ISSN 1806-9312  
Quarta, 30 de Outubro de 2024
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2482 - Vol. 66 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 2000
Seção: Artigos Originais Páginas: 373 a 379
RESPIRAÇÃO BUCAL: CAUSAS E ALTERAÇÕES NO SISTEMA ESTOMATOGNÁTICO.
Autor(es):
Suely M. Motonaga*,
Larissa C. Berte**,
Wilma T. Anselmo-Lima***.

Palavras-chave: obstrução nasal, respiração bucal, crianças, etiologia, sistema estomatognático.

Keywords: nasal obstruction, mouth breathing, children, etiology, stomatognathic system

Resumo: Introdução: O crescimento craniofacial é determinado por vários fatores. Um deles, indiscutível, é a herança genética, outro é a presença de respiração bucal crônica. Objetivo: O objetivo dó presente estudo foi avaliar clinicamente as causas da respiração bucal crônica em crianças e observar as possíveis alterações no complexo craniodentofacial. Material e método: 104 crianças, entre três a 10 anos de idade, foram submetidas a avaliação otorrinolaringológica completa, fonoaudiológica (sistema estomatognático e audiológica) e radiografias de cavum. Resultados: Os resultados observados demonstraram que as causas mais freqüentes de respiração bucal foram: rinite alérgica, hipertrofia de tonsilas faríngeas e/ou palatinas, deformidades septais e por hábito. Na amostra estudada, as principais alterações craniofaciais observadas foram: boca entreaberta em repouso, palato ogival, face estreita com predomínio de crescimento vertical, mandíbula na posição abaixada e má oclusão dentária. Algumas crianças avaliadas apresentaram alterações no exame audiológico, e a grande maioria manifestou mastigação e deglutição alteradas. Não foram observadas associações significativas entre tipo de patologia obstrutiva e intensidade de características orofaciais e grau de obstrução adenoideana e intensidade de características orofaciais. Conclusões: Os achados, neste estudo, permitem afirmar que crianças com obstrução nasal e respiração bucal crônica apresentam alterações no complexo craniofacial.

Abstract: Introduction: The craniofacial growth is determined by many factors, including the genetic inheritance, and chronic oral breathing. Aim: The aim of this research was to clinically evaluate the causes of the chronic mouth breathing and to observe the possible craniodentalfacial complex alterations. Material and method: We analyzed 104 children, ages ranging between three to 10 years. All of them accomplished the otorhinolaryngologic, the stomatognathic system, audiological and roentgenography evaluation. Results: The results showed that the most frequent causes of oral breathing were: allergic rhinitis, pharynx and/or palate tonsils hypertrophy, septal deformities or habit. In our study, the main craniofacial alterations were: open mouth on rest, ogival palate, narrow face with vertical growth predominancy, jaw on lower position and dental malocclusion. Some children presented alterations on the audiological evaluation and a greater number demonstrated alterations on the mastication and swallowing. We didn't observe significant association between the cause of obstruction versus facial features intensity neither between the adenoid obstructive degree versus facial features intensity. Conclusion: These findings allow us to affirm that most of the children who Nave nasal obstruction and chronic mouth breathing present craniofacial complex alterations.

INTRODUÇÃO

Vários estudos, na literatura médica e odontológica, têm descrito o envolvimento da respiração bucal em alterações do crescimento facial e estrutural, principalmente durante a infância.

A presença de qualquer obstáculo no sistema respiratório, especialmente na região nasal e/ou faríngea, vai ocasionar obstrução nasal, obrigando o paciente a respirar pela boca24, isto é, utilizar a cavidade bucal como um conduto passivo na respiração. Dessa forma, a respiração bucal crônica pode ser definida como uma respiração habitual pela boca, em vez de ser realizada pelo nariz, devido à elevada resistência nasal8. Esses obstáculos nas vias aéreas superiores, comumente, são causados por anormalidades estruturais, patologias nasossinusais ou hipertrofia do anel linfático de Waldeyer.

