ISSN 1806-9312  
Domingo, 1 de Dezembro de 2024
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2468 - Vol. 60 / Edição 1 / Período: Janeiro - Março de 1994
Seção: Artigos Originais Páginas: 56 a 58
Otite Externa Maligna - Experiência de 10 anos
Autor(es):
Richard Louis Voegels, (1)
Maurício Garcia, (2)
Aroldo Miniti, (3)
Ricardo Ferreira Bento, (4)
Priscila Bogar

Palavras-chave: otite externa, osso temporal, paralisia facial

Keywords: otitis externa, temporal bone, facial palsy

Resumo: Os autores estudaram 12 casos de otite externa maligna em revisão de 10 anos (82-92) no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Houve predominância do sexo masculino (3:1), as idades de maior incidência foram entre 21-30 e maior que 60 anos. 0 diabetes foi encontrado em 50% dos casos. A otorréia como queixa principal foi encontrada em 100% dos doentes e otalgia em 58%. A grande maioria (75%) apresentava disacusia mista ou cofose. A paralisia facial periférica ocorreu em 58% dos pacientes. Todos os indivíduos foram tratados clinicamente e somente 1 foi submetida à mastoidectomia. 0 objetivo desse trabalho é discutir as dificuldades diagnóstícas, prognóstícas e tratamento da otite externa maligna.

Abstract: The autores studied 12 cases of malignant extemal otitis between 1982 and 1992, at ENT Department of Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. The disease was most prevalent in the mate sex and between ages 21-30 and older than 60. Diabetes was present in 50% of the patients. Otornbea was the main complain (100%), followed by pain (58%). Most of the patients had some hind of neurosensorial hearing loss (75%). Facial palsy occurred, as a complication, in 58%. All patients were submitted to drug treatment and only one had to go the operating room. The aim of this paper is to discuss the diagnostic, treatment and prognostic problems.

INTRODUÇÃO

A Otite Externa Maligna (OEM) foi diserita por Meltzer e Kelemen em e recebeu este nome de Chandler em Esta doença acomete pacientes imunocomprometidos, principalmente os diabéticos. Outros fatores predisponentes são: aterosclerose, quimioterapia, corticosteróides e hipogamaglobulinemia. Existe uma maior prevalência em clima quente e úmido.

O exame bacteriológico quase sempre revela a presença de P. Aeruginosa; eventualmente são encontrados outros patógenos como Esta patologia se caracteriza pelo caráter progressivo e necrotizante, podendo invadir tecidos profundos e levar a complicações tais como: osteomielite do osso temporal e de outros ossos da base do crânio; paralisia do VII e de outros pares cranianos; meningite e abscesso cerebral. Se não houver tratamento adequado a evolução pode ser fatal.

O diagnóstico de osteomielite de osso temporal pode ser feito com o mapeamento pelo tecnésio 99 m (Tc-e pela tomografia computadorizada.

O tratamento consiste no uso de drogas antipseudomonas por longo período (6-10 semanas). Durante muito tempo a combinação de escolha foi de aminoglicosídeocom penicilina sintética. Este tratamento, apesar de efetivo, requer hospitalização prolongada para administração endovenosa dos antibióticos. Com o advento das quinolonas, que podem ser administradas via oral, conseguiu-se manter a mesma eficácia com custos bem menores as vezes.


QUADRO 1



Figura l: Edema e hiperemia de pavilhão auricular



CASUÍSTICA E METODOLOGIA

Os autores revisaram os casos entre 1982 e 1992, com diagnóstico de internação de otite externa, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). Entre os 44 pacientes internados, a OEM foi confirmada em 12 doentes.

Os critérios para o diagnóstico definitivo de OEM foram: crescimento de pseudomona aeroginosa na cultura de secreção e evolução clínica característica.

No quadro I são apresentadas as características clínicas, tratamentos empregados e tempo de internação de cada doente. Como podemos observar, houve predominância do sexo masculino (3:1) e nas faixas etárias entre 21-30 anos e mais que 60 anos. A diabetes tipo II foi o principal fator predisponente (50%); cabe ressaltar que em 2 doentes não foi possível a identificação do fator causal.

A otorréia, em graus variados, foi observada em 100% dos doentes, a otalgia em 58% e sintomas flogísticos de pavilhão em 41,66%. A paralisia facial periférica, como complicação,ocorreu em 58%, sendo que sua instalação foi concomitante ou tardia aos primeiros sintomas da OEM. A estenose de conduto auditivo externo foi a segunda complicação mais freqüente, observada em 3 pacientes, sendo 2 deles menores de 1 ano de idade.

A disacusia condutiva foi encontrada em 41,66% dos doentes, a disacusia mista em 41,66% e cofose em 16,66%.

