INTRODUÇÃOA cefaléia possui vários fatores etiológicos - entre eles, alguns relacionados com a otorrinolaringologia, em especial com a rinologia. Sabe-se que tanto o corneto médio quanto o septo são inervados pelo nervo etmoidal anterior3, 1; e, quando estimulados mecanicamente, causam dor em canto medial da região supraorbitária10.
O corneto médio possui várias funções, entre elas as de laminação do fluxo aéreo, condução cio ar inspirado até o epitélio olfatório, umidificação e aquecimento do ar inspirado. Além disso, apresenta contato direto com os óstios dos seios paranasais e, desta forma, o aumento deste leva a alterações nas funções de respiração, olfação e drenagem dos seios.
A síndrome da cefaléia do corneto médio foi primeiramente descrita por Morgenstem e Krieger8 e é atribuída à compressão do corneto médio contra o septo ou a parede lateral do nariz, geralmente causada ou por congestão da mucosa nasal ou por pneumatização do corneto médio (concha bullosa)4, 7.
Ultimamente, tem-se realizado um número muito grande de cirurgias, na tentativa de se amenizarem os sintomas de cefaléia atribuídos ao corneto médio, sendo estas principalmente a turbinectomia parcial e a turbinoplastia média, associadas ou não à correção de desvios septais.
Este trabalho tem por objetivo avaliar a real importância do corneto médio na cefaléia, e a validade da turbinectomia média, associada ou não à septoplastia, na melhora desse sintoma.
MATERIAL E MÉTODOForam avaliados onze pacientes operados no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, devido a cefaléia rinogênica, de junho de 1995 a dezembro de 1998.
A avaliação prévia à cirurgia incluiu endoscopia nasal e tomografia computadorizada, para confirmação diagnostica. Nem todos os pacientes foram submetidos ao teste da lidocaína, pelo fato de, no momento da consulta, não apresentarem dor. Foram eliminados todos os pacientes que apresentavam sintomas e/ou sinais de rinossinusite, polipose nasossinusal,ou qualquer queixa que sugerisse arterite temporal, neuralgias, isquemia ou mesmo migranias. Os pacientes foram então submetidos à cirurgia (turbinectomia parcial média, acompanhada ou não de septoplastia), e reavaliados em 1999, respondendo um questionário acerca dos sintomas e tendo nova avaliação endoscópica nasal.
RESULTADOSO grupo de pacientes era composto por seis pacientes do sexo feminino e cinco do sexo masculino e tinha idade variando de 15 a 62 anos (média de 30 anos) quando realizaram a cirurgia. Dos onze pacientes, quatro foram submetidos à turbinectomia parcial média, enquanto que sete foram submetidos à septoplastia, associada à turbinectomia parcial média.
Avaliação pré-operatória
A avaliação pré operatória está resumida na Tabela 1.
Como se pode observar na Tabela, a principal queixa prévia à cirurgia era a de cefaléia, sendo esta, em nove casos (82% dos casos), periorbitária e maxilar, uni ou bilateral; havia ainda um caso de cefaléia holocraníana (9% dos casos) e outro de cefaléia parietal unilateral (9% dos casos). A cefaléia se apresentava diariamente em nove dos 11 pacientes (82% dos casos), a cada dois dias em um dos casos (9%) e era semanal no outro caso (9%). A duração da cefaléia era, em média, de 26 meses, variando de dois meses a oito anos.
TABELA 1 - Sintomatologia pré-operatória dos pacientes.
Legenda: masc: masculino; fem: feminino.
Os pacientes foram avaliados ainda em relação às queixas nasais, sendo que 10 deles (ou 90%) apresentavam obstrução nasal e sete deles (ou 63%) apresentavam rinorréia posterior. Outros sintomas não são aqui descritos, devido à baixa freqüência apresentada pelos pacientes.
Os pacientes foram então submetidos à endoscopia e a tomografia computadorizada, para esclarecimento do fator causal. Os achados estão resumidos na Tabela 2.
De acordo com a patologia encontrada, o paciente foi submetido ao tratamento cirúrgico, seja este a turbinectomia média parcial associada ou não à septoplastia, após rigoroso tratamento clínico, sem sucesso. A distribuição detalhada das patologias encontradas em cada paciente, assim como das cirurgias realizadas em cada um deles, é apresentada na Tabela 3.
Avaliação pós-operatória
A avaliação pós-operatória é melhor ilustrada na Tabela 4.
O período de seguimento do paciente variou de 10 meses a quatro anos e quatro meses, tendo média de 30 meses.
Como pode ser observado na Tabela 4, três pacientes (ou 27% dos casos) apresentaram melhora total da cefaléia; três (27% dos casos) melhoraram em 80%; três (27% dos casos) melhoraram em 50%; um (9% dos casos) melhorou em apenas 30% e um (9% dos casos) não obteve qualquer melhora da cefaléia com a cirurgia.
Em relação às queixas nasais, cinco dos 10 pacientes que possuíam obstrução nasal mantiveram esta queixa (50% dos casos), apesar de esta estar menos intensa (em geral com 80% de melhora) e dois dos sete pacientes (28% dos casos) mantiveram a queixa de descarga pós-nasal.
