INTRODUÇÃOOs lipomas de laringe são tumores benignos, intrínsecos ou extrínsecos, mais freqüentemente encontrados na região supraglótica (pregas ventriculares). A localização glotica é a mais rara.
As manifestações clínicas decorrem da obstrução ao fluxo aéro-digestivo, com quadros de dispnéia, disfagia e/ou disfonia.
O diagnóstico dos lipomas da laringe é feito pelos exames radiológicos, especialmente tomografia e ressonância, e pela endoscopia da laringe.
No presente artigo, fazemos extensa revisão da literatura sobre os lipomas da laringe, abordando suas características macro e microscópicas, diagnóstico e diagnóstico diferencial e formas de tratamento, de modo a chamar a atenção elo leitor para esta pouco freqüente patologia.
Apresentamos o caso de um paciente com 74 anos de idade, com lipoma supraglótico.
REVISÃOOs lipomas da laringe são tumores benignos, podendo ser classificados em intrínsecos e extrínsecos. Os intrínsecos têm como sítio de localização mais comum a prega ventricular, sendo freqüentemente encontrados na região supraglótica, que é a localização da maior parte da gordura laríngea, apesar do registro de um lipoma laríngeosubglótico6. Os extrínsecos são decorrentes de infiltração adiposa de lipomatoses cervicais. A localização glótica é a mais rara. Anatomicamente, podem ser pediculados ou submucosos.
Os lipomas pediculados podem causar obstrução aérea, havendo inclusive o relato de uma paciente adulta jovem que foi encontrada morta com uma tumoração saindo pela boca, diagnosticada posteriormente como um lipoma benigno pediculado2. Os lipomas submucosos deformam a laringe, podendo ocasionar obstrução parcial da via aérea, distúrbios fonatórios e ronco.
O diagnóstico dos tumores lipogênicos da laringe é amplamente facilitado pelos exames de imagem radiológica. Tipicamente, o tecido adiposo apresenta baixa atenuação à tomografia computadorizada e é menos denso que a água. Portanto, a tomografia não apenas revela a extensão do tumor, como também estabelece sua natureza lipomatosa3. Não há uma cápsula bem definida, mas a lesão é bem delineada pelo tecido mole circunvizinho. A ressonância magnética também possui valor diagnóstico5.
Histologicamente, os tumores se apresentam parcial ou completamente encapsulados. As células do lipoma são uniformes, variando um pouco na forma e no tamanho, mas sem apresentar atipia celular.
Os tumores não demonstram evidência de infiltração nem a presença de adipócitos atípicos e são caracterizados pela grande variabilidade de forma e tamanho, com núcleos hipercromáticos. Lipoblastos também não estão presentes. Na literatura, há relatos de variedades histológicas dos lipomas laríngeos benignos, como o lipoma mixóide, que é mais raro que o lipoma bem diferenciado1, e o lipoma de células fusiformes, com apenas uma descrição em toda a literatura revisada4.
No diagnóstico diferencial destas patologias entram outros tumores benignos, como o leiomioma, o condroma, o neurofibroma, o papiloma, o higroma cístico e o cisto parenquimal. No entanto, nenhuma destas lesões possui os baixos valores de atenuação à tomografia do lipoma. Na laringe, entretanto, a principal entidade a ser diferenciada do lipoma é um bem diferenciado lipossarcoma que, em contraste com o primeiro, é infiltrativo, possui evidências citológicas de pleomorfismo e atipia e contém lipoblastos8. Há o relato também de um lipoma laríngeo que, a princípio, recebeu o diagnóstico de laringocele1.