Nas situações em que a obstrução nasal não é solucionada, tornando-se crônica, o indivíduo passa a ser um respirador bucal e a apresentar manifestações clínicas sobre diversos aparelhos e sistemas, produzindo sinais e sintomas, nem sempre relacionados diretamente com a respiração nasal em si. Existem vários estudos que demonstraram a associação entre respiração bucal e alteração na morfologia craniofacial.

A respiração bucal crônica exige modificações posturais de partes anatômicas, como a mandíbula e a língua, que se deslocam para baixo e para trás, e a cabeça, também, inclinada para trás. Essas alterações podem interferir na direção do crescimento da mandíbula e dos dentes1. Portanto, apresenta como conseqüência uma adaptação de toda a musculatura facial, que provoca modificações nas arcadas dentárias e no posicionamento dos dentes, acarretando alterações estruturais nas partes ósteoesqueletais da face como um todo, ocorrendo então, mudanças em estruturas como lábios, língua, palato e mandíbula, que se adaptara ao novo padrão respiratório23.

As condições que acarretam obstrução nasal aguda são, geralmente, decorrentes de processos infecciosos e introdução de corpos estranhos. Entre as que evoluem cora obstrução nasal crônica incluem-se a atresia coanal, vegetações adenoideanas, amigdalite crônica hipertrófica, deformidades septais, fratura nasal, rinite alérgica, rinite medicamentosa, pólipos nasais, tumores nasais e fossas nasais estreitas.

Existem situações que, embora não levem à obstrução nasal, são responsáveis pela respiração bucal - entre elas: obstrução hipofaríngea, macroglossias e insuficiência labial e por hábito.

Uma criança respiradora bucal pode ser identificada por características faciais típicas. Algumas dessas alterações são: boca entreaberta, lábio superior curto e lábio inferior volumoso e evertido, graus variáveis de face estreita, nariz achatado, orifícios nasais pequenos e mal desenvolvidos3, 4, 12, 23. A dentição também se encontra alterada, consistindo de protrusão dos incisivos superiores, com estreitamentos de maxila, palato ogival e relações entre a maxila e a mandíbula alteradas11.

Os primeiros artigos que descreveram a aparência do fácies adenoideano datam de, aproximadamente, 100 anos. Somente nos últimos 20 anos notou-se que o modo de respiração pode influenciar o crescimento facial. A síndrome da face longa, como é conhecida atualmente, inclui ó crescimento excessivo da face, incompetência labial, estreitamento das narinas, protrusão dos incisivos superiores, rebaixamento mandibular e mordida cruzada posterior. Rubin (1980)21 acredita que, na obstrução nasal, ocorre um rebaixamento da mandíbula para estabelecer uma via bucal de respiração.

O sistema estomatognático é composto por ossos (mandíbula e maxila), articulação temporomandibular, músculos, sistemas vascular e nervoso e espaços vazios. Esse sistema pode ser classificado em dois grandes grupos: estruturas estáticas ou passivas e estruturas dinâmicas ou ativas. As estruturas estáticas ou passivas correspondem aos arcos osteodentários, maxila e mandíbula, relacionados entre si pela articulação temporomandibular, e participam também outros ossos cranianos e o osso hióide. As estruturas dinâmicas ou ativas são representadas pela unidade neuromuscula que mobiliza as partes estáticas, mais suscetíveis de serem mobilizadas, como a mandíbula e o hióide. Algumas funções realizadas por esse sistema são: respiração, mastigação, deglutição e fala13, 15. Qualquer alteração, portanto, que se manifeste sobre essas estruturas, poderá acarretar, além da mudança morfológica, distúrbios em suas funções2.

