INTRODUÇÃOA expressão sela túrcica vazia foi proposta pela primeira vez por Busch em 1951, para designar um caso no qual a sela túrcica examinada durante autopsia aparecia vazia de seu conteúdo hipofisário. Em 1968, Lee e Adams designaram, pela expressão síndrome da sela vazia, uma entidade anátomo-adiológica sem expressão clínica, sendo de caráter muito variável. Weiss e Raskind compararam a sela túrcica vazia dita primitiva com a sela túrcica vazia dita secundária a tratamento radioterápico, cirúrgico ou misto sobre a hipófise6.
APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICOE descrito caso de paciente do sexo feminino, branca, com 57 anos de idade, com queixa de hiposmia há cerca de 30 dias. Referia, também, cefaléia intermitente, de pequena intensidade e de caráter crônico. Negava quaisquer outras doenças de base, assim como etilismo e tabagismo.
O exame físico otorrinolaringológico referente a otoscopia, orofaringoscopia e rinoscopia anterior apresentava-se dentro da normalidade.
Solicitado estudo radiológico dos seios da face que mostrou aumento de sela túrcica, sem alterações sinusais (Figura 1), motivando realização de tomografia computadorizada de crânio com o objetivo de afastar processo expansivo da glândula pituitária. A tomografia computadorizada confirmou alargamento da sela túrcica e presença de líquido em seu interior, estabelecendo o diagnóstico de síndrome da sela túrcica vazia primária (Figuras 2, 3, 4 e 5).
REVISÃO DA LITERATURAA glândula hipofisária é uma estrutura complexa que jaz numa cavidade óssea murada, a sela túrcica, no osso esfenóide, na base do crânio2.
A sela túrcica é separada superiormente da cavidade craniana através de uma reflexão resistente da dura-máter, o diafragma da sela, através do qual a haste hipofisária e seus vasos sangüíneos atingem a estrutura principal da glândula2.
Devido à sua situação, as informações quanto ao volume e estrutura da hipófise podem ser obtidas em vida somente através de métodos radiológicos2. A sela túrcica normalmente mede 12 mm em profundidade e 15 mm em comprimento na projeção lateral dos raio X5. Sua forma habitual normal é arredondada ou ovóide; menos freqüentemente é rasa e achatada5. Pela dificuldade em obter medidas acuradas da sela por causa de margens ósseas indistintas, é comum descrever-se suas dimensões radiólogicas com estimativas semi-quantitativas como aumentada, limítrofe ou normal5.
Figura 1. Rx e desenho dos seios da face, incidência de perfil, com aumento de sela túrcica.
Com relação aos métodos radiológicos habituais, verificamos que na incidência cônica inferior pode se obter a primeira indicação de síndrome da sela vazia5; já a tomografia computadorizada permite excelente visualização do parênquima hipofisário, demonstra a extensão supra-selar e permite reconhecimento da sela vazia, na maioria dos casos, sem contraste intra-tecal com metrizamide2, 5.
A síndrome da sela vazia primária constitui uma anomalia de desenvolvimento no diafragma da sela túrcica, permitindo uma comunicação livre do líquido espinhal do espaço aracnoidal com a sela2, 5, 6. Na sua forma mais extrema, resta apenas uma pequena camada de parênquima hipofisário no assoalho da fossa2 (Figuras 6 e 7).
A despeito da redução da massa hipofisária, é incomum a evidência clínica e laboratorial de hipopituitarismo2, 5, sendo freqüentemente encontrada em mulheres na meia idade, hipertensas, que estão levemente obesas e se queixam de cefaléia5 (produzida pela pressão sobre estruturas vizinhas como diafragma selar, dura-máter circundante e paredes dos grandes vasos sangüíneos).
Figura 2. Tomografia computadorizada e desenho, em corte coronal, confirmando aumento de sela túrcica (destaque no desenho).
Figura 3. Tomografia e desenho evidenciando medidas aumentadas de sela túrcica.
grandes vasos sangüíneos). Seu diagnóstico é feito radiologicamente, manifestando-se como um baloneamento simétrico da sela com mínimo retro-deslocamento das clinóides posteriores na incidência lateral do crânio2.
O diagnóstico diferencial de uma sela túrcica aumentada inclui tumores hipofisários, craniofaringeomas, insuficiência do órgão alvo com hiperplasia da hipófise (diabetes insipidus, hipopituitarismo e insuficiência adrenal), síndrome da sela vazia e lesões com distorção da arquitetura selar, como meningeomas, cordomas, metástases de lesões distantes, entre outros5.
