INTRODUÇÃOA Doença de Chagas ou Tripanossomíase Americana, nos países sul-Americanos, é a principal causa de megaesôfago e megacolo adquirido. No Brasil, a proporção de megaesôfago ehagásico, comparado com megaesôfago idiopático, é 20:1. Os Estados de Minas Gerais, São Paulo e Goiás têm contribuído com o maior número de casos conhecidos na literatura médica. Existem diferenças marcantes de prevalência do megaesôfago em áreas onde a Doença de Chagas é endêmica. Essas diferenças regionais podem ser atribuídas à existência de cepas diversas do T. Cruzi.
O primeiro caso de "aperistalse chagásica" foi publicado em 1670 por Sir Thomas Willis'. Em 1909 Chagas elucidou a Tripanossomiase Americana e desde então as descrições se tornaram mais completas. Nas áreas dilatadas e hipertrofiadas, e também no estômago e intestino delgado, foram encontradas alterações histológicas no plexo mioentérico do trata gastrointestinal, levando a lesões patológicas com diminuição e degeneração das células ganglionares e fibras nervosas, com infiltrado inflamatório crônico (1932). Essas alterações, provavelmente, são a causa do megaesôfago. Em 1956, em um estudo na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, verificou-se que em pacientes portadores de Doença de Chagas havia diminuição de células ganglionares no esôfago, porém o mega só aparecia após perda de mais de 90% delas. O esôfago iniciava manifestações morfológicas após perda de 50%'.
As alterações da motilidade do esôfago se traduzem clinicamente por disfagia; radiologicamente por dilatação, retenção do contraste e estreitamento do esôfago distal.
O megaesôfago chagásico é mais comum no sexo masculino e na faixa dos 30-40 anos. O início da disfagia ocorre antes dos 40 anos, em 80% dos casos. Bloqueio do ramo direito e extra-sistole ventricular são alterações cardiológicas observadas em 50% dos pacientes. As reações sorológicas da Doença de Chagas são positivas em 90% dos pacientes=, porém muitos pacientes soro-negativos apresentam manifestações clínicas inequívocas de Doença de Chagas, como megacolo e cardiopatia. As manifestações clínicas vão depender do estádio em que se encontra a afecção'. Para fins práticos, foi criada a divisão dos pacientes em 4 grupos (Quadro 1) com características clínicas e radiológicas bem definidas. Fundada no aspecto radiológico, essa classificação tinha inicialmente sentido morfológico, contudo a experiência mostrou haver correlação do aspecto radiológico com manifestações clínicas e achados endoscópicos e manométricos.
Além das alterações próprias do megaesôfago, registram-se os seguintes achados endoscópicos. esofagite de estase, esofagite de refluxo, estenose de esôfago, câncer de esôfago, hérnia hiatal, varizes esofagianas, leucoplasia, refluxo biliar duodeno-gástrico, gastrite crônica e úlcera gástrica'.
A associação de megaesôfago e carcinoma é de 9,28%, com comprometimento do estado nutricional geral, levando à má evolução e sobrevida curtas.
Empregada há mais de 70 anos, para enfraquecer o esfincter esofagiano inferior, a dilatação esofágica facilita o esvaziamento esofagiano. Instrumentos hidrostáticos, mecânicos ou pneumáticos têm sido empregados, porém a dilatação pneumática tem sido usada mais amplamente, levando em conta, principalmente, os custos e facilidade de manuseio'.
Figura 1 - Distribuição dos pacientes com Megaesôfago Chagásico, por idade e sexo.(49)
CARACTERÍSTICAS- Esôfago com diâmetro normal, pouca retençã de bário. Esôfago tubular e aberto, com coluna aérea superior.
- Sintomas de disfagia mais pronunciados, dor esofagiana, esôfago com 3-5 cm de calibre, presença de ondas terciárias e regurgitações.
- Maior dilatação e menor atividade motora do esôfago, regurgitação mais freqüente, aspiração, hipertrofia de parótida.
-Atonia e alongamento do órgão. Regurgitação clinos tática noturna, complicações pulmonares, calibre d esôfago com 8-10 em.
A endoscopia nomegaesófago encontra, ainda, indicação no controle de dilatação forçada do cárdia'.