O diagnóstico da ocorrência de obstrução nasal na infância é eminentemente clínico. Deve se combinar uma rigorosa e cuidadosa anamnese, seguida de um exame clínico minucioso, com atenção especial às possíveis alterações morfológicas -congênitas, destacando-se as atresias coanais, desvios septais e neoplasias. Esses são complementados com exames subsidiários.

Alguns estudos demonstraram a importância da realização do exame radiográfico (RX de cavurn), para avaliar o tamanho da adenóide e o grau de obstrução do nasofaringe, principalmente em crianças que não cooperam com o exame físico6. Elwany (1987)7 demonstrou que a relação entre as medidas da adenóide e da dimensão do nasofaringe, descrita por Fujioka e colaboradores (1979)9, expressa fielmente o tamanho da amígdala faríngea e sua relação no espaço nasofaringeano, e que existe uma correlação entre a avaliação clínica e o peso da adenóide retirada cirurgicamente. Chami (1998)5 avaliou a confiabilidade do uso da nasofibroscopia e da radiografia lateral do cavum, na indicação cirúrgica de crianças portadoras de hiperplasia da amígdala faríngea. Estudou 46 pacientes na faixa etária entre 1 ano e 4 meses e 10 anos e 8 meses. Todos os sujeitos foram submetidos a um interrogatório, a exames radiológico (RX cavum) é nasofibroscópico. A avaliação do exame radiológico baseou-se na relação A/N descrita por Fujioka e colaboradores (1979)9 que define medidas lineares simples obtidas na radiografia lateral do cavum faríngeo. Essa relação A/N expressa radiologicamente o tamanho da amígdala faríngea e a patência da passagem aérea do nasofaringe. A análise dos exames nasofibroscópicos foi obtida através (da mensuração da relação de área da amígdala faríngea (A) ocupando parte da coava (C) como demonstrado por Demain e Goetz (apud Chami,1995Y. O autor concluiu que a nasofibroscopia é mais fiel que a radiografia do cavum na avaliação do tamanho e formato da amígdala faríngea, e que a relação A/C observada na nasofibroscopia foi o método de aferição mais adequado do que a relação A/N da radiografia para determinar o real grau de obstrução pela amígdala faríngea.

Durante a última década, alguns trabalhos descreveram, além das alterações craniofaciais, complicações cardio-respiratórias causadas por obstruções nasofaringeanas em crianças10, 20, 25, 26.

A instalação crônica da respiração bucal, durante a fase de crescimento de uma criança, afetará não somente o desenvolvimento normal do esqueleto facial, mas interferirá também, de forma significativa, na saúde geral. É necessária a atuação de uma equipe multidisciplinar para se obter diagnóstico precoce e tratamento adequado, evitando, dessa forma, desordens conseqüentes a uma respiração bucal crônica.

Esse estudo teve como propostas avaliar e definir as causas de respiração bucal em crianças, correlacionar as alterações morfológicas orofaciais com o grau de obstrução da nasofaringe por meio de RX de cavum e determinar a ocorrência de alterações otológicas e auditivas em crianças respiradoras bucais.

MATERIAL E MÉTODO

Foram investigadas 104 crianças - meninos e meninas -, entre três e 10 anos de idade, com queixas clinicas de respiração bucal crônica, encaminhadas à Clínica de Fonoaudiologia da UNESP - Campus Marília. Foram realizadas avaliação otorrinolaringológica completa, avaliação fonoaudiológica (observação visual e palpação dos elementos do sistema estomatognático) e exames complementares, como radiografia de cavum, audiometria tonal liminar e imitanciometria.

Todos os dados foram anotados em um protocolo próprio, após autorização dos pais ou responsáveis. A obstrução nasofaringeana foi determinada pela medida da adenóide nos exames radiológicos.

