INTRODUÇÃOO primeiro pesquisador a definir a IVB foi Denny Brown10, em 1953. Segundo ele, IVB é o quadro representado por todos os sintomas devidos à diminuição do fluxo sangüíneo no território vértebro-basilar.
As lesões ateromatosas das artérias vertebrais e basilar são a etiologia mais comum, mas outras afecções podem ser as responsáveis como: lesões de cérvico-artrose da coluna cervical, aneurismas, traumas e compressões extrínsecas, entre outras. Quanto à fisiopatologia, podemos explicá-la sob o ponto de vista hemodinâmico, e como pontos principais podemos citar:
1.) - o sistema vértebro-basilar é desprovido de mecanismo baro-sensível; c, assim, as variações da pressão arterial podem determinar uma variação significativa do fluxo. É o que acontece na passagem repentina da posição sentada para a de pé, hemorragias, uso de hipotensores e outros fatores.3
2.) - o giro lateral do pescoço provoca uma redução do fluxo arterial no lado oposto, de até 50%12, assim como a hiperextensão do pescoço5;
3.) - segundo a lei hemodinâmica de Poisseille-Hagem, pequenas reduções do calibre dos vasos provocam importantes reduções do fluxo arterial3.
O quadro clínico é variável, podendo ser de simples desequilíbrio postural, como na Vertigem Postural Paroxística Benigna, até a morte7. A vertigem, para a maioria dos autores1, 8, 11, 15, 16, é o principal sintoma. Em alguns indivíduos, aparece o dropp-attack1, que é a queda súbita sobre os joelhos, ao rodar a cabeça, sem perda da consciência. Este é o sinal mais característico de IVB. As perturbações visuais, que vão desde a visão borrada até a diplopia e as perdas transitórias de visão, são, de acordo com Corvera8, o segundo sintoma em importância.
Como os sintomas dependem da localização da obstrução, do seu tamanho e duração, o diagnóstico torna-se difícil3. O diagnóstico de certeza é feito através da arteriografia clássica ou digital e da ângio-ressonância. Por tratar-se de exames invasivos ou onerosos, e ainda se justificarem apenas no caso de o paciente apresentar possibilidades cirúrgicas, temos realizado a pesquisa do nistagmo de privação vértebro-basilar proposta por Caussé5, para orientar esses casos. Ultimamente, temos utilizado a pesquisa das artérias vertebrais e carótidas com o método Duplex Scan (Mapeamento Duplex), nos casos em que a pesquisa do NPVB é positiva.
O nistagmo de privação vértebro-basilar, segundo Caussé5, é o nistagmo obtido por uma extensão e rotação prolongada do pescoço por três minutos, quando todos os nistagmos de outras origens (proprioceptiva, labiríntica) já se esgotaram. O Mapeamento Duplex (MD) é um exame de imagem utilizado para avaliar o fluxo sangüíneo nas artérias carótidas e vertebrais e tem a vantagem de não ser-invasivo. A técnica do MD é uma associação entre a imagem na escala cinza, baseada na diferença de amplitudes de ondas refletidas entre o sangue fluido e os tecidos adjacentes, e o sistema doppler de onda pulsátil. A composição dos dois métodos fornece diagnóstico anatômico e funcional concomitantes. A imagem de alta resolução visualiza O vaso estudado, identifica as alterações morfológicas dos segmentos analisados e localiza o fluxo turbilhonado através de pixels coloridos. Em seguida, a colocação do volume ele amostra do doppler pulsátil, no local da perturbação do fluxo, e a obtenção da curva da velocidade nos pontos desejáveis são as etapas principais que completam o diagnóstico6.
MATERIAL E MÉTODOMaterial
Nosso material constitui-se de 21 pacientes diagnosticados como portadores de IVB e com pesquisa de nistagmo de privação vértebro-basilar positiva. Esses pacientes eram todos do ambulatório da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFM-USP), setor de Otoneurologia.
Método
Todos os pacientes foram submetidos a exames otorrinolaringológicos, otoneurológicos, radiológicos e laboratoriais, realizados na Clínica ORL do HC da FM-USP é ao exame do MD dos vasos cervicais, realizados no Instituto do Coração (INCOR) da FM-USP.
O nistagmo ele privação vértebro-basilar foi realizado segundo a técnica proposta por Caussé5, de acordo com as següintes etapas:
1.) - Paciente colocado na maca de exame em DDH.
2.) - Colocação dos eletrodos do eletronistaginógrafo.
3.) - Pesquisa do nistagmo espontâneo, olhos abertos e fechados.
4.) - Pedimos para o paciente ficar com a cabeça pendente e fizemos uma rotação máxima para a esquerda, por 4 minutos. Gravamos os primeiros 30 segundos e desligamos o aparelho para tornar a ligá-lo após 3 minutos, até completar 4 minutos.
5.) - Da mesma maneira, giramos a cabeça para a direita e repetimos o exame.
Consideramos como sendo de privação o nistagmo que aparece entre os 3.30 e 4 minutos. Se houve nistagmo espontâneo, consideramos como de privação aquele cuja velocidade angular da componente lenta (VACL) varie mais ou menos 3 graus por segundo3.
Utilizamos o sistema de Mapeamento Duplex (MD) (7,5 MHz; SD 800 Philips), para analisar os segmentos cervicais das artérias carótidas e vertebrais, bilateralmente. Na avaliação das carótidas internas por MD, consideramos como indicativo de estenose maior que 50% a velocidade do pico sistólico máximo (VPSM) menor que 120 cm/s. No estudo das artérias vertebrais, realizado entre C3-C6, a presença de fluxo retrógrado ou anterógrado à VPSM menor que 10 cm/s foi considerada patológica.