No paciente que não havia melhorado da cefaléia com a turbinectomia média parcial, foi evidenciado à nasofibroscopia um pequeno pólipo em recesso esfenoidal à esquerda. Nos outros pacientes, não foi evidenciada à nasofibroscopia qualquer outra alteração de importância.
DISCUSSÃOA cefaléia pode ser um sintoma bastante frustrante, tanto para o paciente quanto para o médico. Muitos casos são difíceis de serem diagnosticados e mais difíceis ainda de serem tratados. O diagnóstico da cefaléia clássica pode ser óbvio, como o caso de cefaléia sensorial, enxaqueca e rinossinusite aguda. Entretanto, existem outras de etiologias menos óbvias, que são mais obscuras e requerem uma forte suspeita clinica. A cefaléia rinogênica é uma delas: tem como causa provável a área de contato entre o corneto médio e o septo ou a parede lateral, o que estimula a porção sensorial do trigêmio. Tal cefaléia tem como característica a dor periorbitária, mais especificamente no canto supraorbital medial ou região temporozigomática; é geralmente unilateral, associada com congestão nasal e intermitente, durando horas, com recorrência freqüente.
TABELA 2 - Patologias encontradas nos pacientes avaliados com cefaléia e sua distribuição.
TABELA 3 - Diagnóstico e cirurgia realizada em cada paciente.
Legenda: CB: concha bolhosa; PL: parede lateral; DS: desvio de septo; HCM: hipertrofia de corneto médio; TMP: turbinectomia média parcial; DS: desvio de septo; D: direita; E: esquerda.
É menos intensa quando o paciente se apresenta na posição vertical ou supina, com o lado dolorido para baixo. A natureza dessa dor referida ainda não está clara. Greenfield2 (1990) teorizou que fibras do nervo trigêmeo na mucosa nasal atingem o córtex junto com fibras aferentes, da divisão cutânea do nervo, explicando a sensação de dor facial com o estímulo nasal. Ele sugeriu que regiões em contato devem estar associadas com engurgitamento reflexo local e liberação de substâncias aminas vasoativas, que causam dor. Stamberger e WolF (1988) descreveram como neuropeptideos e, em particular, a substância P podem estar envolvidos na mediação da dor facial, devido ao contato com a mucosa.
Todos os pacientes do nosso estudo foram submetidos à tomografia computadorizada e nasofibroscopia, que comprovaram a presença de uma concha bolhosa e ou corneto médio hipertrofiado em contato ou com o desvio septal ou com a parede lateral.
TABELA 4 - Melhora da sintomatologia (cefaléia, obstrução nasal e rinorréia posterior), em intensidade, após cirurgia (avaliada em porcentagem).
Apesar de serem exaustivamente tratados clinicamente com anti-histamínicos e corticóides tópicos, não obtiveram alívio da cefaléia; por isso, aceitaram submeter-se ao tratamento cirúrgico. Curiosamente, nos primeiros seis meses pós-cirurgia, esses pacientes apresentavam uma melhora importante, quase que total da cefaléia, e tiveram alta do ambulatório. Nosso objetivo foi avaliá-los num período maior, para saber se realmente, a longo prazo, essa melhora se perpetuava. Na verdade, eles ainda apresentavam uma melhora significativa dos sintomas, mas não total: seis pacientes (ou 54%) melhoraram no mínimo 80% da cefaléia, ou ainda nove (ou 81%) melhoraram no mínimo 50%. Em relação à obstrução nasal, em 50% dos casos houve melhora total, ao passo que nos outros 50% a melhora foi significativa (no mínimo de 70%, em média de 80%). Já para a rinorréia posterior, 71% dos pacientes apresentaram melhora do sintoma.
Tais resultados indicam que a turbinectomia média, associada ou não à septoplastia, quando bem indicada, é um método eficaz para a melhora dos sintomas. Salientamos também que o procedimento é relativamente simples, sem complicações quando bem realizado. Entretanto, é importante o diagnóstico correto e deixar claro para o paciente que o tratamento cirúrgico pode trazer um alívio nem sempre total da cefaléia, mas uma melhora significativa a longo prazo.
CONCLUSÃOAtravés deste trabalho, podemos concluir que a turbinectomia parcial média é um procedimento eficaz para a melhora da cefaléia, sem complicações quando bem executada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. ANSELMO-LIMA, W. T.; GONÇALVES, R. P. - Anatomia e .fisiologia da nariz e seios paranasais. In: Costa SS, Oliveira JAA, eds. Otorrinolaringologia -Princípios e Prática. Porto Alegre: Editora Artes Médicas; 1994: 289-294.
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* Médica Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
** Professora Doutora da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
Trabalho realizado na Disciplina do Otorrinolaringologia do hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo; e apresentado no I Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, realizado em São Paulo/ SP, de 13 a 18 de novembro de 1999.
Endereço para correspondência: Profa. Dra. Wilma T. Anselmo-Lima-Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Avenida Bandeirantes, 3900 - 14096-900 Ribeirão Preto/ SP - Telefone: (0xx16) 602-21362 / 602-2863 - Fax: (0xx16) 633-0186.
Artigo recebido em 9 de fevereiro de 2000. Artigo aceito em 25 de maio ele 2000.