Avaliamos o tamanho do tecido adenoideano de forma indireta, ou seja, com base no espaço aéreo nasofaringeano livre, conforme o método preconizado por McNamara (1984)17, tomando a medida em milímetros, do ponto da metade anterior do contorno posterior do palato mole ao ponto mais próximo da parede faringeana. De acordo com os valores obtidos, o espaço aéreo nasofaringeano livre foi dividido em quatro grupos: o primeiro grupo com espaço nasofaringeano maior que 6 mm; o segundo grupo com valores entre 4,1 e 6 mm; o terceiro grupo, entre 2,1 e 4 mm; e o último grupo com valores entre 0 e 2 mm.

Realizamos também a medida do tamanho da adenóide e da nasofaringe (razão A/N), com base no método descrito por Fujioka e colaboradores (1979)9, o qual consiste primeiro na medida da adenóide (A), obtida pela distância perpendicular do ponto máximo de convexidade ao longo da margem inferior ela sombra adenoideana (A1) até a linha B, traçada na margem anterior da região basioccipital. O valor do espaço nasofaringeano (N) é obtido pela medida entre os pontos C1 (extremidade póstero-superior do palato duro) e D1 (extremidade ânteroinferior da sincondrose esfenobasiocciptal). Classificou-se, de acordo com os valores A/N, em adenóide grande, normal e pequena.

Para análise estatística, foi empregado o método do qui-quadrado de Pearson; e, para a rejeição da hipótese de nulidade, fixou-se o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Das 104 crianças, 48 (46,15%) eram meninas; e 56 (53,85%), meninos - com a média de idade de 6,44 anos. Em relação a anamnese otorrinolaringológica, a maioria das crianças apresentou queixas de roncos noturnos (81,73%) e respiração predominantemente bucal (97,12%). Relataram episódios de apnéias do sono 26 (25%) crianças. Foi referido, também, pelos pais, que 84 (80,77%) crianças apresentaram rinite alérgica; e 39 (37,5%), asma brônquica. As infecções de repetição mais comuns foram amigdalites e sinusites seguidas de otites e pneumonias.

Quanto ao exame físico específico, observamos na rinoscopia anterior a presença de 27 (25,96%) crianças com deformidade septal e 76 (73,08%), com coriza. Quanto ao aspecto elos cornetos, 89 (85,58%) crianças tinham hipertrofia; e 77 (74,04%), palidez. Na oroscopia, observou-se que o palato ogival esteve presente em 91 (87,50%) crianças avaliadas, e a gengiva hipertrófica em 20 (19,23%).

As causas de respiração bucal foram determinadas pela anamnese e o exame físico, e complementadas por radiografias de cavum. Diagnosticou-se rinite alérgica (RA) em 34 (32,69%) crianças; hipertrofia de adenóide (HVA), em 12 (11,54%); hipertrofia de amígdala (HA), em 4 (3,85%); hipertrofia de adenóide e amígdala (HAVA), em 7 (6,73%); por hábito, em 8 (7,69%); e patologias associadas (mais de uma das causas acima), em 39 (37,5%) casos avaliados (Tabela 1).

Nos achados da anamnese fonoaudiológica, verificou-se que 10 (9,62%) crianças não foram amamentadas nó peito, enquanto que 53 (50,96%) mamaram até os seis meses de idade; e 41 (39,42%), num período acima dos seis meses.



TABELA 1 - Causas da respiração bucal.



Quanto ao uso da mamadeira, apenas 13 (12,50%) crianças não utilizaram; 11 (10,58%), usaram até os dois anos de idade, e a maioria, 80 (76,92%), por mais de dois anos. Em relação à chupeta, 31(29,81%) crianças não fizeram o uso; 16 (15,38%), até dois anos de idade; e 57 (54,81%), acima de dois anos de idade. Não se observou o hábito da sucção digital na grande maioria das crianças avaliadas; e apenas 10 (9,62%) apresentavam esse hábito por um período acima de dois anos de idade (Tabela 2). Quanto às alterações do sistema estomatognático, avaliados por meio de observação visual e da palpação, observamos: características indicativas de normocéfalo em 30 (28,85%) crianças; de dolicocéfalo, em 67 (64,42%); e de braquicéfalo em sete (6,73%) dos avaliados. Observaram-se presença de olheiras em 99 (95,19%); mandíbula abaixada, em 88 (84,62%) crianças; boca entreaberta, em 92 (88,46%); alterações morfológicas, nos lábio superior e/ou inferior; e alterações dentárias em 98 (94,23%) dos respiradores bucais (Tabela 3). Somente duas crianças apresentaram padrão de mastigação e deglutição dentro dos padrões da normalidade, desconsiderando aquelas com idade inferior aos quatro anos de idade (três casos da amostra estudada).