Os autores procuram estabelecer a correlação entre a melhora clínica, radiológica e endoscópica no grupo de pacientes com megaesôfago chagásico, escolhido para propedêutica com dilatação esofágica com balão pneumático sob controle radioscópico.
CASUÍSTICA E METODOLOGIANo Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte foi realizado um estudo prospectivo de 70 pacientes portadores de megaesófago chagásico, variando de 18 a 87 anos, sendo 45 masculinos e 25 femininos.Não houve predominância de sexo por faixa etária (Fig. 1).
Os pacientes foram selecionados através de exame clínico, radiológico e endoscópico. Características bem definidas dos quatro grupos de megaesôfago chagásico, encontradas entre os nossos pacientes, são apresentadas nas figuras 2, 3,4 e 5 de Rxcontrastado. Após esofagoscopia,18 pacientes foram encaminhados diretamente à cirurgia e em 52 pacientes foi realizada a esofagodilatação. Destes, 48 foram esofagodilatados e em 4 pacientes este procedimento foi ineficaz, sendo eles encaminhados à cirurgia. Ressalta-se que, entre os esofagodilatados, 4 pacientes haviam sido submetidos a cirurgia prévia, sem sucesso.
Vários fatores foram considerados para indicação de tais procedimentos: idade do paciente, risco anestésico, preferência do paciente, problemas clínicos e influência risco-benefício.
O período de acompanhamento dos pacientes foi de 5 anos e o parâmetro de comparação foi melhora clínica, radiológica e endoscópica. O instrumento utilizado foi balão pneumático sob controle radioscópico.
Figura 2. Megaesôfago Chagásico Grupo 1
Figura 3. Megaesôfago chagásico Grupo II
Figura 4. Megaesôfago chagásicoGrupo III
Figura 5. Megaesôfago chagásico Grupo IV
Figura 6 - Resultado final dos 70 pacientes
Figura 7 - Resultado das 52 esofagoscopias com dilatações
Aconduta realizada foi uma dilatação esofágica e retorno em 30 dias para avaliação (procedimento ambulatorial). Os pacientes foram submetidos a novas dilatações com espaço mínimo de 30 dias e máximo de 6 meses.
RESULTADOS E DISCUSSÃOComo resultado final dos 70 pacientes, observamos 68,6% de dilatações com evolução satisfatória (48 pacientes) e 31,4% (22 pacientes) com indicação de intervenção cirúrgica (18 encaminhados diretamente e 4 após esofagodilatação em sucesso) (figura 6).
Dos 52 pacientes que foram submetidos à esofagoscopia com dilatações, 48 foram esofagodilatados com sucesso e em 4 o tratamento foi ineficaz (figura 7).
A esofagodilatação não é isenta de riscos. Na ordem de gravidade, podem ocorrer: perfuração com mediastinite, sangramento intestinal, dor esofágica (pirose, epigastralgia), dor referida (escápula direta, auricular) etc.
Apesar das complicações descritas, em nosso serviço registraram-se apenas dor esofágica, pirose e dor referida para a escápula direta, que obtiveram melhora com Buscopan ou Baralgin EV.
CONCLUSÕESO presente trabalho visa estabelecer, através deste estudo prospectivo do grupa de pacientes com diagnóstico de megaesôfago, a terapêutica de esofagodilatação através do balão pneumático sob controle radioscópico, como indicação para pacientes já submetidos a cirurgias prévias, porém sem sucesso; pacientes com idade avançada; em portadores de alto risco cirúrgica e anestésica (patologias debilitantes etc.) e para pacientes que recusam o tratamento cirúrgico.
Os autores enfatizam que o método proposto, apesar de não ser isento de riscos, é de fácil aplicação e controle e, além disso, apresenta excelente resultado clínico/radiológico/endoscópico.
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* Chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte - Belo Horizonte - Minas Gerais
** Residente do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte - Belo Horizonte - Minas Gerais.
Endereço: SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BELO HORIZONTE Praça Hugo Wemeck, s/n
30150-300 - Santa Efigênia Belo Horizonte - Minas Gerais Trabalho apresentado no I Encontro Médico da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, em 17/0911942.
Artigo aceito em 15 de setembro de 1993.