INTRODUÇÃOMenos de 3% das lesões inflamatórias dos seios paranasais envolve o esfenóide primariamente e o carcinoma de esfenóide ocorre em menos de 0,05% das patologias malignas sinusais'.
Tipicamente os pacientes com patologias de esfenóide apresentam-se com história longa de cefaléias retro-orbitárias e podem ter déficits de pares cranianos associados'.
RELATO DE CASOO caso relatado a seguir reveste-se de interesse por sua particularidade e raridade; assim como pelo diagnóstico diferencial com outras patologias locais.
D.M.R., 18 anos, sexo feminino, branca, procedente da Bahia; veio referindo obstrução nasal progressiva à esquerda, há 3 anos. Operada há 2 anos, com retirada de "pólipo nasal", permaneceu assintomática por aproximadamente 3 meses. Negava sangramento nasal e vinha apresentando disfagia e massa com crescimento progressivo em orofaringe, há 6 meses. Com cefaléia frontal e retro-orbitária latejante e diminuição do olfato. Não havia nenhuma alteração na história familiar e na patologia pregressa.
O exame neurológico mostrava-se normal, exceto pela hiposmia. Ao exame ORL observou-se tumoração de consistência firme, vindo da rinofaringe em direção à hipofaringe, não sangrante ao toque, e pólipo violáceo ocupando a fossa nasal esquerda.
Massa isolada e heterogênea de esfenóide esquerdo foi observada na CT, com progressão para a rinofaringe, orofaringe e narina esquerda. Não havia comprometimento das paredes ósseas do seio esfenóide. A MR confirmou os achados tomográficos e salientou a presença de vaso significativo no interior da massa, porém sem origem aparente. (Fig.1, 2, 3 e 4)
Submetida a microcirurgia por acesso transnasoesfenoidal, observamos exteriorização da massa pelo óstio, com fácil descolamento e retirada completa do tumor, constatando-se a integridade das paredes do esfenóide esquerdo. Ampliado o óstio do seio esfenóide esquerdo. O sangramento foi facilmente controlado com processo de eletrocoagulação. A peça encaminhada a anatomia patológica consistia em uma estrutura polipóide medindo 7,2 x 2,4 em, com superfície externa lisa e castanha, sendo o tecido elástico e gelatinoso aos cortes. À microscopia os cortes histológicos revelaram fragmentos de mucosa respiratória, estando o revestimento colunar substituído em grande parte por epitélio plano estratificado metaplásico; o córion estava dissociado por processo inflamatório, caracterizado por abundante edema, congestão vascular e infiltrado linfo-plasmocitário difuso com numerosos eosinófilos de permeio. A evolução no pós-operatório foi satisfatória. CT, 4 meses após, revelou-se normal. (Fig. 5 e 6).
DISCUSSÃOO seio esfenóide é relativamente pouco afetado, quando comparadoaos demais seios paranasais, sendo ainda mais acometido por processos inflamatórios do que tumorais.
A sintomatologia é vaga e não específica; os estudos retrospectivos revelam que cefaléia é o sintoma mais comum, sendo na maioria dos pacientes de localização retro-orbitária, a seguir em região frontal e menos freqüentemente difusa, queixa esta presente nos casos inflamatórios e tumorais1,2,3,4,5,6. Nossa paciente referia, além da cefaléia, obstrução nasal e disfagia, visto que o tumor ocupava a narina esquerda e estendia-se à orofaringe.
Alterações visuais são o 2° sintoma mais comum, sendo observado com maior freqüência nos pacientes com tumores de esfenóide do que naqueles que apresentam processos inflamatórios1. O VI par é o mais comumente afetado, de acordo com as séries de revisão da literatura1,4,5. Porém outros pares estão também envolvidos: II, III, IV e V. Nossa paciente não apresentava alterações visuais e o único achado neurológico era hiposmia.
Podemos estabelecer uma correlação anátomo-clínica entre o pólipo coanal solitário de Killian, que se origina da mucosa do antro maxilar e se exterioriza pelo óstio em direção à cóana. No caso por nós apresentado o tumor é primário do seio esfenóide esquerdo, se exterioriza através do óstio em direção à cóana, ramifica-se para a narina esquerda com aspecto gelatinoso e violáceo e ocupa toda a nino e orofaringe com aspecto metaplásico, atingindo grandes dimensões. À maneira do pólipo de Killian, este também se desenvolveu por estímulo desconhecido.
Mas, frente a uma lesão tumoral de esfenóide, recomendase a lembrança de que há muitos outros tumores primários, raros, benignos e malignos, incluindo aqueles originados de estrutura adjacente. Podemos citar, sem necessidade de nos aprofundarmos: adenoma pituitário ectópico com glândula hipófise anterior normal', "Brown tumor" de esfenóide como apresentação de hiperparatireoidismo primário9; Prolactinoma Ectópico no Interior de seio esfenóide; sarcoma granulocítico intracranianos rabdomíossarcoma de esfenóide condrossarcoma de esfenóide; papiloma invertido associado a carcinoma escamoso patologias inflamatórias com evolução semelhantes a tumor (mucoceles, patologias de origem fúngica, etc. Nas séries de Pearlman e na de Harbison o carcinoma de células escamosas foi o tumor de esfenóide mais comum.
Os achados das tomografias computadorizadas nos pacientes com tumores de esfenóide mostram que é raro que as paredes ósseas estejam intactas; observando-se freqüentemente extensão da massa, o que é raro nas patologias inflamatórias. Nossa paciente apresenta paredes ósseas intactas à CT, no entanto com extensão da massa à narina esquerda, rino e orofaringe.
Figura 1 - Massa em fossa nasal esquerda e rinotaringc. Seio maxilar esquerdo com espessamento mucosa
Figura 2 - Massa de esfenóide esquerdo - paredes ósseas intactas.
Figura 3 - Massa de esfenóide com progressão para rinofaringe e orofaringe.
CONCLUSÃOA patologia do seio esfenóide deve ser considerada em todos os pacientes que apresentam cefaléia vaga ou não usual. Tanto o exame dos nervos cranianos quanto a CT devem ser precocemente realizados no processo diagnóstico.
Uma vez que observamos tumor no seio esfenóide, abre-se um leque diagnóstico que somente será esclarecido pela avaliação neurológica, exames laboratoriais, tomografia computadorizada, endoscopia e biópsia. De posse desses dados é que será decidida a melhor abordagem cirúrgica e a conduta terapêutica.
O caso por nós apresentado reveste-se de interesse por sua raridade, uma vez que são infreqüentes as patologias isoladas de seio esfenóide. Entre as patologias tumorais que acometem o seio esfenoidal, podemos considerar a possibilidade de ocorrência de patologia benigna, semelhante àquelas que acometem os seios maxilares, como o pólipo solitário de Killian, a exemplo deste caso.
Figura 4 - Notar a presença de vaso no interior da massa.
Figura 5 - Peça cirúrgica.
Figura 6 - Quatro meses de pós-operatório.
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(1) Médico da Clínica ORL - Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo
(2) Médica ORL - Prefeitura do Município de São Paulo
(3) Médico Radiologista da Medimagem - Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo
(3) Apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia e XXIII Congresso Brasileiro de Endoscopia Peroral.
INSTITUIÇÃO:
Clínica ORL - Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo Rua Maestro Cardím, n° 770
Artigo aceito em 15 de outubro de 1993.