Ao se estabelecer o diagnóstico radiológico de alargamento selar, a ausência de anormalidades endócrinas nos exames laboratoriais e clínicos aumenta a probabilidade da síndrome primária da sela vazia2, 5, embora qualquer configuração possa ser encontrada tanto nos tumores hipofisários quanto na sela vazias. Até recentemente, a diferenciação entre a sela vazia e os adenomas hipofisários impunha o deslocamento do líquido da sela com ar (pneumoencefalo-grafia) ou com metrizamide. A cefaléia e o desconforto destes procedimentos podem ser evitados com a realização de tomografia computadorizada de alta resolução, capaz de distinguir entre uma sela cheia de líquido e uma sela que abriga um adenoma2.
A avaliação endócrina basal em suspeita de tumor hipofisário depende de T4 sérico, TSH, testosterona ou estradiol, LH, FSH,17 hidroxiesteróides na urina de 24 horas e prolactina sérica. Níveis séricos elevados de prolactina, associados com aumento da sela, sugerem fortemente presença de um tumor hipofisário; entretanto, elevações mínimas nas concentrações séricas da prolactina são ocasionalmente vistas com a sela vazia5.
O comprometimento do terceiro, quarto e sexto nervos cranianos ocorre em 10 a 20% dos pacientes com macroadenomas, sendo a alteração do terceiro par reconhecida com maior freqüência2. Ocasionalmente, os nervos olfativos são comprometidos por crescimento tumoral ou por cirurgia hipofisária transfrontal com perda do sentido do olfato2, o que motivou o estudo do presente caso (Figura 8).
Figura 4. Tomografia computadorizada contrastada e desenho, sem reforço patológico para tumor.
Figura 5. Corte tomográfico evidenciando conteúdo líquido ocupando a sela túrcica (Rx e desenho).
Figura 6. Representação normal da relação entre as meninges e a hipófise. N° 1 - dura mater, N°2 - pia mater, N° 3 - aracnóide.
Figura 7. Herniação da aracnóide através de diafragma selar incompetente (sela vazia).
Os esquemas representativos das figuras 6 e 7 foram reproduzidos de JORDAN, R.M.; KENDALL, J.W.; KERBER, C. W. - The primary empty sella syndrome: Analysis of the clinical characteristics, radiographic features, pituitary function, and cerebrospinal fluid adenohypophysial hormone-concentrations. Am. J. Med., 62: 569, 1977.
Figura 8. Corte transversal do crânio evidenciando a relação anatômica entre sela túrcica, quiasma óptico e tracto olfatório.
COMENTÁRIOS FINAISPor ser uma queixa freqüente e participar da sintomatologia de doenças etiologicamente variadas, a hiposmia deverá ser corretamente investigada.
Atentamos para a raridade da associação hiposmia e síndrome da sela vazia primária, apesar de não podermos correlacioná-las como causa e efeito, como verificamos através da literatura dos últimos 30 anos.
Ressaltamos a importância do conhecimento e correlação de especialidades médicas, como no caso descrito.
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2. DAUGHADAY, W. H. - A Hipófise Anterior. In: WILSON, J. D.; FOSTER, D. W. - Williams, Tratado de Endocrinologia, Dallas, Manole Ltda, 1988, 704 - 34.
3. HEIDEGGER, G. W. - Atlas de Anatomia Humana, 32 Edição, Basel, Guanabara Koogan, 1971, 72 - 3.
4. JORDAN, R. M.; KENDALL, J. W.; KERBER, C. W. -The primary empty sella syndrome: Analysis of the clinical characteristics, radiographic features, pituitary function, and cerebrospinal fluid adenohypophysial hormone concentrations. Am. J. Med., 62: 569, 1977.
5. MALARKEY, W. B. - A Hipófise e o Hipotálamo. In: MAZZAFERRI, E. L. - Endocrinologia, Nevada, Guanabara Koogan, 1982, 16 - 35.
6. PETRUS, M.; BONAFE, A.; DUTAU, G.; MANALFE, C.; ROCHICCIOLI, P. - Syndrome de la selle turcique vide primitive. Etude de deux cas. Arch. Fr. Pediatr., 38 (8): 581- 6,1981.
* Professora Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Escola de Ciências Médicas de Volta Redonda, Mestranda do Curso de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
** Professor, Chefe de Clínica do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
*** Professora Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Escola de Ciências Médicas de Volta Redonda.
**** Cirurgião Dentista (Responsável pelas figuras do relato de caso).
Trabalho realizado na Escola de Ciências Médicas de Volta Redonda/ RJ.
Endereço para correspondência: Dra. Nadejda Maria Ávila Varginha de Moraes e Silva - Escola de Ciências Médicas de Volta Redonda - Fundação Oswaldo Aranha. Estrada Volta Redonda/ Pinheiral, 1325 - Três Poços - 27251-970 Volta Redonda/ RJ - Telefone/Fax: (0xx24) 346-8400 e 346-8223.
Artigo recebido em 19 de julho de 1999. Artigo aceito em 23 de setembro de 1999.