RESULTADOSDos 21 pacientes, 16 (76,2%) eram do sexo feminino; e cinco (23,8%) do sexo masculino. As idades variavam de 33 a 75 anos, com média de 53,8 anos. Três deles (14,3%) apresentavam comprometimento intrínseco de uma das artérias vertebrais (estenose) e um (4,7%) apresentava compressão extrínseca.
Em 15 (71,4%) dos 21 pacientes submetidos ao Duplex das artérias vertebrais também foi realizada pesquisa nas carótidas, e três (20%) apresentavam alterações nas carótidas, além das vertebrais.
Assim sendo, quatro (19%) dos 21 pacientes apresentaram MD positivo.
DISCUSSÃOComo vimos, o diagnóstico de IVB é difícil. O exame otoneurológico e a anarunese levam-nos a suspeitar ele IVB, assim como no traçado eletronistagmógrafo podemos encontrar pistas como o nistagmo espontâneo, o nistagmo de torção cervical, os nistagmos posicionais, alterações nas provas calóricas e rotatórias; entretanto, esses sinais sugerem apenas comprometimento periférico ou central e não a IVB em si4.
Das alterações observadas no exame otoneurológico, julgamos sugestivas de IVB: nistagmo espontâneo de velocidade elevada, optocinético central, nistagmos posicionais centrais e alteração da componente rápida na prova calórica4. A pequena escritura, aventada por Montandon13, temos encontrado esporadicamente.
Quanto ao nistagmo de privação vértebro-basilar, em estudo anterior3 que realizamos em pacientes com história clínica de IVB e em indivíduos normais, encontramos nistagmo de privação em 43,3% dos casos patológicos e em 13,3% dos indivíduos normais.
Com respeito ao nistagmo de torção cervical (NTC), em pesquisa anterior3 - encontramos positividade em 50% dos pacientes portadores de síndrome de Barré-Lieou e em 53% dos indivíduos normais, à semelhança de outros autores14, 15.
Os métodos não invasivos por imagem vêm sendo aplicados desde as experiências de Holmes6, o primeiro autor a utilizá-los em equipamentos de ultrassom, para visualizar as artérias carótidas. A partir de 1970, tornou-se possível a análise quantitativa da velocidade de fluxo sangüíneo com a técnica Doppler de onda pulsátil. A técnica Duplex foi introduzida em 1974; e, desde então, tem trazido grandes contribuições para a técnica vascular não invasiva6.
TABELA 1- Idades dos pacientes e resultados dos exames realizados.
Legenda: NPVB = nistagmo de privação vértebro-basilar; F = feminino; M = masculino
Na análise do Duplex das artérias vertebrais, o principal transtorno parece ser que, por esse método, existe dificuldade na visualização da emergência das artérias vertebrais, local onde mais ocorrem as obstruções por placas de ateroma9. A imagem mais facilmente obtida é das artérias vertebrais no segmento cervical compreendido entre C3 e C6. Neste caso, as apófises transversas das vértebras servem como ponto de referência para localizar o trajeto das artérias no segmento cervical. Assim sendo, ao registrar-se a velocidade cio fluxo sangüíneo no segmento C3-C6 será identificado o fluxo a montante à obstrução. Logo, o mapeamento feito pelo Duplex no segmento cervical retrata apenas repercussões hemodinâmicas; e, portanto, é um teste indireto. Somente a presença de estenoses maiores que 70% a 80% na emergência da artéria vertebral provoca fluxo anterógrado de intensidade e velocidade diminuídas no nível de C3-C6. Nesses casos, a velocidade do pico sistólico máximo é inferior a 10 cm/s. Essas dificuldades com o Doppler justificam a sua baixa positividade (19010) no diagnostico de IVB.6
Diante do exposto, fica difícil explicar a grande sensibilidade do NPVB, a não ser que a diminuição pequena do fluxo sangüíneo interfira de maneira importante nos mecanismos eletrofisiológicos geradores do nistagmo. Um dado importante que temos são os casos de Vertigens Posturais Paroxísticas Benignas, nos quais alterações frustras do fluxo sangüíneo são capazes de causar isquemia da mácula do utrículo, com liberação das otocônias, como sugere Coll7.
CONCLUSÃONosso estudo mostrou a maior sensibilidade da pesquisa do NPVB em pacientes portadores de IVB, comparada ao MD. Sabemos que o diagnóstico de certeza é feito pela angiografia e angioressonância, que são exames onerosos e invasivos.
A pesquisa do Nistagmo de Privação é de fácil realização, pequeno custo e permite não apenas fazer o diagnóstico, mas também, nos casos que apresentam possibilidades cirúrgicas, triar o paciente para os exames que confirmem o diagnóstico.
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* Assistente Doutor(a) da Divisão de clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
** Assistente Doutor do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
*** Professora Auxiliar da Disciplina de Otorrinolaringologia da UNB.
**** Médico (a) Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Trabalho realizado na Disciplina de Clinica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP - Serviço do Professor Aroldo Miniti.
Endereço para correspondência: Dr. Fernando Veiga Angélico Jr. - Departamento de Otorrinolaringologia - Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - Sala 6002. 05431-001 São Paulo/ SP - Telefone/Fax: (0xx11) 280-0299.
Artigo recebido em 2 de março de 2000. Artigo aceito em 28 de abril de 2000.