Após essa etapa, as crianças foram dividas em dois grupos, A e B, de acordo com o número de alterações orofaciais (característica facial indicativa de dolicocéfalo, boca entreaberta, lábio superior e/ou inferior alterados, palato ogival, rebaixamento mandibular e má oclusão dentária). As crianças do grupo A apresentavam de uma a três características acima; é do grupo B, de quatro a seis características orofaciais. Analisaram-se, então, a associação entre os tamanhos da adenóide (método de Fujioka e colaboradores e método de McNamara) e as características orofaciais (Tabelas 4 e 5). A análise estatística empregada não mostrou diferença significativa quanto ao tamanho da adenóide, nos dois métodos, em relação às características orofaciais.

Analisaram-se, também, a associação entre as patologias e as características orofaciais, o tamanho de adenóide (método de Fujioka e colaboradores) e má oclusão dentária: mordida cruzada posterior e/ou mordida aberta. As análises estatísticas empregadas também não demonstraram diferenças significativas.



TABELA 2 - Anamnese fonoaudiológica.



TABELA 3 - Alterações no sistema estomatognático.



TABELA 4 - Tamanho de adenóide (método de Fujioka e colaboradores) em relação às características orofaciais.



TABELA 5 - Tamanho de adenóide (método de McNamara) em relação às características orofaciais




Em relação à audiometria, duas crianças (quatro orelhas) não a realizaram. Encontraram-se exame audiométrico normal em 190 (91,35%) orelhas, perda condutiva leve em 10 (4,81%), perda condutiva moderada em três (1,44%) e perda neurossensorial em uma única orelha. Quanto aos achados na timpanometria, observaram-se curva do tipo A em 150 (72,11%) orelhas; curva do tipo B, em 35 (16,83%); e do tipo C, em 23 (11,06%) orelhas (Tabela 6).

DISCUSSÃO

A obstrução nasal crônica, principalmente quando incide na infância, pode provocar alterações morfológicas no complexo craniodentofacial. Essa afirmação tem sido levada em conta há vários anos por diversos pesquisadores.

Dentre as várias causas de obstrução nasal, destacam-se a rinite alérgica e a hipertrofia do anel linfático de Waldeyer como os maiores responsáveis nas crianças5, 18. A grande parte dos trabalhos concentra-se em doenças como hipertrofia adenoamigdaliana e rinite alérgica. Existem outras patologias; porém, mais raras, as quais não fazem parte do cotidiano dos otorrinolaringologistas.

Neste estudo, encontramos entre as principais causas de respiração bucal a rinite alérgica (32,69%), hipertrofia de adenóide e/ou amígdalas palatinas (22,12%), hábito (7,69%) e também patologias obstrutivas associadas (37,50%). Verificamos que 54,81% dos casos avaliados - aproximadamente metade da população estudada-apresentavam, como patologias responsáveis, a rinite alérgica e a hipertrofia de adenóide e/ou amígdalas palatinas.

