes com pouca resposta ao tratamento clínico; sua audição deve estar diminuída na orelha acometida e normal na contralateral.

A injeção intratimpânica tem como objetivo encaminhar a gentamicina à orelha interna. Algumas rotas de transporte da orelha média para a orelha interna são concebidas. A membrana desta janela é relativamente fina e é bem conhecido o transporte de diferentes substâncias por esta via3, 2. A gentamicina, dentro do espaço perilinfático, se encaminharia para o espaço endolinfático e então entraria na célula ciliada, cujo ápice é banhado pela endolinfa. A concentração da gentamicina na célula ciliada continua a crescer mesmo após o término das injeções, e o seu clearance na célula ciliada é bastante lento. Estes fatos fazem com que a ototoxicidade da gentamicina continue a progredir, mesmo tendo sido encerrado o tratamento.

A absorção de gentamicina pela orelha interna é imprevisível. É provável que parte da solução injetada escape pela tuba auditiva ou mesmo retorne pela perfuração da membrana timpânica. O grau de permeabilidade da janela redonda também pode ser variável em cada caso. Provavelmente maiores volumes de gentamicina dentro da orelha média promovam um melhor contato com a janela redonda e uma melhor absorção pela orelha interna. Todos estes fatores tornam difícil uma padronização ideal do número de infiltrações a ser realizado. Diferentes protocolos de tratamento são relatados por alguns autores. Watanabe8 preconiza a colocação de tubo de ventilação sob anestesia local com o intuito de facilitar as subseqüentes infiltrações de garamicina, que são realizadas semanalmente; em um grupo de 20 pacientes realizou, em média, cinco infiltrações por paciente. Aconselha-se a realização de duas a três infiltrações em período relativamente curto, a seguir uma observação de duas a quatro semanas para uma avaliação clínica; a ausência de crises vertiginosas neste período é um bom parâmetro de que se tenha obtido uma diminuição adequada da função vestibular. A persistência de sintomas relevantes indicaria mais uma ou mais infiltrações. Os pacientes com recorrências mesmo após quatro ou cinco injeções devem ser considerados como candidatos a tratamento cirúrgicodestrutivo.

Contra indicações relativas ao tratamento:

- doença de Ménière bilateral;
- idade avançada do paciente;
- provas calóricas demonstrando ausência de função vestibular no ouvido a ser tratado.

CONCLUSÃO

A injeção intratimpânica de garamicina demonstrou, na experiência inicial por nós realizada, e nos vários relatos descritos na literatura, ser um método de tratamento para a doença de Ménière unilateral de simples realização e bastante seguro. Sua eficiência é comprovada pela diminuição cia função vestibular atestada nas provas calóricas, não sendo necessária uma ausência desta função, mas uma redução significativa; esta redução é acompanhada pela remissão da sintomalogia vestibular. Nas amplas séries de pacientes descritas na literatura observa-se, na grande maioria dos casos, uma manutenção dos níveis auditivos. Persiste uma controvérsia sobre o melhor protocolo de tratamento, embora os estudos convirjam para administrações semanais com o número total de quatro a seis sessões, monitorizando-se a audição e a sintomatologia vestibular.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. DRISCOLL, C. L. W.; KASPERBAUER, J. L.; FACER, G. W.; HARNER, S. G.; BEATTY, C. W. - Low dose intratympanic gentamicin and the treatment of Meniere's disease. Laryngoscope, 107: 83-89, 1997.
2. GOYCOOLEA, M. V. - The round window membrane under normal and pathological conditions. Acta Otolaryngol. (Stockh) [Suppl], 493: 43-55, 1992.
3. NOMURA, Y. - Otological significance of the round window. Adv. Otorhinolaryngol., 33:1-162,1984.
4. ÖDKVIST, L. M.; BERGENIUS, J.; MÖLLER, C. - When and how to use gentamicin in the treatment of Meniere's disease. Acta Otolaryngol. (Stockh) [Suppl], 526: 54-57, 1997.
5. RAUCH, S. D.; OAS, J. G. - Intratympanic gentamicin for treatment of intractable Meniere's disease: a preliminary report. Laryngoscope, 107: 49-55, 1997.
6. SCHUKNECHT, H. F. - Ablation therapy in the management of Meniere's disease. Acta Otolaryngol. [Suppl], 132:1-42, 1957.
7. TRAN BA HUY, P.; BERNARD, P.; SCHACHT, J. - Kinetics of gentamicin uptake and release in the rat. Comparison of inner ear tissues and fluids with other organs. J. Clin. Invest., 77:1492-500, 1986.
8. WATANABE, S.; KATO, I.; TAKAHASHI, K.; YOSHINO, K.; TAKEYAMA, I. - Indications and results of gentamicin injection into the middle ear of patients with Meniere's disease. Acta Otolaryngol (Stockh) [Suppl], 519: 282-285, 1995.




* Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia do Curso de Medicina da Universidade de Santo Amaro.
Médico(a) Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Curso de Medicina da Universidade de Santo Amaro.

Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Curso de Medicina da Universidade de Santo Amaro.
Trabalho apresentado no 4° Encontro Brasileiro de Trabalhos Científicos em Otorrinolaringologia (Porto Alegre, novembro/ 1998).
Endereço para correspondência: Dr. Roberto Alcantara Maia - Rua Jerônimo da Veiga, 164 - Cjto. 3A - 04536-000 São Paulo/ SP - Telefone/Fax: (0xx11) 3061-1372.
Artigo recebido em 10 de setembro de 1999. Artigo aceito em 9 de dezembro de 1999.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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