O tratamento de escolha para os lipomas laríngeos é o cirúrgico. Os tumores pequenos podem ser removidos endoscopicamente, enquanto que os maiores geralmente requerem uma abordagem externa, como laringofissura, faringotomia lateral e faringotomia anterior trans ou sub-hióidea6, 3, 5, 3, 8, 1. Alguns autores consideram ainda a apresentação anatômica da lesão: os submucosos se tratando por exposição laríngea lateral ou faringotomia lateral; e os pediculados, por via endoscópica1. No entanto, quando se planeja a abordagem cirúrgica, deve se levar em consideração não só o tamanho, mas também a localização do tumor6, 3, 7, respeitando o principio básico de tratamento para todas as lesões laríngeas benignas, que consiste na sua remoção completa e conservadora, isto é, preservando-se a função do órgão6. Independentemente do tipo de cirurgia empregada, a remoção completa da lesão é um fator muito importante no sentido de prevenir uma possível recidiva ou recorrência ou a sua eventual transformação para lipossarcoma2, 3, 4, 7. Entretanto, poucos casos de degeneração maligna de lipomas benignos foram descritos5.
APRESENTAÇÃO DE CASOPaciente: F. C., com 74 anos ele idade, do sexo masculino, aposentado, com queixa de dispnéia ele decúbito, referindo que tinha um "negócio preso na garganta". Há reais ou menos cinco anos sentiu o problema, mas não tão intenso, com piora gradual nos últimos cinco meses. Apresenta disfagia à ingestão de alimentos líquidos e pastosos, com crises de engasgos e tosse. Tabagista moderado com antecedentes de neoplasia maligna intestinal (cirurgia seguida de quimioterapia há cinco anos).
À videolaringoscopia, observamos massa tumoral de 4x3 cm, localização no ligamento ariepiglótico esquerdo, projetando-se para o vestíbulo laríngeo, com base e mucosa normal (Foto 1). Pescoço sem alteração. Não foi realizado estudo radiológico pré-operatório.
Foto 1. Aspecto endoscópico de lipoma de laringe (pré-operatório).
O paciente foi submetido à microlaringoscopia sob anestesia geral, entubado, com exposição de massa tumoral lisa de 4x3 cm compreendendo todo o ligamento ariepiglótico esquerdo. Utilizando-se de microcautério, foi feita incisão mucosa e identificação de tecido adiposo que foi removido integralmente, com sangramento moderado e ressecção do excesso de mucosa.
O estudo histológico (Foto 2) revelou fibrolipoma e a recuperação foi excelente, com ausência dos sintomas e de seqüelas no pós-operatório (Foto 3).
DISCUSSÃOOs tumores adiposos da laringe são raros; porém, devem ser considerados no diagnóstico diferencial dos tumores deste órgão, principalmente da região supraglótica, apresentando-se como massas individualizadas ou difusas, como as lipomatoses cervicais.
Podem manifestar-se com sintomas obstrutivos ou disfônicos, de acordo com sua extensão e localização.
Sua malignização é rara e o tratamento deve ser cirúrgico, através da via endoscópica ou cervical externa.
Em nosso caso, o paciente apresentava disfagia moderada com crises de engasgos e tosse, além de sensação de corpo estranho na faringe.
A ressecção cirúrgica foi feita através de microlaringoscopia, com recuperação completa do paciente.
Foto 2. Detalhe histológico de lipoma submucoso de laringe H&E x 100.
Foto 3. Aspecto endoscópico de lipoma de laringe (pós-operatório).
CONCLUSÕES1. Entre os tumores benignos da laringe, os lipomas devem ser considerados no diagnóstico diferencial, principalmente os localizados na região supraglótica.
2. Os sintomas de disfagia, disfonia e dispnéia estão relacionados ao seu volume e localização.
3. O diagnóstico pode ser feito por endoscopia e pelos estudos radiológicos (tomografia e ressonância).
4. Sua malignização é rara.
5. O tratamento deve ser cirúrgico, através da via endoscópica ou cervical externa.
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* Médico Otorrinolaringotlogista do Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo.
** Médico Residente em Otorrinolaringologista do Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo.
*** Diretor do Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo.
Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital e Maternidade São Camilo - São Paulo.
Endereço para correspondência: José Antonio Pinto - Alameda dos Nhambiquaras, 159-Moema-04090-010 São Paulo/ SP. Telefone/Fax: (0xx11) 573-1970 / 573-3497 / 571-5360 - E-mail: japorl@cepa.com.br
Artigo recebido em 25 de junho de 1999. Artigo aceito em 22 de julho de 1999.