Apenas Weckx e Weckx (1995)24 relataram a presença da respiração bucal por hábito, isto é, a manutenção da respiração bucal mesmo após a instituição de algum tipo de tratamento com permeabilidade das via aéreas superiores. Nossos resultados demonstraram a presença de aproximadamente 7% da população com respiração bucal por hábito. Deve se chamar a atenção para essa causa, pois muitas crianças que mantêm a respiração bucal, mesmo após a terapêutica, poderão permanecer com as deformidades. Nestes casos, são necessárias a avaliação e a terapêutica fonoaudiológica, para que consigamos a melhor adaptação dos elementos do sistema estomatognático possível para cada indivíduo, como relatado por Marchesan e Krakauer (1995)14.

Observamos também, em grande parcela da amostra estudada, a presença da associação de patologias, isto é, a presença de uma ou mais causas de obstrução nasal na mesma criança. As patologias mais comuns foram: rinite alérgica em associação com hipertrofia de amígdala palatina ou faríngea, rinite alérgica com deformidade septal ou deformidade septal com hipertrofia de amígdala palatina ou faríngea. Encontramos em metade da população estudada, como as principais causas de obstrução, hipertrofia de amígdala palatina ou faríngea e rinite alérgica.



TABELA 6 - Achados de exame audiológico (N= 208 orelhas).



Identifica-se um indivíduo respirador bucal por meio de história e observação visual4, 12. Smith (1989)22, entretanto, disse que a identificação do respirador bucal não deve ser somente baseada em impressões clínicas isoladas; mas, sempre que possível, associar-se a exames objetivos. Vários trabalhos sugerem alterações craniofaciais decorrentes de respiração bucal, como Marks e Beach (1965)16 que descreveram má oclusão dentária e palato ogival em crianças com rinite alérgica.

A denominação "fácies adenoideana" ou "síndrome da face longa" tem sido utilizada para descreveras características típicas de um indivíduo respirador bucal. As deformidades da arcada dentária e do palato e retroposicionamento da mandíbula são achados constantes nessa população de respiradores bucais. Sabe-se que, segundo Marchesan (1994)14, a respiração bucal ocorre com mais freqüência em indivíduos dolicocéfalos, devido ao fato de o terço inferior da face ser mais longo, dificultando a oclusão labial e mesmo o posicionamento da língua.

Os nossos resultados, quanto às alterações no sistema estomatognático, foram: características sugestivas de normocéfalo em 28,85% das crianças; sugestivas de dolicocéfalo, em 64,42%; e sugestiva de braquicéfalo, em 6,73%. Outros achados encontrados nesta população avaliada foram: olheiras em 95,19%; mandíbula abaixada, em 84,62%; lábios entreabertos, em 88,46%; e alterações morfológicas nos lábios superiores e inferiores, em 94,23% das crianças. Por meio da visualização, notamos que as crianças apresentavam fácies com tendência a dolicocéfalo associada a estreitamento da arcada superior e tendência a mordida aberta anterior. Os resultados obtidos foram semelhantes aos observados por diversos autores na literatura.

Desta forma, as crianças respiradoras bucais tendem a apresentar um crescimento estreito e alongado da face, marcada por olheiras e alterações nos lábios superiores e inferiores. Essas alterações não são exclusivas de crianças com obstrução nasal, deve-se levar em consideração a influência genética e as características faciais dos pais.

A avaliação clinica, para visualizar o tecido adenoideano de forma indireta nas crianças, não é simples de ser realizada e, muitas vezes, impossível. Desta forma, a imagem radiográfica da nasofaringe em perfil possibilita medidas objetivas, acuradas e de fácil e rápida realização. É extremamente importante o posicionamento correto dos pacientes ao realizar-se uma radiografia; não devem deglutir ou chorar, pois causam uma elevação do palato mole, dando a falsa impressão de obstrução. Vários métodos são descritos, embora nenhum tenha sido largamente utilizado. Os métodos que demonstraram apresentar valores confiáveis são aqueles que relacionam o tamanho da adenóide e do nasofaringe, não apenas medidas isoladas, pois O tecido linfóide localiza-se no espaço nasofaringeano. Acredita-se que o método diagnóstico de imagem isolado não fornece informações importantes e que sempre deve se associar a anamnese e exame físico19. A palpação adenoideana não é um método de mensuração confiável e é geralmente traumático em crianças. A imagem radiológica fornece melhores informações quando comparada à palpação. Atualmente, vem sendo empregado o método de visualização do tecido adenoideano por meio de exames endoscópicos. Este exame fornece uma imagem direta e tridimensional do nasofaringe e suas estruturas.