O tratamento clínico instituído em nossos pacientes foi a associação de antibióticos de uso endovenoso. Até 1989 esta associação era de uma penicilina de amplo espectro com um aminoglicosídeo ou uma cefalosporina de terceira geração, por 6 a 10 semanas. A partir deste ano os pacientes passaram a receber alta hospitalar no fim da segunda semana de terapia, completando o tratamento com eiprofoxacina de uso oral e fazendo acompanhamento ambulatorial.

O tempo de internação variou de 4 a 33 dias, sendo a média de 18,25 dias. Somente 1 paciente foi submetido à debridamento cirúrgico com descompressão de nervo facial, pois na tomografia de alta resolução apresentava seqüestro ósseo e alargamento do canal de Falópio na porção mastóidea. Na cirurgia foi encontrada grande quantidade de material necrótico em mastóide, erosão total de osso timpânico, e exposição patológica do nervo facial nas segunda e terceira porções. Foi então realizada mastoidectomia radical com descompressão do nervo facial, sem abertura de sua bainha. Após 1 ano de evolução, o paciente apresentava cavidade mastóidea sem sinais de infecção e recuperação total da paralisia, a audiometria permanecia com o mesmo GAP do pré-operatório.



Figura 2: TC em corte axial, mostrando lesões osteolíticas no osso temporal



Figura 3: TC em corte coronal, mostrando lesões osteolíticas na região do ouvido externo e ouvido médio preservado



DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Na nossa casuística, o sexo masculino foi o mais acometido (3:1), estando isso de acordo com a literatura". Na figura 1 pode-se observar o acometimento da região do pavilhão auricular de um paciente de 51 anos.

A TC deste caso mostra lesão osteolítica do osso temporal (figuras 2 e 3). O diabetes tipo II foi o fator predisponente mais encontrado (50%). O diabetes leva a uma microvasculopatia e alteração de função fagocitária, o que explicaria a baixa resistência encontrada nesses doentes'. Todos esses pacientes se apresentavam hiperglicêmicos na época da internação. Porém, segundo Rubin, a ocorrência de OEM não necessariamente coincide com períodos de hiperglicemia. Portanto, a descompensação pode ser decorrente do próprio estado infeccioso.

Somente em 2 pacientes não foram encontrados fatores predisponentes. Os demais doentes apresentavam outras causas de imunodeficiências, tais como: sarampo, varicela, baixa idade e imunodeficiência celular (Síndrome de Aldrich).

A disacusia neurossensorial não está associada à administração de aminoglicosídeos, pois foi anterior à administração desses. A osteomielite com liberação de substâncias tóxicas no ouvido médio, como possível penetração no ouvido interno, poderia explicar essa alteração.

A ocorrência de paralisia facial periférica como complicação da OEM é descrita em 24 a 43% dos doentes. Na nossa casuística foi encontrada em 58%. Essa ocorrência está relacionada à demora no diagnóstico. Os doentes são geralmente tratados várias semanas por otite externa simples, e o diagnóstico de OEM é feito somente após a instalação da paralisia. De acordo com Chanddee2', em torno de 50% dos pacientes recuperam totalmente a função facial.

A paralisia facial periférica é explicada pela extensão da infecção posteriormente em direção ao forâmen estilomastoideo, podendo caminhar através do canal de Falópio para dentro da mastóide.

Nos últimos anos, o uso de radioisótopos vem auxiliando no diagnóstico e acompanhamento das OEM. O teenécio 99 realça áreas de acúmulo de osteoblastos, isto é, áreas onde houve destruição óssea". Levenson" usa esse exame como um dos critérios diagnósticos. O gálio se incorpora em granulócitos realçando áreas com inflamação. É usado como critério de cura'9,". Esses exames foram disponíveis nos 2 últimos casos internados no nosso serviço.

O uso de combinações de drogas efetivas antipseudomonas, como penicilinas de largo espectro e aminoglicosídeos, deram impulso ao tratamento da OEM. Todavia, seu alto custo, hospitalização prolongada e complicações iatrogênieas são pontos contra essa terapia. Com o aparecimento da ciprofloxacina (via oral) conseguiu-se manter os mesmos índices de cura sem os inconvenientes citados.

Os doentes que fizeram uso de ciprofloxacina após a segunda semana de tratamento necessitaram de menos tempo de internação e, portanto, tiveram um custo menor.

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* Médicos residentes da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo
** Professor Titular da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo
*** Professor Associado da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo
**** Pós-graduanda (doutorado) e médica assistente da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo

Trabalho realizado na Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clinicas da Universidade de São Paulo, e LIM 32
Av.Dr. Eneas de Carvalho Aguiar, 255 - 6° andar 5/6021 - São Paulo, SP - Brasil CEP 05403-000
Artigo aceito em 26 de junho de 1993.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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