Verificamos, neste trabalho, que não houve nenhuma correlação entre o tamanho da adenóide (método de Fujioka e colaboradores e método de McNamara) e a freqüência de alterações craniofaciais; entretanto, as crianças respiradoras bucais apresentaram, ao exame clínico, alterações orofaciais como: face alongada e estreita, boca entreaberta, lábio superior e o inferior alterados, palato ogival, rebaixamento mandibular e má oclusão dentária (mordida cruzada posterior e/ou mordida aberta). Podemos inferir que as alterações no esqueleto craniofacial não sofrem influências apenas de uma obstrução nasal; existe, de fato, o envolvimento de características genéticas e, também, possivelmente, a participação de hábitos deletérios (mamadeiras, chupetas e sucção digital).

Observamos, também, pela audiometria, que 8,65%, das crianças avaliadas apresentavam algum tipo de perda auditiva, sendo que a hipoacusia do tipo condutiva de grau leve a moderado foi a mais comum. Os valores da timpanometria tipo A estavam ao redor de 72,11%; e as curvas do tipo B e C, entre 16,83% e 11,06%, respectivamente. Podemos observar que, na grande maioria, os pacientes apresentaram uma pressão no ouvido médio, dentro da normalidade. Algumas crianças revelaram alteração nos valores de pressão do ouvido médio. Isto pode ocorrer, provavelmente, pelo bloqueio parcial ou total da abertura da tuba auditiva pelo tecido adenoideano.

A relação entre obstrução nasal e morfologia craniofacial é um problema que merece um cuidado multidisciplinar, composto, pelo menos, de otorrinolaringologista, ortodontista e fonoaudiólogo; esses profissionais devem auxiliar no diagnóstico, para estabelecer uma conduta adequada, minimizando as conseqüências trazidas pela respiração bucal crônica.

CONCLUSÕES

Os resultados apresentados permitem concluir que:

1. as principais causas de respiração bucal em crianças foram: rinite alérgica, hipertrofia de adenóide e/ou amígdala, por hábito e patologias obstrutivas associadas;

2. as alterações morfológicas no sistema estomatognático mais comuns foram: face sugestiva de dolicocéfalo, olheiras, mandíbula abaixada, lábios entreabertos, lábios superior e inferior alterados e alterações dentárias. Observou-se, ainda, alteração nos padrões normais de mastigação e deglutição;

3. não houve associação entre tamanho de tecido adenoideano e freqüência de alterações orofaciais;

4. não houve associação entre causa da obstrução e freqüência de alterações orofaciais;

5. a minoria das crianças apresentou problemas auditivos, os quais, quando presentes, eram do tipo condutivo.

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* Mestre em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto- USP, Professora Assistente do Curso de Fonoaudiologia da UNESP - Marília/ SP.
** Fonoaudióloga e Mestranda em Educação pela UNESP - Campus de Marília. *** Professora Assistente Doutora do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP/ SP.

Trabalho desenvolvido para obtenção do Título de Mestre na área de Concentração em Otorrinolaringologia pala Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/ SP.
Endereço para correspondência: Faculdade de Filosofia e Ciências - Depto. de Fonoaudiologia - Avenida Higino Muzzi Filho, 737 - Campus Universitário. 17525-900 Marília/ SP - Telefone: (0xx14) 421-1224 - Fax (0xx14) 422-4797.
Artigo recebido em 8 de março de 2000. Artigo aceito em 30 de março de 2000.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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